Especialistas analisam abstenção recorde nas eleições de 2020
Da Redação | 30/11/2020, 15h56
Além de ter sido realizado num cenário de pandemia e adiado por algumas semanas, o processo eleitoral de 2020 também será lembrado como o que apresentou abstenção acima da média. No segundo turno, realizado no domingo (29), 29,5% dos eleitores habilitados optaram por não comparecer às urnas, num país em que o voto é obrigatório.
— Foi um número maior que o desejável. Mas precisamos ter em conta que fizemos as eleições em meio a uma pandemia que consumiu 170 mil vidas, e pessoas com temor deixaram de votar, muitas por medo, outras por estarem com a doença e muitas por estarem com os sintomas — disse em entrevista coletiva o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, na noite de domingo.
A abstenção no processo eleitoral de 2020 é a maior verificada nas últimas décadas. Um número bem superior aos processos eleitorais mais recentes (2018, 2016 e 2014), quando o índice ficou em torno de 21%. Número também muito superior ao verificado nos demais pleitos para prefeitos e vereadores em 2012 (19,12%), 2008 (18,09%), 2004 (17,3%), 2000 (16,2%) e 1996 (19,99%). Ainda assim, Barroso interpreta que o índice de comparecimento em 2020 deve ser celebrado.
— Prefiro ver este copo 'meio cheio' do que 'meio vazio'. Quando iniciou-se o processo eleitoral, temia-se uma abstenção colossal devido à pandemia, e não foi o que ocorreu. Fizemos o processo eleitoral dentro das mais rigorosas diretrizes de segurança sanitária, e as pessoas compareceram — reiterou.
Culpa da pandemia
Para o consultor legislativo Gilberto Guerzoni, especialista em Direito Eleitoral que assessorou a elaboração da Lei das Eleições (Lei 9.504, de 1997) e de suas revisões, a abstenção verificada em 2020 "de fato chama a atenção".
Ele alerta para índices recordes em grandes capitais, como Rio de Janeiro (35,4%), Porto Alegre (32,8%) e São Paulo (30,8%). Outras cidades que tiveram alto percentual de eleitores ausentes foram Goiânia (36,7%), Petrópolis (35,6%), Ribeirão Preto (35,6%), Blumenau (31%), Joinville (28%) e Aracaju (27,8%). Na maioria desses municípios, a abstenção, somada aos votos nulos e brancos, supera a votação obtida pelo vencedor do pleito. Guerzoni avalia que a pandemia foi a responsável direta pelos índices recordes, e como o ministro Barroso, preferiu se concentrar no comparecimento.
— Índices de abstenção próximos de 40% em algumas cidades não podem ser ignorados. A abstenção tem subido a cada processo eleitoral, o que a maioria dos analistas atribui à desilusão de parte expressiva do eleitorado com a política brasileira. Mas o salto verificado em 2020 é muito significativo, se comparado ao de 2018, que foi próximo de 20%. Este processo eleitoral foi totalmente atípico, devido à pandemia. Desde o início já se esperava uma grande abstenção, por causa do medo das pessoas. Alguns senadores chegaram a propor que o voto fosse facultativo em 2020, para todos ou pelo menos para os grupos de risco. Naquela época, temia-se que a abstenção fosse de 50%, o que não ocorreu — releva Guerzoni em entrevista à Agência Senado.
Apesar da visão otimista, o consultor avalia que o sistema político precisa estar atento ao que ocorrer nos próximos pleitos, devido à tendência histórica de aumento dos índices de abstenção. Só aí será possível avaliar, de fato, se o que ocorreu em 2020 "foi um ponto fora da curva".
Desinteresse eleitoral
Para o sociólogo Marcos Coimbra, presidente do instituto Vox Populi, a pandemia influiu nos índices recordes de abstenção verificados em 2020, "mas não explica o fenômeno sozinha". Ele entende que as recentes revisões nas regras eleitorais desestimulam o debate e a participação cívica, quadro agravado pela crise econômica decorrente da pandemia. Para Coimbra, o atual modelo eleitoral limita o engajamento cidadão desde o primeiro turno, e o pouco tempo de campanha no segundo turno em 2020 (apenas duas semanas) não foi suficiente para reverter estruturalmente o cenário.
— Os processos eleitorais têm se tornado cada vez mais frios, no que tange ao aprofundamento das pautas que afetam mais diretamente o povo. A propaganda dos candidatos na TV e no rádio tornou-se algo quase impossível, porque o tempo de exposição de propostas foi reduzido ao mínimo, num quadro de pulverização de candidaturas, também estimulado pela lei eleitoral. Em diversas capitais, onde tradicionalmente havia entre cinco a sete candidatos para prefeito, este ano tivemos entre 12 a 14 candidaturas, às vezes até mais. Dividindo no máximo dez minutos de tempo total entre eles para apresentarem as propostas. Como é possível ter um debate profundo sobre os graves problemas sociais das cidades brasileiras em menos de um minuto? — reclama o sociólogo em entrevista à Agência Senado, acrescentando que o quadro foi ainda mais dramático nas eleições para vereadores, com milhares de candidatos nas grandes cidades.
O sociólogo alerta que o índice de eleitores que ainda não usa a internet para se informar sobre o pleito "é expressivo, e não pode ser ignorado". Suas pesquisas indicam que a maioria dos eleitores acabou não se empolgando com o processo eleitoral deste ano, diante do quadro de grandes dificuldades.
— A abstenção reflete também o modelo eleitoral adotado, e como a cidadania reage a ele. A escolha de prefeitos e vereadores, que eu entendo ter grande importância, acabou não sendo percebida dessa forma por parte expressiva do eleitorado. A crise econômica, a redução da renda, o aumento do desemprego e o fim do auxílio emergencial são questões que afetam muito mais a vida real das pessoas, e acabaram não tendo o debate aprofundado. A pandemia também reduziu ao mínimo os comícios, passeatas e eventos políticos presenciais. Enfim, foi um processo em que a mobilização cidadã e o aprofundamento do debate enfrentou um cenário desfavorável, e a meu ver, isso também contribuiu para a abstenção recorde — acrescenta o sociólogo.
Diante do cenário, Coimbra ainda avalia que está na hora de o Parlamento enfrentar o debate sobre a obrigatoriedade do voto.
— Essa é uma discussão que precisa ser feita. Esse voto obrigatório é um resquício do regime militar que vigorou até 1985. Uma parte do eleitorado já não elege ninguém, o que é visto com desprezo por setores de tendência elitista na nossa sociedade. Mas penso que é uma visão equivocada. O voto deve ser percebido pelas pessoas como um direito, não como uma obrigação. Não querer votar é uma opção do eleitor como qualquer outra. Defendo que o Parlamento deve enfrentar esta discussão, dentro de uma ampla revisão do modelo político em vigor neste país — finaliza Coimbra.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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