Projeto que protege bancos com investimentos no exterior segue para sanção

Da Redação | 08/07/2020, 19h13

O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (8) o projeto que protege bancos e corretoras com investimentos fora do país de variação cambial excessiva. O texto se originou da medida provisória (MP) 930/2020 e, como foi modificado pelo Congresso, transformando-se em um projeto de lei de conversão (PLV), segue agora para sanção presidencial.

O projeto altera a tributação sobre o hedge (uma espécie de seguro) que instituições financeiras fazem sobre os seus investimentos para compensar prejuízos que possam ter com variações no câmbio. Segundo o Executivo, a pandemia de covid-19 tem sujeitado esses investimentos a uma volatilidade cambial maior, o que justificaria a medida.

Além disso, o Banco Central (BC) afirmou, na justificativa para a MP 930/2020, que a mudança corrigirá “distorções” que existem hoje na tributação de investimentos fora do país. Pelas regras atuais, a variação cambial sobre a parte protegida do investimento não é tributada, mas a variação sobre o hedge, sim. Isso diminui o valor líquido do seguro, exigindo que os bancos busquem uma proteção mais custosa (overhedge) para compensar.

Com a MP, a tributação sobre a variação cambial do investimento protegido será igual à tributação sobre a variação do hedge, e ambas entrarão na base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esse encontro se dará de forma escalonada: a partir de 2021, 50% da variação do investimento será tributada; a partir de 2022, será 100% da variação.

Segundo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que foi o relator da MP, a nova regra vai aumentar a liquidez dos bancos, permitindo que eles tenham mais dinheiro à disposição para injetar na economia interna do país. Ele explicou que isso acontecerá porque os bancos não precisarão mais recorrer ao overhedge.

Questionamentos

Durante a votação, os senadores Alvaro Dias (Podemos-PR), Cid Gomes (PDT-CE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmaram ter reservas quanto à matéria. Para eles, a medida vai incentivar a fuga de recursos para fora do país, justamente num momento em que a economia precisa de investimentos internos. Também observaram que, mesmo com vários instrumentos do BC para garantir liquidez, os bancos não têm ofertado crédito em quantidade suficiente para suprir as demandas da economia.

— A preocupação do governo deveria ser a movimentação da economia. Esta MP deveria ser combinada com apoio ao capital produtivo e aos mais pobres. É necessária, mas há outros aspectos mais importantes — disse Randolfe.

Em resposta, Fernando Bezerra Coelho explicou que a mudança na tributação trará mais arrecadação com os investimentos no exterior.

— Antes da MP, os investimentos só eram tributados quando realizados, isto é, vendidos, o que poderia levar décadas para acontecer. Agora a tributação passará a ser anual. Isso não é um alívio para os bancos e nem estimula investimentos no exterior. É apenas o reconhecimento de uma realidade. O Brasil tem fortes investimentos no exterior.

Recebíveis

Durante a discussão do projeto, Bezerra anunciou um acordo com o BC para implementar a Central de Recebíveis de Cartão, um arranjo já anunciado pelo órgão desde 2018 mas nunca posto em prática. A Central seria um espaço, aberto a todos os bancos, em que empresas que fizeram vendas no crédito possam negociar o recebimento integral do valor devido, mediante pagamento de uma taxa. Hoje, elas só podem obter esses recursos do banco vinculado ao cartão que efetuou a compra.

A senadora Kátia Abreu (PP-TO) propôs emenda para adicionar ao texto a implementação imediata da Central. Segundo ela, um sistema de concorrência entre os bancos pelo direito aos recebíveis vai resultar em taxas mais baixas para as empresas. O prazo atual do BC para colocar a Central em funcionamento é o dia 30 de novembro deste ano. Segundo Bezerra, caso esse prazo não seja cumprido, o governo vai apoiar projeto de lei para instituir o sistema imediatamente. Diante dessa proposta, Kátia Abreu retirou a sua emenda e mencionou que já apresentou projeto nesse sentido (PL 3.288/2020).

Conteúdo

Investimentos em sociedades no exterior são um ativo em moeda estrangeira, em geral dólar, e muitas instituições contratam instrumentos de hedge, também em dólar, para se proteger dos efeitos da variação cambial. Essa proteção pode ser a aquisição de contratos futuros de dólar ou de cupom cambial no mesmo valor. Assim, o banco terá em seu balanço um ativo e um passivo iguais, o que compensaria eventuais prejuízos com a flutuação do câmbio.

O projeto determina que, em caso de falência ou liquidação extrajudicial de instituições financeiras decretadas após a edição da MP, poderão ser convertidos em crédito presumido as perdas com o hedge cambial ocorridas de 1º de janeiro de 2018 até 31 de dezembro de 2020. Crédito presumido é um desconto em impostos a serem pagos. Essa conversão só poderá ser feita até 31 de dezembro de 2022.

A MP também age sobre arranjos de pagamento e letras financeiras. Arranjos de pagamentos envolvem lojistas, operadoras de cartão de crédito, bandeiras de cartão e empresas que alugam máquinas de cartão. Letras financeiras são títulos de renda fixa emitidos pelos bancos com prazo de um ano ou mais, e servem para empresas captarem dinheiro no mercado.

No caso dos arranjos, a MP busca garantir que recursos recebidos pelos participantes para liquidar as transações de compra e venda não se misturem com seu patrimônio e não possam ser objeto de arresto, sequestro judicial, busca e apreensão ou qualquer outro ato em razão de débitos da empresa.

Esse dinheiro não poderá ser dado como garantia, exceto se o direito de crédito for cedido para obter recursos destinados a cumprir as obrigações de pagamento do sistema. Se a instituição entrar em liquidação pelo BC ou abrir falência ou recuperação, os recursos também não podem ser considerados como pertencentes à massa falida.

Iguais restrições serão aplicadas para os bens e direitos dos participantes colocados como garantia para as liquidações das transações pelas quais são responsáveis.

A Câmara dos Deputados incluiu dispositivo para fixar que a empresa que ceder o crédito não será responsável caso ocorra inadimplência daquele que tiver assumido a obrigação de liquidar a dívida, salvo em caso de comprovada má-fé.

Já sobre as letras financeiras, a MP autoriza o Conselho Monetário Nacional (CMN) a permitir que os bancos emitam esses papeis com prazo de resgate inferior a um ano. Esses títulos poderão ser dados em garantia ao BC em troca de empréstimos, permitindo a injeção de dinheiro nas instituições financeiras. Na prática, os bancos vão poder vender títulos ao BC para obter mais recursos. A medida beneficia principalmente os bancos que não possuem uma ampla rede de varejo para captar recursos dos clientes.

No seu texto original, a MP também tinha um dispositivo para garantir a servidores e diretores do BC proteção contra punições criminais pelo exercício das suas atribuições (as únicas exceções seriam casos de fraude ou má-fé). Após críticas e um acordo com o governo, esse dispositivo foi retirado do texto durante sua tramitação na Câmara.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)