Sob controvérsia, comissão debate cobrança de direitos autorais em hotéis

Da Redação | 10/03/2020, 21h43

A isenção da cobrança de direitos autorais em quartos de hotéis e cabines de embarcações, determinada pela Medida Provisória (MP) 907/2019, foi tema da audiência pública realizada nesta terça-feira (10) pela comissão mista que examina essa MP. Os participantes manifestaram opiniões divergentes sobre o assunto. Especialistas ouvidos pelo colegiado ressaltaram que a Constituição protege a inviolabilidade dos aposentos de hotéis. Eles também criticaram os critérios de cobrança do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e pediram a modernização da lei de direitos autorais em face dos avanços tecnológicos. Representantes dos compositores e do Ecad, porém, defenderam a cobrança e pediram diálogo para que os criadores não sejam prejudicados.

Apesar de reconhecer a importância do Ecad, Manoel Cardoso Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), afirmou que é inadmissível a cobrança de direitos na proporção da ocupação dos quartos de hotéis. O assessor jurídico da Abih, Huilder Magno de Souza, citando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que não se pode cobrar por músicas “supostamente” executadas em ambientes privados.

— A hotelaria não é contra [a arrecadação de direitos]. O segmento cultural contribui para o movimento no turismo, o que é bom para os hotéis — declarou.

Huilder, que foi vaiado por representantes dos compositores presentes à sessão, disse ter dúvida se o hóspede que chega "cansado" ao quarto de hotel vai ouvir música. Ele lembrou que a internet tem multiplicado as fontes de receita de direitos autorais. E foi questionado pelo público presente quando argumentou que decisões de tribunais estaduais e leis de outros países têm reafirmado que o quarto de hotel é um espaço privado.

Paulo Solmucci Júnior, presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), reconheceu a importância histórica do Ecad, mas ressalvou que a entidade “nunca primou por critérios adequados” de cobrança. Ele afirmou que há diferenças entre os espaços público e privado no que se refere a essa cobrança de direitos.

— Quarto de hotel não é um lugar em que a música se faz necessária. No restaurante, é completamente diferente: faz parte da atividade comercial — resumiu.

Doreni Caramori, presidente da Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape), afirmou que o pagamento de direitos autorais é inquestionável. Ele pediu atenção à resistência de vários setores consumidores de música ao pagamento de direitos, mas, citando o exemplo dos cinemas, declarou esperar que o diálogo conduza a uma redução na inadimplência com o Ecad. Para ele, a legislação não pode ficar como está: os critérios de cobrança de direitos devem ser mais justos e harmônicos.

— A cadeia econômica não é mais a de 24 anos atrás. Precisamos evoluir. Não é possível quebrar nem uma ponta da cadeia nem a outra — argumentou.

Alexandre Sampaio, da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), calcula que o segmento apresente 70% de inadimplência em relação aos direitos. Ele pediu “boa-fé” para a redução desse índice. Segundo Alexandre, a hotelaria está disposta a negociar a cobrança de direitos sobre áreas comuns, mas ele disse que não é aceitável a cobrança por execução de músicas dentro dos quartos.

Segundo Marcello Nascimento, gerente-executivo de arrecadação do Ecad, foi a luta pela conscientização que fez a entidade atingir R$ 1,1 bilhão em arrecadação. Mas ele também destacou o baixo índice de adimplemento dos hotéis — que, ainda assim, constituem o segundo setor que mais paga direitos pelas músicas.

— É possível, com diálogo e conversa, resolver essa situação com os hotéis. Não podemos ter espaço para o não pagamento. Essa luta do direito autoral é de todos nós — salientou.

Geremias dos Santos, presidente da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço Brasil), declarou que o setor não é contra o Ecad, mas que as rádios comunitárias enfrentam dificuldades porque são impedidas de receber verbas públicas e privadas de mídia.

Laércio Benko Lopes, diretor de Registro, Acompanhamento e Fiscalização da Secretaria Especial de Cultura, pediu união e pacificação, ressaltando que turismo e cultura são importantes para a economia do país.

Roberto Corrêa de Mello, diretor-executivo da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), elogiou o sistema de gestão coletiva de direitos autorais e direitos conexos no Brasil, considerado por ele como um dos melhores do mundo. Ele, porém, definiu como “capenga” a controvérsia sobre a cobrança em quartos de hotéis e criticou o critério de autodeclaração de ocupação das unidades. Em sua opinião, para aumentar a arrecadação seria melhor a cobrança por percentual de faturamento.

— Poderíamos estar recolhendo entre R$ 3 bilhões e R$ 3,5 bilhões — estima.

O compositor Manno Góes é contra a isenção da cobrança de direitos autorais em quartos de hotéis. Ele disse que rádio e televisão são muito utilizados em hotéis, especialmente no interior, onde muitas vezes faltam, segundo ele, redes de wi-fi. Em sua avaliação, os criadores de música têm papel fundamental na economia, e os recursos que poderiam ser arrecadados com direitos autorais fazem muita falta à maioria dos compositores. Manno Góes calcula que o fim do recolhimento ao Ecad não reduziria o valor das tarifas, pois teria impacto de “50 a 60 centavos” por diária.

— É menos que um daqueles sabonetinhos de hotel que nem sempre a gente usa. E vai fazer uma diferença enorme para o compositor — argumentou.

Também compositor, Marcos Vinícius Carlos Alves propôs retirar da medida provisória a cobrança de direitos nos hotéis. Para ele, é mais adequado discutir essa questão em uma proposição separada — a medida provisória trata de vários outros temas, como a reformulação da Embratur. Para Marcos Vinícius, é injusta a discussão sobre direito autoral numa MP sobre turismo, pois haveria o risco de os artistas serem acusados de prejudicarem o turismo brasileiro.

— A não ser que haja uma articulação para a aniquilação do direito autoral — declarou.

O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) destacou que não é contra o Ecad, mas cobrou mais transparência e diálogo dessa entidade, para viabilizar um debate saudável sobre arrecadação de direitos. A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) defendeu a natureza privativa e inviolável do quarto de hotel, segundo a Constituição, e criticou a falta de segurança jurídica sobre o tema — o deputado Herculano Passos (MDB-SP) concordou com os argumentos da senadora.

O senador Lasier Martins (Podemos-RS) criticou o que chamou de “caixa preta” dos critérios do Ecad, citando o exemplo do evento Natal Luz, em Gramado (RS) — ele afirmou que, nos últimos anos, houve uma grande elevação da cobrança de direitos autorais relacionados a esse evento. A deputada Clarissa Garotinho (Pros-RJ) afirmou que não há necessidade de os quartos de hotéis recolherem novamente direitos já pagos pelas emissoras de rádio e TV, mas admitiu que a isenção causa perdas aos compositores. A deputada Magda Moffato (PL-GO) considera injusta e inaceitável a cobrança dentro de unidades privativas.

O relator da comissão, deputado Newton Cardoso Jr. (MDB-MG), declarou que a caducidade da MP causaria grande prejuízo. E lembrou que a medida provisória tem por objetivo estimular o turismo brasileiro.

— Respeito as manifestações e, no fim das contas, é preciso respeitar o compositor. Ele precisa ter a garantia de seu direito autoral. Por outro lado, o setor hoteleiro fez grandes empreendimentos no país — avaliou.

A Comissão Mista da Medida Provisória 907/2019 é presidida pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)