Notícias falsas atentam contra imprensa e democracia, dizem especialistas

Da Redação | 11/12/2019, 19h16

Os especialistas ouvidos nesta quarta-feira (11) na comissão mista parlamentar de inquérito que investiga notícias falsas e assédio nas redes sociais (CPMI das Fake News) defenderam os órgãos de imprensa diante de divulgações "enviesadas" na internet e chamaram atenção para a vulnerabilidade do usuário brasileiro à disseminação coordenada de informações inverídicas, que consideram distorcer a democracia e o processo eleitoral.

Rafael de Almeida Evangelista, representante do LabJor da Universidade de Campinas (Unicamp), relatou sua vivência como pesquisador em grupos do WhatsApp, iniciada na greve dos caminhoneiros de 2018, que revelou tendências confirmadas em outras pesquisas acadêmicas. Ele observou a alta presença de análises falsas ou distorcidas, favorecendo atores políticos que associou à extrema direita, através de mensagens postadas em massa em grupos diferentes; o gradual desvio de finalidade dos grupos com fins eleitorais; e os ataques coordenados a membros discordantes da linha adotada pelos grupos.

— Os usuários imaginam encontrar nos grupos as relações de confiança que há em seus grupos de família e acabam encaminhando essas mensagens de boa-fé — resumiu.

Ele também criticou a estrutura de dados na telefonia celular como disseminadora da desinformação, pois na maioria dos planos o uso do WhatsApp não é cobrado. Dessa forma, segundo Evangelista, o usuário de baixa renda acaba confinado ao aplicativo de mensagens, usando-o como um “canal de televisão”, sem conseguir verificar por outros meios na internet a veracidade dos dados que recebe. As plataformas de compartilhamento de dados, em especial o YouTube, também foram acusadas de lucrar com o uso de algoritmos que favorecem a recomendação de conteúdo sensacionalista e extremismo político.

Leonel Azevedo de Aguiar, diretor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, definiu as fake news como uma série de crimes disseminados pela internet que não podem ser confundidos com o jornalismo informativo e sua contribuição tradicional à democracia. Ele defendeu o que chamou de jornalismo de referência, simbolizado pelos grandes órgãos de imprensa e seus profissionais, como detentor de uma delegação da sociedade para defender a “verdade contra o mito”, e a transformação pela internet do público-alvo em “audiência ativa” não permite comparar a emissão de opiniões soltas à produção de jornalismo verdadeiro.

— Os fatos são sagrados, mas os comentários são livres. As notícias têm um referencial concreto, que é a realidade objetiva — afirmou.

O doutor em direito constitucional Diogo Rais Rodrigues Moreira definiu fake news como mentira com a estética da verdade e, diante da forma fragmentada e confusa com que se apresenta, é necessária da sociedade uma abordagem multifacetada de prevenção, educação e repressão. Ele associou o uso de informações falsas como um cerceamento da liberdade, pois leva as pessoas a tomar decisões erradas, e manifestou apoio a meios razoáveis de regular a “desinformação” na internet. Porém, ressalvou que o direito não pode abranger a questão moral e ética de regular a verdade e a mentira.

— Processar o senhor de Pindamonhangaba que acreditou numa notícia falsa e a repassou, talvez não seja o melhor caminho — declarou, afirmando que é mais importante checar comportamentos de massa que sejam originados em movimentos orquestrados.

Pós-verdade

Segundo Rafael de Almeida Evangelista, o termo “pós-verdade”, comumente associado às fake news, vai além ao representar o crescente questionamento da legitimidade do jornalismo e da ciência no que chamou de representação do real. Ele acusou setores sensacionalistas do jornalismo de explorar o conhecimento dos algoritmos de busca na internet, que não são neutros em sua verificação de relevância, para destacar determinados títulos e conteúdos, e, reiterando a potencial influência de mensagens ofensivas à democracia nos processos eleitorais, defendeu o combate à “desordem informacional” através da ação legislativa.

Por sua vez, Aguiar afirmou que fake news se caracteriza pela não-aplicação da técnica jornalística e pela desqualificação dos órgãos de imprensa, o que põe em risco a liberdade de expressão e opinião.

— Os jornalistas profissionais devem fornecer informações de qualidade e equilibradas para que a sociedade possa decidir sobre seus rumos.

Ao defender a imprensa regular de acusações genéricas de “fake news”, Aguiar propôs o monitoramento das redes em busca de notícias falsas, por meio de uma coalizão descentralizada de juristas e técnicos, e mover processos simultâneos em massa, “como forças conservadoras já fazem”, de modo a combater calúnia, difamação e injúria.

Entre os parlamentares que se manifestaram, a deputada Luizianne Lins (PT-CE) vinculou a mudança do sentimento do povo brasileiro, que passou a rejeitar o Partido dos Trabalhadores (PT), a uma “montagem ardilosa” que teria manipulado com mais ênfase o público evangélico, e pediu medidas contra o WhatsApp pela disseminação de “conteúdo político falso e distorcido” em grupos privados que não podem ser fiscalizados. Em resposta, Rafael de Almeida Evangelista concordou com a pressão sobre as plataformas para que contribuam mais sobre ações orquestradas, e Diogo Rais Rodrigues Moreira observou o “pouco apreço” dos serviços de internet à privacidade dos dados e apoiou as medidas da Justiça Eleitoral de combate à desinformação.

A relatora da CPMI, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), lamentou que a educação para as mídias na sociedade e as ações judiciais contra fake news não façam frente à velocidade e ao alcance global da tecnologia que, segundo ela, é disseminadora de crimes. Ela sugeriu medidas para regulação do interesse econômico das plataformas, e chamou atenção para um sentimento mundial de “exclusão da razão” e afastamento de valores democráticos.

— Como é que as minorias se tornam maiorias num movimento claramente fraudulento? — questionou.

A audiência da CPI foi a última de 2018. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da comissão, anunciou que o colegiado retomará seus trabalhos em 4 de fevereiro.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)