República completa 130 anos com problemas ainda à espera de solução

carlos-penna-brescianini | 12/11/2019, 20h34

O aniversário da Proclamação da República propicia avaliações sobre a atual situação política do Brasil. Em 15 de novembro de 1889, quebrou-se o equilíbrio de forças que manteve a Monarquia por quase quatro séculos — 315 anos como território colonial do Reino de Portugal, 7 anos como cabeça do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e 67 anos como Império independente.

A senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) avalia que, nestes 130 anos de República, a maior dificuldade tem sido em acabar com as desigualdades. Em 1889, o país tinha 14 milhões de habitantes, sendo quase 2 milhões de ex-escravos. Em 2019, são 220 milhões de habitantes, com 13 milhões de miseráveis, segundo o IBGE.

— As desigualdades no Brasil não diminuíram. A pobreza voltou a aumentar. E eu, que sempre trato de assuntos sobre mulheres, trato muito da questão da violência. E a violência tem aumentado. Isso é um reflexo direto da crise econômica. As reformas têm de favorecer aqueles que há anos querem ser atendidos pelo Estado.

A Proclamação da República ocorreu um ano e meio após a abolição da escravatura. A própria princesa Isabel, que havia assumido a coordenação política da aprovação da Lei Áurea, sabia que estava incomodando profundamente os fazendeiros.

Em uma carta ao Visconde de Santa Vitória, sócio do Barão de Mauá, que tentava industrializar o Brasil, a princesa de Isabel de Orleans e Bragança relatou que a abolição deveria ser seguida de um programa de doação de verbas e terras aos recém-libertos:

“Deus nos proteja dos escravocratas, e os militares saibam deste nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da casa de Bragança no Brasil”, ela escreveu.

Pelos dois anos que se seguiram à assinatura da Lei Áurea, os escravocratas tentaram extrair do ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, uma indenização pela perda da propriedade dos escravos. A demanda só se tornou inviável quando Ruy mandou queimar os registros cartoriais da escravidão, impedindo a apresentação dos comprovantes de compra dos escravos.

Entre 1889 e 1930, na chamada República Velha, houve uma série de conflitos sociais, com greves operárias e revoltas de oficiais militares. Esse período foi marcado pela inexistência de legislação trabalhista, que havia sido a plataforma da segunda candidatura do senador Ruy Barbosa à Presidência da República, em 1919. Ruy tornara-se opositor dos governos que se seguiram por abandonarem a questão social.

— Ao governo revolucionário [pós-Proclamação da República] sucederiam 29 anos de República organizada, com oito quadriênios presidenciais de onipotência, quase todos em calmaria podre — criticou.

Ruy afirmava que o abandono da questão social estava levando o Brasil ao caos e à estagnação econômica. Entre 1920 e 1930, uma série de greves operárias no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife e em várias capitais terminou em conflitos sangrentos.

O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), afirma que a grande crise atual da República está na questão dos direitos sociais.

— No Brasil, cada dia vem uma proposta nova visando suprimir direitos. Se a supressão dos direitos trabalhistas e previdenciários continuar, nós vamos voltar para o período da República Velha, quando não havia direitos e uma massa de desempregados faminta se sujeitava a qualquer trabalho para sobreviver.

Ao ser derrubado o Império e proclamada a República, o Brasil tinha uma dívida externa e interna que vinha desde a Independência (1822) e incluía os empréstimos para financiar a Guerra do Paraguai (1864-1870). Em 1889, havia uma dívida interna de mais de 435 mil contos de réis e uma dívida externa de mais de 270 mil contos, totalizando 705 mil contos de réis. O Orçamento da nação, porém, era de 153 mil contos.

Em 2019, a dívida pública chegou a R$ 4,5 trilhões e o Orçamento é de R$ 3,38 trilhões. A pressão sobre os cofres públicos tem sido determinante nas políticas econômicas. O senador Cid Gomes (PDT-CE) avalia:

— Tem-se de fazer justiça às reduções dos juros que o Banco Central tem realizado. Entretanto, a diferença entre os juros que o Copom determina e os que são pagos pelos títulos públicos é muito grande. Os bancos, que não emprestam apenas para o governo, mas para os cidadãos e as empresas, multiplicaram por cinco os seus lucros entre 2007 e 2019. A indústria e o comércio não têm esse lucro. Isso precisa ser enfrentado.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, defende a proposta do governo Bolsonaro de realizar um novo pacto federativo para modificar os gastos públicos através de três propostas de emenda à Constituição (PECs) apresentadas em 6 de novembro.

— A descentralização dos recursos é uma proposta que há muitos anos é debatida no Congresso. Ao longo das últimas décadas, a centralização dos recursos impediu o desenvolvimento em muitas regiões do Brasil, especialmente no Norte e no Nordeste.

Como uma das três PECs apresentadas pelo governo prevê a extinção dos fundos constitucionais, a reação de vários senadores é de cautela. Veneziano Vital do Rego (PSB-PB) afirma:

— A medida receberá de nós o apoio se, ao acabar com os fundos, permitir que esses recursos sejam acessíveis a investimentos de combate à extrema pobreza. Para amortização de dívidas e pagamento de juros, não.

A questão da chamada promessa política, em que um governo eleito executa uma série de mudanças na legislação afirmando que no futuro haverá uma situação melhor, é o que desperta a preocupação de senadores como Alvaro Dias (Podemos-PR).

— No Chile e no Equador, hoje há uma cobrança de promessas antigas. Quando fizeram suas reformas, foi dito que se estaria melhorando a vida das pessoas no futuro. Essas populações se sentem frustradas e as reivindicações estão ultrapassando as questões econômicas e indo para questões políticas.

Finalmente, há ainda a questão da distribuição da renda. Segundo o IBGE, os 10% mais ricos da população controlam 43% da renda do Brasil. A renda média dos mais ricos é de quase R$ 28 mil por mês, enquanto a dos mais pobres é de apenas R$ 820.

O senador Confúcio Moura (MDB-RO) afirma que o sistema fiscal está montado para beneficiar as classes mais altas, por meio de isenções, enquanto as classes mais baixas terminam pagando o grosso do Imposto de Renda.

— Em função de isenções existentes no nosso sistema tributário, os mais ricos do nosso país terminam por pagar proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres, aprofundando o fosso da desigualdade. Esse desequilibro econômico ainda é intensificado com a cobrança de tributos, que proporcionalmente é muito mais pesada para os mais pobres.

Assim, o Brasil, após 389 anos de Monarquia e 130 anos de República, ainda busca seu caminho para se tornar uma nação mais justa, que era o defendido pelos republicanos históricos, como Quintino Bocaiuva, Prudente de Moraes, Delfim Moreira, Benjamim Constant e o próprio Ruy Barbosa.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)