País precisa romper com lobby rodoviário para ter um modelo racional de transporte, conclui debate

Da Redação | 27/06/2018, 14h05

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) promoveu nesta quarta-feira (27) uma audiência em busca de alternativas para que a sociedade pressione mais o poder público por um modelo mais racional na área de transportes. Segundo informou o vice-presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), a audiência nasceu à partir da crise de abastecimento e mobilidade provocada pela recente greve dos caminhoneiros, que expôs a enorme dependência que o Brasil possui do modal rodoviário.

Para o especialista Carlos Penna Bresciannini, do Blog Ambiente & Transporte, diversas investigações tocadas há mais de 10 anos pela Polícia Federal e o Ministério Público deixam claro que esquemas corruptos interligando interesses do lobby rodoviário com o financiamento de campanhas fizeram com que o país adotasse um modelo completamente distorcido de transporte, que desconsidera os interesses sociais. Com base em documentos oficiais, mostrou que o Brasil já teve no passado distante um sistema ferroviário forte, que após um boicote estrutural acabou reduzindo ao mínimo o transporte de pessoas.

— Em 1961, tínhamos 40 mil quilômetros de ferrovias. Quase todo o Sul-Sudeste era interligado, interiorizando para o Nordeste, além da Madeira-Mamoré na região Norte. Hoje são só 11 mil quilômetros, com 99% voltado ao transporte de cargas — exemplificou.

Esta realidade também se refletiu dentro das grandes cidades, que usavam trens e bondes no transporte interno das pessoas. Essa infraestrutura foi em grande parte desmontada, não sendo substituída a contento pelos atuais sistemas de metrôs ou trens urbanos na maior parte delas, segundo Bresciannini. Também com base em documentos oficiais, o especialista mostrou que em Brasília estruturas e planejamentos voltados ao modal ferroviário foram abandonados ou adaptados para o modal rodoviário, com enorme desperdício de recursos e gerando corrupção.

Mais trens e metrôs

Maria Rosa Ravelli, da Universidade de Brasília (UnB), lembrou que um dos argumentos utilizados no Brasil para o menor investimento no modal ferroviário é que são obras demoradas. No entanto, ela alertou que o setor vem passando por um enorme avanço tecnológico, que tem na China seu maior modelo.

— Somente de 10 anos pra cá, os chineses construíram mais de 3 mil quilômetros de novos trilhos lá. Com base em forças-tarefa, já conseguem construir linhas novas de metrô num único dia. Não é possível que o Brasil vai ser o último país do mundo a abandonar a prioridade às rodovias — criticou.

Ravelli acrescentou que em diversas capitais já existem movimentos sociais que lutam pela construção de linhas de veículos leves sobre trilhos (VLTs) e outras alternativas, mas que paradoxalmente enfrentam enorme resistência dos poderes públicos locais. Ela também critica que, assim como ocorre em Brasília, em diversas outras cidades estações ou vagões estejam abandonados por falta de investimento correspondente.

A conseqüência desta opção, como lamentou Joel Oliveira Amaral, da ONG Usometrô, são dezenas de milhões de trabalhadores e estudantes que todos os dias sofrem em ônibus lotados, mal-conservados, caros e lentos, despendendo horas do dia em longas viagens de ida e volta.

— É muito irracional que em todas as capitais deste país, os ônibus estejam lotados às 5h da manhã e vazios às 10h. Quem é mais pobre sofre demais, tem que acordar no máximo às 4h da madrugada para não atrasar a chegada no trabalho, porque é obrigado a usar ônibus — disse.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)