Globalização e internet exigem legislação comercial moderna, diz ministro do STJ

Paulo Sérgio Vasco | 21/02/2018, 18h48

O Brasil precisa de uma legislação comercial moderna que contemple novos contratos e instrumentos de transação que o Código Civil em vigor sequer regulou. O avanço da digitalização no mundo também exige o cultivo de uma nova mentalidade cultural, e até mesmo a redefinição do termo “documento”, na qual o que importa é o conteúdo, que passou a circular eletronicamente, e não a versão impressa, que a cada dia torna-se obsoleta.

A avaliação foi feita nesta quarta-feira (21) pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha, em audiência pública na Comissão Temporária para Reforma do Código Comercial, que data de 1850. Noronha presidiu a comissão de juristas que apresentou um anteprojeto de reforma da norma, o qual tramita na forma do Projeto de Lei do Senado (PLS) 487/2013, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Composta por 11 senadores, a comissão temporária é presidida pelo senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE). O relator do colegiado é o senador Pedro Chaves (PSC-MS).

- Um país só vai bem quando os negócios de suas empresas vão bem. Nenhum país pode ir bem se a economia privada está ruim – afirmou.

Noronha afirmou que uma legislação comercial esparsa resolve algumas questões, mas a um custo elevado e excessiva morosidade, que põe em xeque a segurança jurídica dos negócios e impede a criação de um ambiente propício à atividade industrial. O ministro disse ainda que mesmo o Código Civil brasileiro unificado é incapaz de resolver as altas questões jurídicas no plano comercial.

- O projeto inicial do nosso Código Civil é de 1975. As teorias que inspiraram o legislador de então, portanto, datam da década de 1950. A unificação do Código Civil, que inspirou o legislador brasileiro, ocorreu no ambiente de guerra na Itália e na ditadura de Mussolini. E o Brasil não tinha a pujança econômica atual, não era sequer um país industrializado, ainda estávamos fazendo a nossa indústria de base. Tínhamos uma legislação inspirada no direito francês e português. No pós-guerra o país passou a evoluir com rapidez. Daí a necessidade de atualizarmos a legislação comercial – afirmou.

O anteprojeto em exame na comissão temporária do Senado contempla o aumento da segurança jurídica; a modernização das garantias; o comércio eletrônico entre empresários; a simplificação da burocracia; e a melhoria do ambiente de negócios, com a incorporação de normas com que o investidor global está atualizado. O anteprojeto também destina um capítulo especial que trata da distribuição dos riscos na cadeia produtiva do agronegócio.

Noronha afirmou que todo entrave e proteção excessiva na legislação acaba por travar e criar instabilidade no campo da segurança jurídica, o que vem a ser prejudicial ao comércio, que exige um clima de tranquilidade para a celebração dos negócios jurídicos. O ministro do STJ também apontou o avanço do comércio via internet, e a extinção das lojas físicas.

- É hora de parar de falarmos que o Brasil é o país do futuro. O Brasil é o país do agora, do presente, é agora que temos que colocar tijolo no edifício do crescimento para que as futuras gerações possam colher tudo de bom o que esse país tem para produzir – afirmou.

Noronha também criticou a burocracia sistemática e defendeu a adoção de uma legislação ágil, que resolva tudo de modo fácil.

- Só mesmo o Brasil tem comentários ao Código Civil em quinze volumes. Temos que modernizar hoje o Brasil pelo direito comercial. Não tem nada mais anacrônico que o sistema de garantia. Estamos ainda com hipoteca, penhor. Há algum tipo de avanço na alienação fiduciária, mas temos muita coisa, precisamos baratear, evitar despesas com cartório, é preciso modernizar o Brasil nesse segmento agora – afirmou.

“Mentalidade dos juízes”

Relator do anteprojeto na comissão de juristas, o professor Fábio Ulhoa Coelho disse que a aprovação do anteprojeto é uma das ações a serem adotadas pelo Brasil para a retomada do desenvolvimento.

- É preciso destravar as amarras legislativas que impedem o crescimento do Brasil. A questão central está relacionada à segurança, à previsibilidade das decisões. A empresa precisa saber como serão julgados os casos em que ela se envolve, a empresa fez cálculo confiando no que está na lei, e não pode ser surpreendida por decisão jurídica imprevisível, que não está na lei. Assim, a empresa tem que aumentar seu preço para ter margem de risco que pode vir de decisão imprevista. No final, o prejudicado é o trabalhador brasileiro – afirmou.

Além do aprimoramento e da redação mais clara das normas jurídicas, Coelho disse ser necessário a adoção de um instrumento que mude a mentalidade dos juízes

- Por exemplo, o desafio hoje que a reforma trabalhista enfrenta é a dificuldade na mentalidade dominante da Justiça do Trabalho. O instrumento que irá mudar a mentalidade do Judiciário é aquele que o projeto apresenta, através da enunciação e delimitação dos princípios do direito comercial – afirmou.

Coelho também afirmou que é preciso combater preconceitos e mudar a mentalidade em relação ao exercício da atividade empresarial.

- O primeiro preconceito é que o lucro tem algo de imoral, é quase um pecado. O segundo, que as empresas possuiriam uma cornucópia infindável, de onde poderiam tirar recursos para suportar qualquer condenação. E o terceiro, a ideia de que haveria oposição entre o interesse individual da empresa do investidor e o interesse coletivo da sociedade. Eles são convergentes, esses interesses. Vivemos num mundo globalizado, o empresário tem o mundo inteiro para investir. Se ele não está satisfeito, digitando do computador dele, ele poderá investir em outras localidades do mundo – afirmou.

“Provocação”

Vice-presidente da comissão de juristas, Alfredo de Assis Gonçalves Neto destacou que algumas mentalidades consideram o projeto "utópico", mas adiantou que a ideia principal da proposição é “caminhar em busca de alguma coisa importante, uma espécie de provocação”, que só trará melhorias para o pais, sufocado por normas retrógradas em matéria societária.

- O projeto não é perfeito, precisa ser aperfeiçoado, e esse é o papel do legislador, que tem a visão prática do que acontece – afirmou.

O senador Pedro Chaves (PSC-MS) assumiu o compromisso de apresentar um relatório que contemple o interesse público e promova o desenvolvimento econômico do Brasil. Ele destacou que a importância do projeto não se reflete somente na seara comercial, mas na vida de todos os indivíduos, ao facilitar a vida das empresas e criar condições para a redução de preços e melhoria de serviços.

Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), por sua vez, disse que espera concluir a votação do anteprojeto até o final do primeiro semestre de 2018. Ele destacou que o Brasil tem hoje quase 13 milhões de desempregados, e que a proposta em exame no Senado poderá representar uma melhoria no ambiente de negócios. O senador ressaltou ainda que o mundo vive hoje a quarta onda da Revolução Industrial, e que o avanço da inteligência artificial e da automação poderá causar desemprego estrutural no futuro.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)