Despreparo dificulta acesso de deficientes a mamografia

Larissa Bortoni | 06/12/2016, 09h49

A mamografia é como um raio X dos seios. Para fazer o exame, a mulher fica de pé, sem roupa na parte de cima e as mamas são, uma a uma, comprimidas pelo mamógrafo. Incomoda? Sim, incomoda, mas é, segundo a Sociedade Brasileira de Mamografia, o caminho mais seguro para a detecção precoce do câncer de mama.

A estudante Carla Karine Oliveira nem se aborreceu muito com o mal-estar causado pelo exame. O que a deixou revoltada foi descobrir, na prática, que, para as mulheres com deficiência motora, fazer a mamografia é quase impossível. Como ficar em pé, conforme exigido?

Carla faz parte de um universo de mais de 8 milhões de brasileiras com deficiência física, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As dificuldades de as mulheres deficientes fazerem a mamografia foram tema de um debate promovido pela Procuradoria da Mulher do Senado, como parte da programação do Outubro Rosa. Foi lá que Carla contou sua história.

Depois de uma cirurgia bariátrica, a estudante de 32 anos decidiu tentar na rede pública de saúde do Distrito Federal as operações plásticas reparadoras. Em uma das consultas pré-operatórias, informou à médica que tinha sentido um caroço no seio.

— Foi quando começou a minha saga para fazer a mamografia e a ecografia. A ecografia eu consegui fazer no hospital, mas aí começou a grande dificuldade — desabafou a moça.

Um dos significados do substantivo feminino saga, de acordo com o Dicionário Houaiss, é: “sequência de acontecimentos fecunda em incidentes”. A história de Carla se encaixa bem nessa definição.

Além de deficiente, a estudante não tem condições financeiras para pagar pelos exames nas clínicas particulares. O jeito é fazer pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Só que, apesar de estar na região com a maior renda per capita do Brasil, também é difícil marcar os exames de detecção do câncer de mama em Brasília.

Preparo físico

Nas comemorações do Outubro Rosa de 2016, as mulheres reclamaram que a espera para a mamografia é de até dois anos. Além disso, dos 12 mamógrafos da rede pública do Distrito Federal, apenas 4 estavam funcionando no começo de outubro, segundo a Secretaria de Saúde.

Até que, para Carla, o exame de ecografia mamária foi marcado facilmente. Mas como se deslocar da cadeira de rodas para a maca, como exigido para o ultrassom?

— Ainda bem que eu faço exercícios físicos e, por isso, tive força para sair da cadeira e me deitar na maca — contou a estudante, ciente das dificuldades ainda maiores das deficientes sem o mesmo preparo físico.

Marcar a mamografia foi mais complicado. Demorou bastante, mas chegou o dia. Foi quando Carla entendeu que sem adaptações de acessibilidade é praticamente impossível para as paraplégicas ou tetraplégicas fazer o preventivo.

— Como fazer a mamografia em pé? Infelizmente, eles não estão preparados para os exames. Eles perguntam assim: mas você não consegue ficar em pé nem um pouquinho? A gente não fica em pé nem um pouquinho, então não tem como fazer — contou Carla.

Mais uma vez devido aos exercícios físicos, ela conseguiu erguer o corpo para ficar um pouco mais alta e fazer a mamografia. Apesar do esforço, a imagem não ficou boa e a médica mandou repetir. Mais espera, mais aborrecimentos, mais complicações. Entre o primeiro exame e o segundo, o caroço dobrou de tamanho. O nódulo no seio de Carla Karine era benigno. Não era câncer.

— Os equipamentos não são adequados. Não só para mim, que sou cadeirante. E uma mulher que tem nanismo? Uma mulher anã. Ela também é uma mulher. Ela precisa fazer o exame. Não são apenas as cadeirantes. Há outras mulheres que têm uma dificuldade. Precisamos de macas que sobem e descem — reivindica Carla.

Debates e projetos de lei ajudam a garantir acesso a diagnóstico e tratamento

O Congresso pode ser, de mais de uma maneira, parceiro das mulheres com deficiência física, que devem, assim como todas, fazer a mamografia. A avaliação é da procuradora especial da Mulher no Senado, senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB-AM). Uma forma são as audiências públicas, que dão visibilidade a questões muito pouco familiares à população em geral.

— Cada vez que a gente promove uma audiência pública e convida especialistas ou pessoas que “vivem na pele o problema”, a gente ajuda na formação da opinião dos parlamentares e da opinião pública — disse.

A outra maneira é o apoio aos parlamentares para a apresentação de projetos. Um deles — já aprovado pelo Congresso e, em 23 de novembro, transformado em lei (Lei 13.362/2016) — assegura às mulheres com deficiência o acesso a equipamentos adequados para exames de prevenção, diagnóstico e tratamento dos cânceres de mama e de colo de útero no SUS.

Da senadora Ana Amélia (PP-RS), o projeto muda a Lei 11.664/2008, que trata das ações de saúde para a detecção e tratamento desses tipos de câncer.

A parlamentar defendeu ser preciso tratar de maneira desigual as situações desiguais.

— Não podemos tratar da mesma maneira situações diferentes. E é exatamente este o sentido do projeto. Queremos que o Sistema Único de Saúde assegure a essas mulheres equipamento especial para que elas possam, em unidades especiais próprias, fazer esses exames de prevenção, especialmente no caso da mamografia, para o câncer de mama, e também do exame intrauterino, para o caso do câncer de útero — afirmou.

Ana Amélia é também autora de projeto que suspende a portaria do Ministério da Saúde (Portaria 1.253/2013) com a prioridade para as mulheres entre 50 e 69 anos no exame de mamografia (PDS 2/2014). Para ela, a limitação de idade é uma discriminação contra as mulheres mais novas.

— Mulheres cada vez mais jovens estão tendo que se submeter à mastectomia. Então, não é possível que se faça a mamografia após os 50 anos de idade, e sim o quanto antes, porque temos com a prevenção a possibilidade de curar muitas mulheres.

A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado analisa proposta que prevê cirurgia reparadora nas duas mamas mesmo se o tumor estiver restrito apenas a uma (PLC 5/2016). O objetivo é garantir simetria entre os seios.

Garantias

Enquanto essas são propostas legislativas, é lei desde 2013 a obrigação de o Sistema Único de Saúde fazer a cirurgia plástica reparadora da mama logo em seguida à retirada do câncer, quando houver condições médicas.

A Lei 12.802/2013 determina que, se a reconstrução mamária não puder acontecer imediatamente, a paciente deverá ser encaminhada para acompanhamento clínico.

É também lei a garantia aos pacientes diagnosticados com câncer do tempo máximo de 60 dias para que o tratamento da doença seja iniciado no Sistema Único de Saúde (Lei 12.732/2012). O prazo começa a ser contado a partir do dia em que for definido o diagnóstico da neoplasia maligna.

A determinação vale tanto para pacientes que necessitem de sessões de quimioterapia ou de radioterapia, quanto para aqueles que precisem se submeter a uma intervenção cirúrgica.

Doentes em situações mais graves ou dolorosas devem ter prioridade no atendimento, determina a lei.

Sala de exame deve ser adaptada a toda população, pedem médicos

Talvez você nunca tenha pensado nisso, mas as chances de uma mulher com deficiência física ter câncer de mama são as mesmas do que as das não deficientes. Por conta disso, a elas devem ser proporcionados meios de fazer o exame. A recomendação é do médico mastologista e professor da Universidade de Campinas César Cabello dos Santos. Para ele, as salas de exames de imagem devem ser equipadas com rampas e cadeiras especiais.

— Na sala do exame da mamografia, são necessárias algumas adequações para posicionar o paciente na máquina. O mamógrafo deve chegar à altura da mulher, no caso da cadeirante. As cadeiras devem se adequar às braçadeiras de forma a possibilitar rodar o aparelho e assim conseguir as melhores incidências para fazer o diagnóstico adequadamente — explicou o médico.

A adequação, de acordo com o mastologista, é essencial, uma vez que a mamografia é, por enquanto, o meio mais eficaz para diagnosticar precocemente nódulos nos seios. A mesma recomendação tem a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM).

Mortalidade

A entidade destaca que, a cada ano, mais de 12 mil brasileiras morrem de câncer de mama. Muitas dessas mortes, diz a SBM, poderiam ser evitadas. A maioria das mulheres, segundo a entidade, morre por falta de informação, já que poderia ter diagnosticado precocemente o tumor com o exame de mamografia, aumentando as chances de cura.

O mastologista César Cabello dos Santos acrescenta que cada meio centímetro no tamanho do nódulo representa um impacto muito grande na mortalidade por câncer de mama. A taxa de cura para as pacientes com tumores de menos de 1 centímetro é superior a 95%.

— É quase igual a não ter tido câncer. Além da chance de a mulher continuar viva e curada, são propiciados tratamentos menos invasivos. Um tratamento cirúrgico mais conservador. Uma quimioterapia, quando necessária, menos agressiva e outros tratamentos menos agressivos para a mulher. Tudo isso gera melhor qualidade de vida — diz o médico.

Diagnóstico

A Portaria 61/2015 do Ministério da Saúde determina que a mamografia para rastreamento de tumores nos seios deve ser feita no sistema público de saúde em mulheres entre 50 e 69 anos, a cada dois anos. Os mastologistas discordam dessa determinação.

Para a SBM, as mulheres com idade entre 40 e 49 anos não podem ficar desamparadas.

Em nota publicada neste ano, a Sociedade Brasileira de Mastologia indica que das 58 mil mulheres que desenvolverão câncer, um quarto terá entre 40 e 49 anos.

Em audiência pública, em outubro, na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, o presidente da SBM, Ruffo de Freitas Júnior, informou que 60% das mulheres que procuraram o Instituto Nacional do Câncer descobriram a doença sozinhas, pelo autoexame. Para ele, essa é uma demonstração de falhas no acesso à mamografia.

— Para mim é um absurdo! Quando nós falamos que a mulher apalpa o tumor, significa que nós falhamos em oferecer a essa mulher mamografia, de forma que pudesse ser detectado antes que ele se tornasse grande o suficiente para ela ter o tumor apalpado. Sessenta por cento é muita coisa — disse.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, divulgada em 2015 mostrou que 40% das mulheres brasileiras, de 50 a 69 anos de idade, não fazem mamografia. O estudo apontou ainda que as mulheres brancas (66,2%) e com ensino superior completo (80,9%) são as que mais se submetem ao exame.

As menores proporções são registradas com as mulheres negras (54,2%), pardas (52,9%) e com ensino fundamental incompleto (50,9%). Há também diferenças entre as regiões. A menor quantidade do exame foi feita no Norte (38,7%), seguido do Nordeste (47,9%), Centro- -Oeste (55,6%), Sul (64,5%) e Sudeste (67,9%).

Acessibilidade

O estudo do IBGE não mostrou qual a quantidade das mulheres que fazem mamografia que têm deficiência motora. O coordenador de Promoção de Direitos de Pessoas com Deficiência do Distrito Federal, Paulo Beck, informou que, em Brasília e nas demais cidades do DF, estão sendo montadas estruturas para o atendimento.

— O que nós temos que preparar é um ambulatório para receber com dignidade a mulher com deficiência. A gente está construindo isso — afirmou Beck.

Desde 2015 estão instaladas no Recife unidades de saúde pública para as mulheres com deficiência. Lá podem ser feitos exames citopatológicos e mamografia com equipamentos adaptados.

A Prefeitura de São Paulo promoveu neste ano a 2ª edição do “Outubro Rosa para mulheres com deficiência — reconstruindo a vida”. Na capital paulista, as mulheres puderam fazer mamografia em aparelhos com acessibilidade em um hospital municipal.

A capital no Piauí, Teresina, também passou a contar, a partir de outubro, com um mamógrafo adaptado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)