Debatedores defendem participação do Ministério Público em acordos de leniência

Da Redação | 05/04/2016, 19h10

A medida provisória editada para acelerar os acordos de leniência com empresas envolvidas em ilicitudes nas relações com a administração pública foi questionada por expositores durante audiência pública da comissão mista que analisa a MP 703/2015. A ausência de previsão de participação obrigatória do Ministério Público na negociação dos acordos foi um dos pontos criticados durante o debate realizado pela comissão mista que emitirá parecer prévio sobre a matéria.

A diretora jurídica da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Samantha Chantal Dobrowolski, alertou para o fato que, sem o acompanhamento do Ministério Público (MP), os acordos podem inclusive ser alvos de ações judiciais para que sejam cancelados. Frisou que a participação é necessária em virtude de regra constitucional que atribui ao órgão o papel de fiscal da lei e de guardião especial dos princípios da administração pública.

— A defesa do patrimônio público, do erário e da moralidade administrativa cabe a todas as autoridades e agentes públicos. É norma constitucional. Mas esse papel, de forma qualificada, cabe ao Ministério Público, que fiscaliza qualquer ato relativo à administração — salientou.

A MP 703/2015 foi editada em dezembro de 2015, já estando em fase de prorrogação de prazo, agora com data final de votação de votação recaindo em 29 de maio. Com a medida provisória, o governo facilitou acordos com empresas investigadas em casos de corrupção, sob o argumento de preservar as empresas e salvar empregos. Ao firmar os acordos, elas se comprometem a revelar ilícitos praticados, inclusive por outros agentes. Em troca, podem ser beneficiadas com redução de penalidades administrativas e até isenção do pagamento de multa.

“Salvação de empresas”

A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas da União (ANTC), Lucieni Pereira, ressaltou que os acordos de leniência são antes de tudo instrumento de investigação, para facilitar o desvelamento de esquemas ilícitos. Como não se trata de mecanismo de “salvação de empresas”, ele defendeu que a regulamentação seja feita com base em contexto de colaboração com as investigações.

— Se a empresa não tem nada a acrescentar às investigações, então é preciso ter outro instrumento que não o acordo de leniência para salvar a empresa, e aí dizer claramente para a sociedade que temos esse instrumento — assinalou.

Lucieni Pereira também questionou o fato de a MP atribuir o papel de negociar e celebrar os acordos por meio dos órgãos de controle interno de cada Poder e ente federativo. No caso do Executivo federal, será da Controladoria Geral da União (CGU). A seu ver, lei federal atribui apenas à advocacia pública — na esfera federal, a Advocacia Geral da União (AGU) — celebrar acordo em nome dos entes federativos. Esse é outro flanco para a judicialização dos acordos, avaliou.

— Daí é que chamo a atenção da CNI [Confederação Nacional da Indústria] e outras instituições que defendem os interesses das empresas que elas estão hoje num caminho de insegurança imensa. Então, elas vão abrir o jogo e não irão contar com segurança jurídica nenhuma — frisou.

Empregos

O advogado Leonardo Borges, que representou a CNI do debate, salientou que a entidade também luta pela defesa das empresas e da própria existência das empresas, sem que isso represente a defesa das pessoas físicas envolvidas nos ilícitos. Depois, reconheceu que a questão da segurança jurídica é um requisito para que a legislação tenha êxito. Ele lembrou que a Lei Anticorrupção, sobre a qual incide as mudanças sugeridas pela MP, entrou em vigor em 2014, mas nenhum acordo de leniência foi fechado desde então.

Cláudio da Silva Gomes, diretor-executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirmou que a nova legislação é de extremo interesse da classe trabalhadora. Observou que muitas das empresas que podem se interessar por acordos são da área de engenharia, em situação complicada desde as investigações da Lava Jato, o que agravou os problemas da economia e o quadro de desemprego. Como exemplo, citou o Comperj, no Rio de Janeiro, empreendimento que chegou a ter 40 mil trabalhadores, restando agora 1,5 mil.

“Coitadinhas”

O juiz Alexandre Vidigal de Oliveira, que representou Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), disse ser preciso atribuir ao Ministério Público o papel principal interlocutor nas negociações dos acordos de leniência. Ele criticou o papel de “coitadinhas” que, segundo ele, tem sido lançado sobre a imagem das empresas envolvidas em corrupção, como no caso da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que agora reclamam de dificuldades.

— Essa visão é um equívoco que tem de ser abolido na sua raiz, na medida em todo ato de corrupção gera benefícios e que, por sua vez, eles serão revertidos a seus acionistas ou sócios — salientou.

O magistrado criticou, contudo, a manutenção de impedimentos para que, fechados acordos de leniência, essas empresas voltem a fechar contratos de serviços com o setor público ou obter financiamentos de bancos oficiais. Observou que as consequências não devem ser o “sufocamento” quando as empresas precisam de “oxigênio” para se recuperar, inclusive para indenizar o erário pelos prejuízos causados.

Efeitos criminais

Durante a audiência, que foi dirigida pelo senador Benedito de Lira (PP-AL), presidente da comissão mista, houve manifestações a favor da previsão de efeitos criminais, que possam beneficiar pessoas físicas que colaborarem com as investigações no âmbito dos acordos.

A MP não trata desse tipo de medidas, tendo sido lembrado que proposições sobre temas penais não podem ser sugeridas por meio de medidas provisórias. O presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), Rafael Valim, disse que já existe precedente de recursos julgado pelo Supremo Tribunal Federal que autoriza a inserção de aspectos penais em MP, desde que sejam “normas penais benéficas”.

O relator da MP 703, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), adiantou que divulgará o relatório até 18 de abril. Também disse que está tendendo a manter o texto do Executivo sem alterações. Ele respondeu a criticas à MP, a seu ver com base na ideia de que as empresas envolvidas em delitos devem ser "desativadas".

— A experiência internacional mostra que grandes empresas cometem ilícitos, mas fica parecendo que esse é um problema apenas nacional — reagiu, citando o caso recente da Volkswagen, investigada por fraudar sistema de identificação de emissão de poluentes dos veículos.

Na avaliação do relator, a MP contém os instrumentos necessários para assegurar os principais objetivos de um acordo de leniência: afastamento dos gestores que praticaram atos de corrupção, obrigação de ressarcimento ao poder público e a exigência de que passem a adotar mecanismos que obriguem boas práticas empresariais e cumprimento das leis.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)