Proibição deixou legião de desempregados, de garçons a cantores
Ricardo Westin | 12/02/2016, 20h34
Com o fechamento dos cassinos, em 1946, funcionários de inúmeras especialidades se viram da noite para o dia sem trabalho. De recepcionistas e seguranças a coreógrafos e dançarinas. De cozinheiros e garçons a músicos de orquestra e cantores. De faxineiros e eletricistas a costureiras e passadeiras. De maquiadores e cabeleireiros a cilindreiros (responsáveis pela manutenção das roletas) e crupiês (que dirigiam o jogo em cada mesa).
Estima-se que o decreto de 1946 que baniu os jogos de azar tenha deixado 55 mil brasileiros desempregados. O número, que também incluía os empregos indiretos, não era desprezível. O Brasil tinha 41 milhões de habitantes.
Os jornais estavam tão obstinados na campanha contra o jogo que conseguiram declarações até mesmo de funcionários e frequentadores de cassino paradoxalmente favoráveis à proibição.
— Não sei do que vou viver daqui por diante, mas não posso deixar de julgar acertada a medida — disse um empregado do cassino do Copacabana Palace ao Diário de Notícias. — Quem trabalha em estabelecimentos desse gênero é que está a par das inúmeras desgraças que pode causar esse maldito vício. Incautos chefes de família, na esperança de aumentar seus magros salários, atiram-se ao pano verde e acabam perdendo o que trazem. Dá pena ver aquelas fisionomias transfiguradas pelas decepções que lhes pregam a roleta e o bacará.
O mesmo jornal carioca ouviu de um apostador assíduo que “esse decreto deveria ter vindo há mais tempo”.
— O jogo constituía um sério perigo e um mal que cada vez mais se agravava — afirmou o habituê, sendo logo em seguida questionado se não sentiria falta dos cassinos. — Creio que sim, mas acabarei esquecendo. Procurarei distrair-me de outra maneira.
O drama dos desempregados chegou à Assembleia Nacional Constituinte. O deputado José Fontes Romero (PSD-DF) afirmou que o presidente Dutra, ao extinguir os jogos de azar, atendeu aos “justos reclamos da população laboriosa do Brasil”, mas acabou se esquecendo de “amparar os brasileiros que trabalhavam na casa de jogo”.
Os parlamentares chegaram a bater boca no Plenário. O deputado Rui Almeida (PTB-DF) exigiu que o governo amparasse os trabalhadores. O deputado Adelmar Rocha (UDN-PI) discordou:
— Vossa Excelência diria melhor “contraventores” em vez de “trabalhadores”.
Almeida reagiu:
— Protesto contra a atitude agressiva do colega. Contraventor é o banqueiro, é o que explora o jogo. Empregado é sempre empregado, não é contraventor.
O deputado Segadas Viana (PTB-DF) se aliou ao correligionário no repúdio ao colega da UDN:
— Contraventores não! Lá havia porteiros, músicos e muitas outras espécies de empregados, todos tão dignos como Vossa Excelência e nós.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, estabelecia que, sempre que uma medida governamental extinguisse alguma atividade, o governo teria que indenizar os trabalhadores. Dutra, porém, avisou que não honraria um compromisso assumido pela ditadura do Estado Novo.
O decreto-lei que proibiu os jogos foi baixado em 30 de abril. Na semana seguinte, em 11 de maio, o governo editou um novo decreto-lei, este estabelecendo que a CLT não se aplicava ao caso particular dos cassinos. Pela segunda norma, pode-se deduzir que a proibição foi decidida às pressas, sem um debate aprofundado sobre as consequências.
Os sindicatos recorreram aos tribunais argumentando que os demitidos entre 30 de abril e 11 de maio deveriam, sim, ser indenizados pelo governo. A palavra final coube ao Supremo Tribunal Federal, que sentenciou que as dívidas trabalhistas não cabiam ao poder público, mas aos empresários. Como quase todos faliram, boa parte dos ex-funcionários jamais viu a cor do dinheiro. Casos como o do hotel Copacabana Palace, que sobreviveu sem o cassino, foram exceção.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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