Ganhador do Nobel da Paz alerta para crescimento do trabalho escravo

iara-guimaraes-altafin | 02/02/2016, 15h53

O indiano Kailash Satyarthi, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2014, participou de debate nesta terça-feira (2) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

Satyarthi, que há 36 anos se dedica à luta contra o trabalho escravo e a exploração de crianças, alertou que há uma tendência mundial de crescimento do número de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo e da utilização de trabalho infantil, por motivações econômicas e pelo avanço do fundamentalismo religioso e do terrorismo.

Conforme afirmou aos senadores, as modernas formas de escravidão e de tráfico de pessoas estão associadas ao emprego de força de trabalho barata, principalmente crianças e imigrantes ilegais, como forma a reduzir custos e aumentar os lucros em diferentes setores da economia.

O ganhador do Nobel da Paz pediu a mobilização das instituições públicas e da sociedade civil organizada, em uma grande campanha pelo fim do trabalho escravo. Ao elogiar o trabalho de Kailash Satyarthi, o presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), disse também compartilhar da opinião de que a educação é ferramenta fundamental para o enfrentamento do problema.

Prevenção

Kailash Satyarthi lamentou que, em nome de tradições culturais, práticas de exploração de mulheres e crianças sejam aceitas e perpetuadas. Ele cobrou mais investimentos para a prevenção do trafico de pessoas e para a reabilitação das que são resgatadas.

Ele observou que o contexto mundial era bem mais difícil há mais de cem anos, quando foi possível a abolição da escravatura. Atualmente, opinou, com avanços nas comunicações, nas tecnologias e principalmente com o fortalecimento da defesa dos direitos humanos em todas as sociedades, não se pode aceitar a existência da exploração humana.

— Hoje temos ferramentas muito mais fortes para quebrar as algemas de escravidão — afirmou.

Conforme Lelio Bentes Correa, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a exploração do trabalho escravo resulta em lucros que superam US$ 150 bilhões ao ano,

— É imprescindível que se dê combate sem trégua a esse crime que está em constante mutação. Há 20 anos, as vitimas estavam no campo. Mais recentemente, constatamos que esse modo torpe de contratação do trabalho contamina os centros urbanos, em oficinas têxteis, na fabricação de calçados e em outras atividades.

Risco de retrocessos

Luiz Antônio Colussi, diretor da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e o juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho, que também integra a Associação, apontaram avanços na legislação brasileira de proteção aos direitos humanos e de combate ao uso de trabalho escravo. No entanto, eles alertaram para riscos de retrocessos, caso avancem propostas de redução da idade mínima para o trabalho e para a imputabilidade penal.

— São medidas reacionárias de um Congresso que nunca esteve tão conservador. Temos que estar atentos para barrar essas tentativas — opinou Hugo Cavalcanti.

PLS 432/2013

No mesmo sentido, os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF), Paulo Paim, Paulo Rocha (PT-BA), Fátima Bezerra (PT-RN) e Regina Sousa (PT-PI) criticaram o PLS 432/2013, que modifica a legislação para excluir "jornada exaustiva" e "condições degradantes" como elementos para configuração de trabalho escravo.

— Não podemos deixar que o país, que foi o último a abolir a escravidão no mundo ocidental, provoque agora, 128 anos depois, um retrocesso na definição daquilo que é considerado modernamente como trabalho escravo — apelou Cristovam.

Como relatou Paulo Paim, o projeto foi retirado da pauta do Plenário em dezembro, após apelo de senadores ao presidente do Senado, Renan Calheiros. No entanto, disse, a matéria voltou à pauta, sem que tenha sido discutida nas comissões da Casa e com a sociedade.

— Nossa legislação é hoje referência positiva, mas temos uma perspectiva sombria de voltarmos a ser referência negativa — observou Ronaldo Curado Fleury, procurador-geral do Trabalho, ao analisar a possibilidade de aprovação do projeto.

Ao final do debate, Paulo Paim disse ter sido informado que, frente à repercussão da audiência pública desta terça-feira, o PLS 432/2013 teria sido retirado da pauta.

— Vamos continuar insistindo junto ao presidente Renan e ao relator (senador Romero Jucá), para que o projeto passe em todas as comissões e para que possamos fazer o debate nos estados. Temos que confiar no diálogo, no entendimento e na mobilização — concluiu Paim.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)