TCU aponta irregularidades em Abreu e Lima desde 2008

Elina Rodrigues Pozzebom | 14/11/2014, 15h20

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Augusto Nardes, entregou nesta semana ao presidente do Senado, Renan Calheiros, o Fiscobras, relatório consolidado de 2014 com as auditorias feitas em obras que recebem recursos federais. Das 102 fiscalizadas, houve a recomendação de paralisação em quatro delas por indícios graves de irregularidades. Em outras cinco, a indicação foi reter valores de repasses orçamentários, ou seja, permitir a continuidade da obra, mas deixar de pagar às construtoras parte dos recursos de gastos considerados suspeitos. Nessa situação está a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, obra da Petrobras que, desde o início de sua construção, em 2008, tem gastos suspeitos apontados no Fiscobras.

A refinaria, cuja construção, inicialmente, previa aportes da petrolífera estatal PDVSA, da Venezuela, teve suas obras bancadas inteiramente pela estatal brasileira. E ganhou notoriedade em virtude dos superfaturamentos já constatados pelo TCU; do crescimento vertiginoso do custo final; e das suspeitas de corrupção envolvendo a Petrobras, agora investigadas até pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Neste ano, o TCU detectou irregularidades em mais uma etapa da edificação da refinaria Abreu e Lima, também chamada de Refinaria do Nordeste. Desta vez, o alvo foi um contrato de terraplenagem e serviços complementares de drenagem e pavimentação, no valor de R$ 534,1 milhões. Só neste, a recomendação é de suspensão de repasses da ordem de R$ 19,8 milhões.

O custo total da Abreu e Lima, orçado inicialmente em pouco mais de R$ 2 bilhões, atingiu até agora R$ 41 bilhões. Desde o início das obras, o TCU aponta irregularidades consideradas graves, como superfaturamento e falhas de projeto. Com 88% de execução das obras, o próprio TCU acha temerário paralisar a construção, o que traria menos benefícios do que permitir sua conclusão, segundo explicou Augusto Nardes após a reunião com Renan Calheiros, na última quarta-feira (12).

- No caso específico de Abreu e Lima, nós temos ainda uma discussão para ser enfrentada. Ontem [terça-feira], dei declaração de que se aproxima de R$ 3 bilhões de recursos superfaturados, algumas [obras] com sobrepreço, uns [contratos] com indícios graves, outros menos graves, então, está todo um debate dentro do TCU para que a gente possa fazer o contraditório – disse Nardes referindo-se a vários projetos da Petrobras.

Do ponto de vista formal, a análise do TCU especificamente sobre a Abreu e Lima encontrou superfaturamento de R$ 69 milhões em valores indevidamente pagos às construtoras ainda em 2008, conforme dados do Fiscobras 2014. Em 2010 e 2011, novos indícios de sobrepreço em quatro contratos, com pagamentos indevidos de R$ 600 milhões. Fiscalizações suplementares nos mesmos contratos indicaram, mais tarde, prejuízos adicionais aos cofres da Petrobras de cerca de R$ 370 milhões. O Fiscobras de 2014 identificou que orientações e normas técnicas da própria Petrobras não foram seguidas no projeto de terraplanagem, resultando em falhas graves de engenharia na execução das obras e aumento nos custos em, pelo menos R$ 79 milhões. O TCU observa com atenção as obras da Petrobras.

Somados portanto aos valores deste ano na Abreu e Lima, as irregularidades já formalmente apuradas chegam a R$ 1,1 bilhão. Outros R$ 1,9 bilhão são objeto de exames e debates dentro do TCU, aí incluídos os projetos da refinaria de Pasadena, Nos Estados Unidos, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), totalizando os cerca de R$ 3 bilhões mencionados por Nardes.

- Foi o Tribunal que descobriu a questão de Pasadena – lembrou o presidente do TCU para reforçar a autoridade do tribunal nas auditorias que tem feito na estatal.

Em 2010, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vetou a decisão do Congresso de, seguindo a recomendação do TCU, paralisar obras com irregularidades, incluindo a refinaria. A Petrobras, naquele ano, manifestou discordância quanto aos critérios usados pelo TCU para apontar superfaturamento nas obras da Abreu e Lima. O tribunal, por sua vez, dizia usar os critérios da própria estatal de petróleo ao acusar sobrepreço nas obras.

Obras paralisadas

Para o TCU, devem deixar de receber recursos duas obras no estado do Piauí. Uma delas é a Vila Olímpica de Parnaíba, cujo custo total é estimado em R$ 200 milhões, e até agora só teve 2% das obras executadas. O Tribunal não encontrou o estudo de viabilidade técnica e econômico-financeira da construção do Estádio Olímpico de Futebol, no contrato de uma etapa de R$ 1,4 milhão. Também não foi encontrado o mesmo estudo para a construção da primeira etapa da Vila Olímpica, com repasse de R$ 16,2 milhões.

A outra obra problemática no estado é o Complexo Materno Infantil de Teresina. O TCU encontrou sobrepreço, em comparação com outros praticados pelo mercado, no contrato de pessoa jurídica para elaborar o projeto básico e executivo, mas os custos não foram revelados no relatório por serem considerados sigilosos. Um dos motivos para essa classificação do Tribunal é a investigação ter partido de denúncia, o que pode ter ocorrido no caso. Sendo assim, os montantes só poderão ser divulgados após o julgamento do processo.

A terceira obra com irregularidades é a de controle de inundações, urbanização e recuperação ambiental das bacias dos rios Iguaçu, Botas e Sarapuí, na Baixada Fluminense (RJ). A construção busca desocupar margens de rios e canais e evitar as cheias e a destruição de casas por meio do aprofundamento do leito do rio Sarapuí. Também está prevista a construção de infraestrutura de esgoto. A obra integra os Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) I e II, e tem custo estimado de R$ 107 milhões.

A fiscalização foi feita ainda durante a etapa do lançamento do edital, inicialmente previsto em R$ 112 milhões. O consórcio vencedor estimou a construção em R$ 107 milhões. O TCU, entretanto, considerou os projetos básicos deficientes, já que não foram feitos estudos para embasar a quantidade de escavação e dragagem a ser feita, nem para justificar o método de construção proposto pela empresa, pois a metodologia sugerida não é usual em obras semelhantes. Além disso, há problemas com o licenciamento da área que receberá o material retirado da dragagem (bota-fora), o que pode provocar alterações nas quantidades de transporte de terra.

Os serviços problemáticos identificados pelo TCU neste edital (escavação, dragagem e transporte de terra) correspondem a 50% do valor total contratado para as obras, R$ 52,9 milhões. A falta de definição nesses quantitativos pode levar o contrato a variações muito grandes de custos, por isso a recomendação de paralisação.

Também foram encontrados superfaturamentos por pagamentos em duplicidade, reajuste irregular, preços excessivos frente ao mercado e quantitativo inadequado nas obras de implantação e pavimentação da BR 448, no Rio Grande do Sul. O custo final da obra, que foi 100% executada, é estimado em mais de R$ 1 bilhão. Já foram liberados em três contratos diferentes R$ 236,3 milhões, R$ 214,2 milhões e R$ 553,7 milhões. A construção da BR já figurou várias vezes nas sugestões de paralisação de obras do Fiscobras. A intenção do TCU, apesar de a obra já estar concluída, é evitar repasses adicionais, ou que ainda estejam aguardando liberação.

Retenção parcial

Das cinco obras com irregularidades parciais, mas que não levaram o TCU a pedir a suspensão total dos repasses, a primeira é o Canal do Sertão de Alagoas. Com custo estimado de R$ 2,3 bilhões e 46% executada, foram constatados sobrepreço por inconsistências no contrato na liberação de R$ 179,9 milhões para o Canal de Adução;superfaturamento por preços excessivos de serviços, insumos e encargos em comparação com os praticados no mercado, entre outros problemas. O repasse para Instalações Elétricas e de Bombeamento e para Irrigação em Pariconha I e II, de R$ 242,6 milhões, também sofreu com o mesmo problema, sobrepreço. O TCU recomendou a retenção de R$ 66 milhões dos recursos a serem destinados aos responsáveis pela construção.

Para a obra do Terminal Fluvial de Barcelos (AM), produto de convênio firmado entre o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit) e a Companhia Docas do Maranhão (Codomar), com custo estimado de R$ 12,4 milhões, foram constatados sobrepreços na execução de obras e serviços de engenharia. O TCU sugeriu que sejam retidos pagamentos de aproximadamente R$ 2,21 milhões para a construção do porto.

Na construção do Trecho Sul dos Trens Urbanos de Fortaleza (CE), cuja obra foi estimada em R$ 736,3 milhões, também foi detectado superfaturamento. O contrato avaliado é correspondente à execução das obras civis e sistemas fixos e móveis do metrô da capital, no valor de R$ 637,2 milhões. O TCU pediu a retenção de R$ 51 milhões nos repasses. A obra já está 99% executada.

Ao custo estimado de R$ 1,2 bilhão, o trecho goiano da Ferrovia Norte-Sul também recebeu recomendação de suspensão de recursos por suspeitas de superfaturamento. Os contratos avaliados pelo TCU têm valor de R$ 232,2 milhões no trecho de Pátio de Santa Izabel e Pátio de Uruaçu; R$ 145,5 milhões no trecho de Ouro Verde de Goiás e o Pátio de Jaraguá; R$ 110 milhões no trecho Anápolis-Porangatu; R$ 291,2 milhões no trecho entre o Pátio de Santa Isabel e o Pátio de Uruaçu; R$ 106 milhões no trecho entre o Porto Seco de Anápolis e o Viaduto sobre a GO-222 em Anápolis; R$ 126,3 milhões no trecho compreendido entre Ouro Verde de Goiás e o Pátio de Jaraguá; e R$ 205,8 no trecho entre o Pátio de Jaraguá e o Pátio de Santa Izabel, próximo à cidade de Rialma.

A obra já tem 87% executados e o Tribunal recomendou a suspensão de R$ 146 milhões no repasse de recursos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)