Quem com ferro fere com ferro será ferido, diz o adágio popular

Da Redação | 26/06/2012, 00h00

 

Nos tribunais, “idioma” diferente, ignorância dos réus e choro


Nem seria preciso recorrer ao latim ou aos termos e expressões mais profundamente desconhecidos da língua portuguesa para aterrorizar o maior interessado num julgamento: o próprio réu. Isso ficou claro no programa Profissão Repórter exibido pela TV Globo em 19 de junho, quando a equipe jornalística acompanhou julgamentos de mulheres, todas pobres e sem instrução.

No julgamento de Paloma Santos, grávida de cinco meses aos 19 anos e acusada de roubo, ela se depara com a seguinte pergunta:

— A senhora vive do ataque ao patrimônio alheio?

— O que é isso? — responde a ré, olhos arregalados em busca de ajuda do defensor público antes de desabar num choro ruidoso. Paloma foi condenada a cinco anos e quatro meses em regime semiaberto.

O mesmo programa apresentou a audiência de Diana Marques, 28 anos, que ficou quatro meses presa à espera de julgamento, sob acusação de furto.

— Qual a sua escolaridade? — perguntou o juiz.

— Não sei — respondeu a ré, assustada.

O magistrado se viu obrigado a reformular sua frase e então perguntou até que série a acusada havia estudado. Assim Diana entendeu e contou que estudou até a quinta série.

Os dois episódios confirmam que muitas vezes parece que são falados dois idiomas diferentes nos tribunais brasileiros, o que pode impedir o direito de defesa da pessoa acusada.

Defensores de linguagem clara nos tribunais frequentemente lembram uma história que teria acontecido num tribunal de Santa Catarina. “Encaminhe o acusado ao ergástulo público”, disse o juiz. Dois dias depois, a ordem ainda não havia sido cumprida porque ninguém sabia o significado de “ergástulo” — palavra arcaica usada como sinônimo de cadeia.

Casos assim não faltam nos tribunais brasileiros. Há dois anos, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi contou ao jornal Gazeta do Povo, do Paraná, o episódio de um julgamento em que uma senhora de idade avançada podia perder a casa onde morava.

Após longa deliberação dos magistrados, a decisão foi proferida com ex­­pressões técnico-jurídicas e o caso foi dado por encerrado. Nancy percebeu a aflição da senhora e quebrou o protocolo ao perguntar se ela havia compreendido a decisão. A resposta, obviamente, foi não. Desde então, a ministra mantém um projeto pessoal de simplificação das decisões judiciais, “traduzindo” suas principais decisões para a linguagem coloquial, no sitewww.nancyandrighi.stj.jus.br.

 

Senado apresenta “tradução” de resumos de projetos no seu site


Nascedouro das leis que vão basear as decisões dos juízes, o Senado já se preocupa com a clareza logo na apresentação dos projetos que estão tramitando. Quando o cidadão faz uma pesquisa sobre qualquer projeto na página www.senado.gov.br/atividade/, encontra na aba “Identificação da matéria” o nome do autor do projeto, depois a ementa apresentada no texto parlamentar e, logo abaixo, o item “Explicação da ementa” — um serviço criado há aproximadamente dois anos para facilitar e agilizar o entendimento de todas as proposições.

— A ementa deve ser um resumo do projeto, mas às vezes ela não explica suficientemente. É muito comum que diga apenas, por exemplo, “altera o artigo tal da lei tal” — afirmou a secretária-geral da Mesa, Claudia Lyra.

Ela conta que o serviço se antecipou às exigências da Lei de Acesso à Informação, que desde o mês passado obriga órgãos e entidades da administração federal a divulgarem uma série de informações em suas páginas na internet, além de abrirem espaço para solicitação de acesso a informações.

Uma equipe de sete pessoas na Secretaria-Geral da Mesa trabalha na explicação das ementas logo que os documentos são apresentados para exibição no site. Todas têm formação em Direito, o que permite a tarefa de “tradução” dos termos originais dos projetos de lei.

Além da explicação das ementas, a equipe também classifica o assunto relativo à proposição pesquisada (saúde, família, trabalho, direito civil, segurança etc). Os outros itens da aba “Identificação da matéria” informam data de apresentação, situação atual e indexação. O cidadão pode consultar ainda outras três abas sobre cada proposição: “Textos”, “Sumário da tramitação” e “Tramitação”.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)