Ao contrário dos americanos, os consumidores brasileiros recorrem muito pouco à Justiça para exigir indenizações quando se sentem lesados pelas empresas que formam cartel ou praticam outros ilícitos contra a ordem econômica, prejudicando a livre concorrência no mercado.

Com esse diagnóstico, projeto que pode ser aprovado no Senado até o mês que vem propõe incentivar as ações de reparação de danos e, com isso, engajar os brasileiros na defesa da maior competição entre as empresas, com resultados benéficos para o país.

A proposta apresentada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para decisão final. E deve obter apoio do relator, senador Armando Monteiro (PTB-PE), que prevê entregar seu parecer nesta semana.

Segundo sua assessoria, Armando deu voto favorável ao relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG) aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Armando entende que o PLS 283/2016 faz parte da agenda de medidas microeconômicas que ele defende para melhorar a competitividade e a produtividade das empresas.

Proposta

O texto prevê o direito de pedir ressarcimento em dobro do prejuízo decorrente das infrações contra a ordem econômica, como o cartel, a mais conhecida entre elas. Anastasia, que fez algumas modificações no projeto original, explica que a possibilidade de entrar com a ação de reparação de danos foi facilitada, já que o prazo de prescrição, ampliado de três para cinco anos, só começa a contar a partir da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), premiado como a melhor agência antitruste das Américas.

Atualmente, um fator que desencoraja as ações reparatórias, além do custo elevado, é a dependência de documentos sigilosos para que o consumidor prove seus direitos. “Pelo projeto, aquele que se sentir prejudicado pode aguardar a conclusão do procedimento administrativo do Cade, ter acesso à decisão e ajuizar a ação antes que a prescrição ocorra”, explica Anastasia.

Leniência

O texto altera a Lei 12.529, de 2011, que modernizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, formado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e pelo Cade — que teve suas atribuições reforçadas.

Outro ponto importante do projeto é que ele incentiva as empresas a procurarem o Cade para fechar acordos de leniência, explica o consultor legislativo do Senado Márcio de Oliveira, especialista no tema. Esse instrumento, que ganhou projeção nas investigações da Operação Lava Jato, pode ser aplicado para acelerar a apuração de ilícitos contra a concorrência, como os cartéis, há quase 18 anos.

A diferença é que as normas atuais asseguram a imunidade administrativa e a penal apenas para o primeiro que procurar o Cade para denunciar, segundo o coordenador-geral de análise antitruste da autarquia, Ravvi Madruga. Para os casos de corrupção, uma ou mais empresas podem se beneficiar do acordo.

Pela proposta de Aécio, o infrator que fechar acordo de leniência com o Cade ou assinar um termo de compromisso de cessação da prática ilícita, chamado de TCC, poderá ficar protegido durante as ações de reparação de danos. Ou seja, poderá se eximir de pagar indenizações que serão cobradas dos demais infratores.

Para outro especialista do Senado em defesa da concorrência, o consultor Francisco Mendes, os acordos de leniência poderiam beneficiar mais de uma empresa investigada pelo Cade. Sua recomendação faz parte do estudo Marco Legal da Política Brasileira de Combate a Cartéis: possibilidades de aprimoramento, editado pela Consultoria Legislativa.

Cartel

Esses instrumentos são necessários, segundo os especialistas, porque detectar e desmantelar cartéis exigem operações complexas e demoradas. E diferentemente dos Estados Unidos, o primeiro país a adotar uma lei antitruste no final do século 19, o Brasil só se empenhou no combate aos cartéis depois do fim do tabelamento de preços, na década de 1990.

Apesar de ter sido instituído em 1962, o Cade só condenou empresas por combinação de preços e prejuízos ao mercado em 1999. O caso ficou conhecido como cartel do aço, porque envolvia três grandes siderúrgicas: Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais (Usiminas) e Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa).

Durante muito tempo, segundo Mendes, os cartéis foram tratados como forma legítima de atuação empresarial. Só em 1998, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendou aos seus 34 países integrantes que combatessem os cartéis, com punições a empresas e indivíduos que participam desses conluios, com elevados prejuízos às economias.

— Há um cálculo econômico, aceito internacionalmente, de que essa conduta anticompetitiva provoca um aumento médio de até 20% em relação aos preços que deveriam ser praticados. Esse sobrepreço é gravíssimo e precisa ser combatido — ressalta a professora da Universidade Federal de Minas Gerais Amanda Flávio de Oliveira, considerada uma das maiores especialistas em direito econômico do país.

Desconhecimento

Para Amanda, que preside o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), o combate aos cartéis deveria estar no topo das prioridades dos órgãos de defesa do consumidor. Mas, acrescenta, o que existe é um desconhecimento por parte da maioria dos brasileiros sobre as condutas anticoncorrenciais e seus prejuízos.

De fato, organizações como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) procuram pouco o Cade para enviar denúncias. Segundo Madruga, os Procons são os mais ativos encaminhando principalmente as queixas sobre os preços dos combustíveis, o setor mais denunciado não só pelos brasileiros, mas também pelos consumidores de outros países.

No entanto, é importante aprender a diferenciar: preços iguais em postos de gasolina nem sempre configuram cartel. Segundo Amanda, essa é uma confusão frequente por parte dos consumidores. O cartel é muito mais do que o “paralelismo de preço”, no jargão dos especialistas. Pode ser uma divisão territorial entre empresas, acordos para participar de licitações, acertos para restringir oferta e eliminar concorrentes.

Por essa razão, o maior engajamento do consumidor na defesa da concorrência é visto como fundamental para combater os cartéis.


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