Projetos buscam evitar tragédias como o desabamento de edifício em São Paulo
Cintia Sasse | 19/06/2018, 10h13O incêndio que provocou o desabamento dos 24 andares do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro da capital paulista, no dia 1º de maio, chamou a atenção do país para a delicada situação dos que buscam um teto para morar, ocupam imóveis abandonados e se sujeitam a condições muito precárias de habitação.
Incorporado ao patrimônio da União em 2002, como pagamento de dívidas, o edifício abrigou repartições federais. Ocupado pelos sem-teto, foi vistoriado pela prefeitura, que o considerou inadequado para habitação, com divisórias e instalações elétricas improvisadas. Um curto-circuito teria sido a causa do incêndio.
Tragédias como a do Wilton decorrem de políticas desordenadas de desenvolvimento urbano, excesso de burocracia e um enorme deficit habitacional. Pelo último levantamento da Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, essa necessidade foi dimensionada em 6,3 milhões de domicílios em 2015, dos quais 5,5 milhões estão em áreas urbanas de todo o país. São Paulo é o estado com maior deficit (1,3 milhão de unidades). Desse total, 48% estão na região metropolitana.
Dandara
Uma das alternativas é a reforma e a readequação de imóveis antigos — o retrofit, no jargão da engenharia. Perto do edifício que ruiu, há exemplo do que pode dar certo com o retrofit.
— Desde o incêndio do Wilton, o edifício Dandara se tornou contraponto para mostrar soluções bem-sucedidas — diz o representante paulista na União Nacional por Moradia Popular (UNMP), Sidnei Pita.
Localizado na Avenida Ipiranga, o Dandara, com 120 unidades habitacionais, abrigou a Justiça do Trabalho na década de 1970. Vazio por 10 anos, foi ocupado em setembro de 2008 por integrantes da Unificação das Lutas de Cortiços e Moradias, um dos 150 movimentos filiados à UNMP e que atua na capital paulista.
O objetivo era pressionar a União, proprietária do imóvel, para definir a destinação, afirma Pita, que esteve à frente da ocupação do Dandara. Houve muita dificuldade para aprovar o projeto na prefeitura e na Caixa Econômica.
Êxito
No final, porém, conseguiram uma concessão real de direito de uso por tempo indeterminado. Pita explica que os ocupantes não podem comercializar os imóveis e qualquer mudança precisa passar pelo crivo do movimento. As obras começaram em 2013, com a maior parte dos recursos obtida pelo Programa Minha Casa, Minha Vida — Entidades. Os ocupantes participaram desde a escolha do material até a administração da obra.
Levantamento da prefeitura paulistana indicou que há cerca de 70 imóveis ocupados que precisariam ser regularizados, conforme Evaniza Rodrigues, da UNMP. Ela diz que ainda não há pesquisa sobre o perfil das pessoas que ocupam esses prédios. Geralmente são pessoas sem renda ou que recebem até R$ 1,8 mil, enquadrados na faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida.
Alguns estão em situação de rua, outros desempregados ou na informalidade, como camelôs. Há também os que moram tão longe dos empregos, que se engajam nos movimentos pela dificuldade de locomoção. Segundo Evaniza, há um protagonismo das mulheres chefes de família. E não há distinção. Entre os ocupantes pode haver refugiados, dependentes químicos e pessoas com distúrbios mentais.
Requisição
Apesar da importância, o retrofit não está na pauta principal dos movimentos. Yuri Leão, da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), diz que dos 126 projetos de habitação por interesse social em São Paulo, só três foram retrofit.
Essa modernização de imóveis abandonados é apenas um lado dos complexos desafios das cidades brasileiras. O especialista em desenvolvimento urbano e consultor do Senado, Victor Carvalho Pinto, explica que a maioria das cidades tem baixa densidade. Nelas, a ocupação irregular do solo é a regra e as pessoas têm vários problemas urbanos ao mesmo tempo, como falta de infraestrutura e de transporte.
Para melhorar esse quadro, o Senado apresentou algumas iniciativas. Uma delas é o projeto de Paulo Bauer (PSDB-SC) que autoriza as prefeituras a requisitar imóveis abandonados, em áreas de risco ou atingidos por catástrofe, sendo alternativa à desapropriação. Segundo o consultor, a requisição é prevista na Constituição, mas não foi regulamentada.
Ele diz que a requisição é “absolutamente necessária” em situação de iminente perigo público, que exige providências imediatas, como no caso do Wilton. O projeto (PLS 65/2014), que está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aguardando novo relatório de Ronaldo Caiado (DEM-GO), prevê a criação de um fundo onde os antigos proprietários se tornem cotistas.
O consultor explica que eles vão poder comercializar as cotas ou trocá-las por um imóvel novo, a ser produzido no processo de reurbanização da área. A requisição é adotada com sucesso pelo Japão para reconstruir áreas devastadas por tsunamis e terremotos.
Outro projeto (PLS 504/2013) é de Wilder Morais (DEM-GO) e já está na Câmara. Ele prevê a desapropriação para reparcelamento do solo, como forma de reurbanizar áreas degradadas. A atual legislação é ruim, na avaliação do especialista. Paga pouco no primeiro momento, induz o proprietário a recorrer à Justiça e após longa demora pode se tornar um precatório muito alto para o poder público. O PLS 504 procura adotar mecanismos para agilizar o acordo e viabiliza a alienação de parte dos imóveis para financiar a operação de reurbanização.
A proposta mais recente (PDS 56/2018) foi apresentada por Álvaro Dias (Pode-PR) em maio, após a tragédia do edifício Wilton. Ela susta parte de normas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que prevê a obrigatoriedade de fornecimento de energia para qualquer tipo de domicílio.
Marcha
No entanto, os cinco movimentos nacionais, reunidos na Marcha pelo Direito à Cidade, de 5 a 7 de junho em Brasília, estão preocupados com os vários projetos no Senado que autorizam o uso do FGTS — principal fonte do Minha Casa, Minha Vida — para outras finalidades, principalmente para educação. O presidente da Conam, Getúlio Vargas Júnior, diz que se eles forem aprovados haverá redução substancial dos recursos para moradia popular, o que justifica a posição contrária dos movimentos nacionais com relação a essas propostas.