Projeto de lei aumenta exigências para impedir comércio de órgãos

Da Redação | 04/12/2012, 00h00

A coibição do comércio de órgãos foi tema de discussões no Senado. O PLC 84/04, redigido por Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) quando era deputado federal, propõe tornar mais rigorosos os critérios de autorização judicial para a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo vivo (a doação intervivos)  por pessoa que não seja cônjuge ou parente consanguíneo do receptor.

Na justificativa, o autor menciona a possibilidade de que organizações criminosas internacionais de tráfico de órgãos pudessem alcançar o Brasil. José Medina, da ABTO, diz que é difícil estabelecer se há algum tipo de troca ou promessa de benefício entre doador e receptor vivos nos casos de não parentesco. Segundo ele, os números de transplantes nessas condições são muito baixos. Em 2011 foram cerca de 100 num universo de 6.500.

— Não acredito que haja um mercado de órgãos no Brasil — afirma.

O PLC 84/04 foi aprovado pelo Plenário do Senado na forma de um substitutivo que excluiu das exigências a expedição de laudo por dois médicos especializados e com idoneidade ética atestada. O texto foi enviado à Câmara em dezembro de 2011.

Proposta prevê retorno da doação presumida

Humberto Costa (PT-PE) apresentou no início de novembro um projeto (PLS 405/12) que modifica a Lei de

Todo brasileiro deve ser
doador se não se
manifestar, diz Humberto

Transplantes (Lei 9.434/97) para reinstituir a doação presumida de órgãos. Isso significa que todo  brasileiro será doador a menos que manifeste desejo contrário, pedindo o registro da expressão “não doador de órgãos e tecidos” no documento de identidade.

O senador acredita que a proposta quebra um tabu e representa o fim da desconfiança na doação.

— Dada a regulação adotada no país hoje, é impossível que algum órgão seja retirado sem a constatação da morte — argumenta.

Para Humberto, o Brasil melhorou o modelo de captação e transporte, reduziu filas para alguns órgãos e se destaca na área de transplantes, mas ainda tem poucos doadores.

— O objetivo é difundir que o transplante é seguro e tranquilo. As equipes estão mais seguras, o quadro mudou e permite uma maior aceitação da doação de órgãos — explica.

A expectativa com a adoção da doação presumida é de aumento do número de doadores e de transplantes. O senador garante que o sistema funciona bem e há um controle social forte que não deixa dúvida sobre a lista.

A doação presumida, porém, desperta polêmicas. José Medina, da ABTO, é contrário ao que chama de autorização presumida absoluta. Ele argumenta que quase nunca os órgãos que emitem documentos de identidade estão preparados para prestar informações quando se precisa decidir sobre a doação. Para ele, o melhor modelo é o da autorização presumida fraca: todos os que não se manifestem contrários são doadores a não ser que a família se oponha. Na hora em que o paciente se torna um potencial doador, a família é consultada e, se houver decisão contrária, ela é anotada no prontuário do paciente, que funciona como documento oficial.

— É um processo que respeita a família e garante que ninguém terá os órgãos retirados sem de fato ter morrido — explica Medina.

O modelo da doação presumida foi adotado na primeira versão da Lei 9.434/97. O projeto reuniu três propostas simultâneas, de autoria dos ex-senadores Darcy Ribeiro, Benedita da Silva e José Eduardo Dutra. A lei procurou deixar a decisão para as pessoas e não para as famílias. Na época, pesquisa do governo mostrou que 75% dos entrevistados eram ­favoráveis à doação presumida. A aprovação da lei, no entanto, gerou reação de ­acadêmicos da área da bioética e dos médicos, por meio do Conselho Federal de Medicina.

A principal crítica era sobre os limites da capacidade do sistema. Além disso, os médicos alegavam o dilema da obtenção de órgãos sem a expressa autorização do falecido ou da família, e o procurador-geral da União chegou a sugerir que os médicos seguissem a cláusula de consciência do código de ética deles.

Em outubro de 1998, o governo editou medida provisória revogando a doação presumida e introduzindo  o modelo atual de autorização requerida, em que o indivíduo pode manifestar  intenção, mas a família tem que assinar termo de autorização. A polêmica serviu para avançar a regulamentação do sistema, com definição clara de morte cerebral e instituição da fila única. O aumento no número de transplantes na vigência da doação presumida obrigou o Ministério da Saúde a criar a estrutura do sistema de transplantes nacional.

Retirada de órgãos depende da autorização da família

Para ser doador de órgãos para transplante, não é necessário deixar nada por escrito, mas é fundamental comunicar à família o desejo da doação. Pelas regras em vigor, a doação só se concretiza após a autorização da família, por escrito.

Em 2012, o Ministério da Saúde fez uma parceria com o Facebook que resultou na criação de uma funcionalidade que permite ao usuário da rede social no Brasil declarar-se doador de órgãos e compartilhar a decisão com amigos e parentes

Considera-se como potencial doador todo paciente em morte cerebral (encefálica). No Brasil, o diagnóstico de morte encefálica é definido pela Resolução 1.480/97, do Conselho Federal de Medicina, e segue padrões aceitos internacionalmente acrescidos de exigências próprias. O diagnóstico de morte encefálica é feito inicialmente pelo médico que acompanha o paciente, depois por dois médicos não participantes das equipes de captação e transplante que avaliam a integridade do tronco cerebral e finalmente é feito um exame complementar que demonstre ausência de atividade cerebral.

Após o diagnóstico de morte encefálica, a família deve ser consultada e orientada sobre o processo de doação de órgãos.

A entrevista deve ser clara e objetiva, informando que a pessoa está morta e que, nessa situação, os órgãos podem ser doados para transplante. A conversa pode ser realizada pelo próprio médico do paciente, pelo médico da UTI ou pelos integrantes da equipe de captação, que prestam todas as informações que a família necessitar.

O assunto deve ser abordado em um ambiente calmo, com todas as pessoas sentadas e acomodadas.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)