Desde novembro está em vigor a nova Lei da Adoção. A principal mudança é a redução dos prazos do processo, o que atende a reclamação dos candidatos a pais sobre a demora para a conclusão da adoção. A nova lei instituiu ainda a preferência na lista de adoção para interessados em adotar grupos de irmãos, menores com deficiência ou com doença crônica.

Ao todo, quase 9 mil crianças e jovens estão prontos para adoção e aguardam na fila para serem acolhidas por uma família. enquanto isso, cerca de 43 mil candidatos a pais estão cadastrados para receber uma dessas crianças.

Segundo o Cadastro nacional de Adoção, 62% das crianças têm entre 9 e 17 anos, enquanto 95% dos candidatos a pais preferem crianças de até 8 anos, e mais da metade não aceita ficar com os irmãos do adotado.

Muitas crianças em idade preferencial para adoção envelhecem à espera de um nova família e acabam entrando na pré-adolescência ou adolescência com chances remotas de conseguirem um lar.

Servidora pública do distrito Federal, Sandra Lúcia está habilitada a adotar uma criança desde 2014. Ela relata o longo caminho que já percorreu para realizar o sonho de ser mãe.

— Eu completei três anos de habilitação no dia 24 de novembro e estou à espera do meu sonho ser realizado, não importando se será menino ou menina. O importante é ser mãe — declarou.

Mesmo com a nova lei, diminuir o tempo para concluir a adoção parece não ser tarefa fácil. A juíza Joyre sobrinho, titular da vara de Família e infância da comarca de novo Gama (GO), afirma que é preciso investir na estrutura do Judiciário para o cumprimento dos prazos.

— A maioria das varas de infância está defasada. O processo de adoção é delicado e tem inúmeras variáveis. Às vezes o andamento de um processo não é o ideal por falta de estrutura — ponderou a juíza.

O advogado Hugo teles, do Aconchego — Grupo de Apoio à Convivência Familiar e Comunitária, que tem projetos voltados à adoção, concorda com Joyre Sobrinho.

— O Judiciário agora precisa se aparelhar, tem que estruturar todo o sistema da infância e Juventude, caso contrário esses prazos certamente não serão cumpridos — avisou.

Atualmente, há mais de 55 mil crianças e adolescentes vivendo em instituições de acolhimento. elas esperam a conclusão do processo de destituição do poder familiar, que é o desligamento da criança da família natural, para poder entrar na lista de adoção.

O período de acolhimento institucional em abrigos não poderá se prolongar por mais de um ano e seis meses, salvo por autorização de um juiz. A duração máxima do estágio de convivência que antecede a adoção nacional, antes sem prazo, foi fixada em 90 dias.

Segundo teles, são comuns histórias de crianças que chegam ao abrigo, atingem a adolescência e, com 18 anos, têm que ir embora sem a situação definida.

Marta Suplicy (PMDB-SP), relatora do projeto que deu origem à lei na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), também reclama da demora no processo de adoção:

— Essa nova lei foca nesse gargalo para agilizar os procedimentos relacionados à destituição do poder familiar e à adoção de crianças e adolescentes — reitera a senadora.

Segundo a nova lei, a conclusão da habilitação à adoção fica limitada ao prazo de 120 dias, prorrogáveis por igual período mediante decisão judicial. É aí que o pretendente à adoção será reconhecido como pai e o adotado, como filho. Antes não havia um tempo determinado e famílias reclamavam da incerteza desse prazo.

Vetos

A nova lei tem origem no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 101/2017, do deputado Augusto Coutinho (SF-PE), que teve rápida tramitação no senado, após chegar à Casa, em setembro.

O projeto foi resultado de uma consulta pública do Conselho nacional da Criança e do Adolescente em 2016. A consulta durou 90 dias e o texto resultante serviu de inspiração para mais um projeto, ainda em análise no senado: o PLS 223/2017, de Aécio neves (PSDB-MG).

Marta Suplicy diz que a rapidez na tramitação do PLC 101/2017 se deve ao fato de ele ter vindo da Câmara dos deputados muito bem formulado após ampla discussão.

— Percebi que era um projeto muito maduro e, quando isso acontece, o ideal é colocar logo em votação — declarou.

Algumas tentativas de encurtar os passos para adoção, porém, foram vetadas pelo presidente da república, Michel temer, quando da sanção da lei. O Planalto vetou dispositivos como o que autorizava o cadastro para adoção de recém-nascidos e crianças mantidas em abrigos que não fossem procuradas pela família biológica em até 30 dias.

O presidente considerou o prazo “exíguo” e “incompatível” com o estatuto da Criança e do Adolescente sobre a busca da família extensa. “Além disso, é insuficiente para se resguardar que a mãe não tenha agido sob influência do estado puerperal e que, assim, possa ainda reivindicar a criança”, justifica.

O projeto também buscava obrigar que todo jovem inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional teria a situação reavaliada, no máximo, a cada três meses. O governo federal entendeu que, embora louvável, a redução do prazo para reavaliação representaria sobrecarga às atividades das equipes interprofissionais dos serviços de acolhimento, podendo comprometer o trabalho em outras tarefas essenciais.

Para Hugo teles, o veto vai prejudicar a eficácia da lei:

— Se a falta de pessoal é justificativa para que o ideal não ocorra, então o Legislativo deveria se contentar com a realidade atual.

O texto também havia estabelecido que interessados em adotar não podiam ser padrinhos. Esse trecho também foi vetado, sob a justificativa de que manter essa previsão traria prejuízos a crianças e adolescentes com remotas chances de adoção.

Polêmica

O artigo polêmico da nova lei é o que trata da ausência ou insuficiência de servidores públicos responsáveis pela realização dos estudos psicossociais ou quaisquer outras espécies de avaliações técnicas exigidas. Nesse caso, a autoridade judiciária poderá nomear perito, quando não houver equipes disponíveis de modo a não interromper o andamento dos trabalhos.

A polêmica se dá porque o processo de adoção é executado por profissionais especializados, que constituem equipes multidisciplinares e trabalham com as crianças e adolescentes nos abrigos, preparando-os para começar uma nova vida.

A juíza Joyre Sobrinho teme que essas medidas se tornem regra, e o problema real siga sem o devido olhar.

— É uma forma de o estado se eximir do seu papel de prover satisfatoriamente a estrutura da equipe multidisciplinar — criticou.

Várias associações de servidores foram contrárias a esse artigo, por acreditarem que a nomeação de outros profissionais sem concurso público é equivocada e prejudicial ao processo de adoção.

O advogado Hugo teles acredita que é preciso levar em conta as diferenças regionais no Brasil:

— Existe a realidade das capitais que contam com a vara da infância e da Juventude e com pessoal qualificado, mas também existe a realidade do interior do país, em locais onde há uma única vara, onde o juiz é de família, é criminal, é cível, e não existe uma equipe técnica à disposição desse juiz. Nesses casos, eu acredito que o artigo é muito positivo. Ele permite que, em uma situação sem estrutura como essa, o juiz possa contar com profissionais de sua confiança — ponderou.


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