Marcio Maturana

Vem sendo alvo de críticas de juristas a mais nova modalidade de usucapião — direito de adquirir propriedade de um bem, geralmente imóvel, após sua posse durante determinado tempo. Trata-se do chamado usucapião familiar, aprovado pelo Congresso há pouco mais de um ano, que garante a propriedade de imóvel urbano de até 250 metros quadrados do casal unicamente ao cônjuge que permanecer na residência após dois anos da saída do outro (Lei 12.424/11). É o prazo mais curto entre todos os tipos de usucapião.

A intenção dessa nova lei é proteger a pessoa que fica incumbida de dar conta da casa, geralmente acompanhada dos filhos. No entanto, segundo os críticos, predominam as inconveniências e as lacunas dos conceitos. Por exemplo: fugir do lar devido a violência doméstica pode configurar abandono? Essa nova lei não estimularia o divórcio (pois, numa crise conjugal, quem se afastar do lar entrará logo na Justiça para evitar a perda da propriedade, antes mesmo de tentar reconciliação)? Casais não se considerarão obrigados a conviver juntos num período em que o aconselhável, para o bem de possíveis crianças e do diálogo, seria o afastamento enquanto se decide o futuro da propriedade?

Alternativas

O professor de Direito Privado da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Viegas é um dos que acredita que o usucapião familiar traz mais malefícios que benefícios.

— É uma lei casuística. Estamos prestes a ver pessoas convivendo em ambiente ruim, em prejuízo dos filhos, por causa do patrimônio. Há outros mecanismos para garantir o direito de lar à família sem ser usucapião: direito real de uso durante 20 ou 30 anos, por exemplo — afirma o professor.

A Lei 12.424/11 surgiu da Medida Provisória (MP) 514/10, que em sua origem tratava principalmente do Programa Minha Casa, Minha Vida. Durante a tramitação na Câmara dos Deputados, foi incluída a questão do usucapião familiar, acrescentando o artigo 1.240-A ao Código Civil.

O novo tipo de usucapião vem sendo acusado também de ser um retrocesso jurídico, porque recupera a figura do culpado pela separação conjugal ao punir quem deixa a residência. Isso, segundo os críticos, fere a Constituição, que proíbe retrocessos jurídicos. Outro problema seria uma falha de redação: se é “ex-cônjuge ou ex-companheiro”, como diz a lei, então o fim da união estável já foi decretado, não havendo, portanto, abandono de lar.

Subjetividade

Waldemir Moka (PMDB-MS), que relatou a MP no Senado, explica que não houve tempo de debater a questão do usucapião familiar em audiências públicas, por exemplo. Ele lembra, no entanto, que se demonstrou preocupação com a subjetividade do requisito abandono de lar.

— Como sempre acontece nas votações de medidas provisórias, nosso prazo era muito curto. Depois de tramitar na Câmara, o texto chegou ao Senado cerca de 20 dias antes de perder a validade. E o foco principal era o Programa Minha Casa, Minha Vida. Já que não houve oposição à proposta, o texto foi aprovado — disse o senador.

Na Câmara, a MP foi relatada pelo deputado André Vargas (PT-PR). Ao contrário dos advogados que acusam a novidade de “retrocesso jurídico”, ele considera o usucapião familiar uma revolução. Na época da aprovação da MP, argumentou que o Programa Minha Casa, Minha Vida tem como prioridade proteger as mulheres. “Vamos possibilitar a assinatura de convênio pelas mulheres, é o chamado usucapião pró-familiar, que pode ser usado quando o cônjuge não estiver mais no lar, possibilitando a resolução da posse”, disse o deputado.

Bem público não pode sofrer usucapião

Os tipos mais tradicionais de usucapião são quatro: ordinário, extraordinário, especial urbano e especial rural.

Cada um tem prazo e exigência próprios (quadro acima). O mais comum, segundo Viegas, é o usucapião extraordinário.

Mas a Constituição proíbe que qualquer usucapião seja aplicado a bens públicos, incluindo os de autarquias ou de empresas de economia mista. Por isso, as regras geralmente não se aplicam a invasões ou favelas. O professor da UnB explica que há três tipos de bem público: os de uso comum (ruas, praças, vias, área verdes, espaços livres); de uso especial (edifícios que o poder público utiliza, como o ­Palácio do ­Planalto, o ­Congresso Nacional); e o dominical (que por vontade do governo pode ser alienado ao particular: imóveis públicos desocupados e terras ocupadas por índios, por exemplo).

Para iniciar um processo de usucapião, é preciso que o interessado recorra a um advogado que recolha os documentos necessários e depoimentos de testemunhas, quando possível, para abrir o processo na Justiça. O juiz ouve a outra parte e decide. Segundo o professor Viegas, o processo pode demorar até cinco anos, mas o prazo médio é de dois anos. Ele diz que é raro o antigo proprietário recorrer, mas o processo nunca passa da segunda instância.

Atualmente, tramita na Câmara projeto de lei aprovado pelo Senado (PLS 49/09) que permite ao Ministério Público e à Defensoria Pública propor ação de usucapião especial de imóvel urbano, em benefício da população de baixa renda.

Esse projeto, apresentado pelo ex-senador Demóstenes Torres, foi relatado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado por Inácio Arruda (PCdoB-CE), que presidiu a Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior na Câmara, quando era deputado, e relatou o Projeto de Lei 10.257/01, que regula o capítulo da Política Urbana da Constituição (artigos 182 e 183), chamado Estatuto da Cidade.


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