Juízes criticam falta de estrutura para aplicação da medida

Da Redação | 05/04/2016, 15h05

 

Juíza comanda primeira audiência de custódia feita pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em setembro do ano passado. Foto: Tânia Rêgo/ABr

 

A aplicação das audiências de custódia, entretanto, não é consenso entre os representantes das forças de segurança do país. Há questionamentos sobre a aplicabilidade real da proposta, uma vez que as garantias do preso em flagrante — preservação da sua integridade física e avaliação da sua prisão — já seriam previstas em lei. Há também críticas de que a medida sobrecarrega um sistema já lento e pesado, ao se criar uma nova prática no processo judicial sem ampliar, na mesma medida, os recursos humanos e materiais para atendê-la.

 

Para o presidente da Associação Nacional de Magistrados Estaduais (Anamages), desembargador Magid Lauar, as audiências de custódia estão fundamentadas principalmente em um tratado internacional (San José) de 1969, período em que havia ditaduras em diversos países da América Latina e em que era necessário garantir a segurança e a vida de presos, principalmente os políticos. Hoje, quase 50 anos depois, esse cuidado com a integridade física do preso já existe na própria legislação brasileira — o artigo 306 do Código de Processo Penal exige, por exemplo, que qualquer prisão seja notificada ao juiz, ao Ministério Público, ao advogado do preso ou à Defensoria Pública e à família.

 

— Se a prisão for ilegal, a manifestação é imediata. Seja da defesa, seja da autoridade policial — diz Láuar, que ressalta a garantia legal do preso de ter direito a processo célere, caso contrário o crime do qual é acusado prescreverá ou ele poderá ser solto por decurso de prazo.

 

A Anamages chegou a entrar com ação direta de inconstitucionalidade contra a resolução do CNJ, que foi negada pelo Supremo Tribunal Federal sob a justificativa de falta de legitimidade da entidade (composta de juízes estaduais) para apresentar a ação. O STF também negou ação da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) que questionava a legalidade das audiências.

 

A Anamages, porém, mantém as críticas. O presidente adverte que o sistema judiciário do país paga o preço por não comportar a implementação de uma nova medida processual.

 

Lauar cita como exemplo a rotina dos juízes de São Paulo, que precisam fazer 15 audiências por dia sobre processos de réus presos e passaram a acumular mais cerca de 20 audiências de custódia. Em Minas Gerais, estado onde atua, Lauar diz haver deficit de 200 juízes, sendo que algumas comarcas estão há 10 anos sem a presença de um juiz.

 

Além disso, há cidades do interior do país que têm apenas um delegado, poucos policiais e uma única viatura. Quando há prisão em flagrante, é preciso mobilizar praticamente toda a equipe de segurança para fazer o deslocamento do preso até o juiz.

 

— Nós não nos recusamos a fazer as audiências de custódia. Mas elas exigem um mínimo de estrutura — cobra.

 

O presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Distrito Federal, Benito Tiezze, reforça a preocupação com a falta de estrutura para atender as audiências de custódia. Ele explica que, no Distrito Federal, foram alocados mais de 100 policiais, retirados de suas atividades de rotina, para atuar na apresentação dos presos.

 

Impunidade

 

Outra preocupação do sindicato é com o aumento dos relaxamentos de prisão e das liberdades provisórias, que estaria alimentando a sensação de impunidade entre os criminosos. O delegado cita o exemplo de um acusado de roubo preso três vezes no intervalo de um mês. Nas duas primeiras prisões em flagrante, ele foi solto em audiências de custódia.

 

— Não vou afirmar que decorre diretamente da audiência de custódia, mas tivemos um aumento severo de roubos, de aproximadamente 19%. E roubo é crime complexo, porque traumatiza a vítima — diz.

 

Os dados da Polícia Civil apontam que, em outubro, antes da aplicação da medida, foram registrados 3,7 mil roubos. Em março, menos de seis meses depois da adoção das audiências de custódia no DF, esse número subiu para 4,5 mil casos.

 

O consultor Tiago Ivo Odon admite que a sensação de impunidade pode de fato ocorrer, uma vez que o número de soltura dos presos em flagrante aumentou efetivamente. Em alguns estados que adotaram a medida, há registros de solturas em mais de 50% dos casos de prisão em flagrante. Isso acontece porque o juiz, quando toma contato com o preso, percebe que a prisão talvez não seja a medida mais adequada.

 

— É verdade que isso poderia ser interpretado pela sociedade como impunidade, mas os juízes estão apenas cumprindo a lei. Temos um sistema carcerário falido, com mais de 700 mil pessoas presas no Brasil e um deficit de mais de 200 mil vagas. Algo tem de ser feito. As solturas estão acontecendo, mas é um resultado da aplicação severa da lei — pondera.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)