Modelo atual de jornada ampliada é questionado

Da Redação | 24/02/2015, 10h45

Aumentar o tempo de ensino dos alunos é medida essencial para melhorar a qualidade da educação brasileira, defendem especialistas. Aqui, o estudante passa em média quatro horas por dia na sala de aula. Na maioria dos países, o período é maior — entre seis e sete horas. No entanto, não basta estender o período, explica a pedagoga Maria Amabile Mansutti, coordenadora técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec): é preciso dar qualidade a esse tempo extra.

 

— Tempo é um fator importante, mas não é determinante em educação integral de verdade. Se não houver uma proposta educacional consistente e um bom planejamento, capaz de articular o conhecimento formal às atividades, a extensão do tempo não promove o desenvolvimento integral do estudante. Não adianta ter mais do mesmo.

 

É com base nessa constatação que especialistas defendem mudanças no Programa Mais Educação, a política pública nacional destinada a incentivar a adoção, pelas escolas, da jornada ampliada. Criado pelo MEC em 2007, foi ele o responsável pela expansão da modalidade no Brasil. Em 2008, eram 1,7 mil escolas participantes; em 2014, 61 mil. Os colégios que aderem ao programa devem oferecer no mínimo sete horas de aula por dia. No turno normal, os alunos estudam as matérias de praxe. No contraturno, fazem atividades (como esportes, acompanhamento pedagógico, uso de mídias e tecnologia, empreendedorismo, robótica). Para financiar o custo extra que o aluno da jornada ampliada acarreta, a escola recebe recursos para o pagamento de monitores e funcionários, compra de materiais, complementação de merenda e de transporte.

 

Para a pedagoga, a adoção da escola em tempo integral no país é irreversível, porque já há demanda da sociedade por ela, mas é preciso definir uma nova política.

 

— O Mais Educação está estagnado. Não avançou em termos de proposta de educação integral, de formação profissional, de currículo. Em decorrência disso, há comprometimento da questão pedagógica.

 

Mais “ocupação”

 

Daniel Cara também defende uma reformulação. Para ele, o Mais Educação foi importante, pois conseguiu colocar o tema na agenda das políticas públicas brasileiras. Entretanto, é insuficiente diante das necessidades do aluno e precisa avançar, promovendo maior articulação do conteúdo das disciplinas com o que é trabalhado nas atividades.

 

— Os alunos vivem um momento de “ocupação” do tempo que é dissociado do projeto político-pedagógico da escola e do que é estudado em aula. As atividades esportivas e culturais são legais, mas o que se busca com educação integral é que ela seja articulada e que o resultado faça diferença. A aula do laboratório, por exemplo, deve ser articulada com o que está sendo trabalhado em sala. Simplesmente dobrar o tempo do aluno em uma escola desinteressante não vai resolver o problema educacional do país. O programa cumpriu seu papel, mas tem que ser superado. Nossa expectativa é de que o PNE signifique essa superação.

 

Outra mudança apontada como necessária é o papel do professor no Mais Educação. As atividades do contraturno têm, em geral, a supervisão de monitores, sem vínculo com a escola, e não de docentes. Isso é um equívoco, avalia a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Para que o ensino integral seja efetivo, é preciso ampliar a jornada também do professor, com aumento de salário, para que ele possa ser lotado em uma única escola e seja responsável pelas atividades, afirma Heleno Araújo Filho, coordenador da CNTE:

 

— Defendemos a educação em tempo integral, mas, para alcançarmos o patamar adequado, o professor deve ter um único vínculo empregatício. Também é preciso melhorar as condições de trabalho. Tem que ter infraestrutura adequada (laboratório, quadra de esportes, biblioteca) que dê condição para que o aluno possa passar o dia na escola e o professor possa desenvolver seu trabalho. Esse modelo ainda não existe no país.

 

Algumas escolas — como a E.M. Rubens Machado, de Volta Redonda (RJ) — conseguem bons resultados: a oficina de robótica oferecida pelo Mais Educação já rendeu prêmio na olimpíada brasileira do setor.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)