O que significa essa conquista para os empregados domésticos?
Da Redação | 02/04/2013, 00h00
Representa a conquista efetiva de direitos que já eram concedidos aos demais trabalhadores e, injustamente, não o eram aos trabalhadores domésticos. Na verdade, essa distorção remete ao período escravocrata, desde a colonização portuguesa, passando pelo Império, até a abolição da escravatura dos negros. O emprego doméstico vem dessa cultura, de pessoas, principalmente mulheres e negras, servindo aos senhores em troca de casa e comida, poucas vezes remuneradas e, quando o eram, com salários baixíssimos. Esse comportamento se estendeu (e ainda hoje é assim) com mulheres se deslocando, principalmente do Norte e Nordeste do país, para trabalhar em outras regiões, como domésticas, em busca de melhores condições de vida. Em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) excluiu os trabalhadores domésticos na definição dos direitos trabalhistas. Em 1972, a Lei 5.859 regulamentou a profissão de empregado doméstico e formalizou alguns poucos direitos, como o contrato por meio da anotação em carteira de trabalho. Os avanços começaram a surgir com a Constituição de 1988 que, no artigo 7º, assegurou a esses trabalhadores apenas nove dos direitos assistidos aos demais [salário mínimo, irredutibilidade do salário, 13º salário, repouso semanal remunerado, férias anuais, licença-gestante, licença-paternidade, aviso-prévio proporcional e aposentadoria], além da integração à Previdência Social. Agora, os trabalhadores domésticos passam a ter assegurados 25 direitos.
A senhora acredita que os direitos previstos na PEC serão respeitados?
Agora é lei. É constitucional. No começo, poderá ocorrer certo desconforto e surgirão dúvidas. Mas tenho certeza que patrões e empregados chegarão a um consenso sobre a melhor forma de se adaptar às mudanças legais.
Uma lei pode mudar um padrão cultural e de comportamento que dura décadas?
Acredito que haverá, sim, uma profunda mudança cultural, comportamental e do próprio mercado de trabalho doméstico. Essa já é uma tendência mundial. A existência do trabalho doméstico na forma que ainda há no Brasil é praticamente única em todo o mundo.
Como a senhora encara as críticas, por exemplo, a de que haverá desemprego para a categoria?
Toda vez que se aprova um novo direito para o trabalhador no país, os argumentos são os mesmos: que vai haver desemprego ou que vamos enfrentar o caos no mercado de trabalho. Foi assim, por exemplo, quando na Constituinte discutimos o direito de as trabalhadoras terem 120 dias de licença maternidade. Àquela altura, diziam os empresários que se movimentavam do Brasil inteiro para vir à Brasília convencer os constituintes, que nenhuma mulher trabalharia mais e que seria impossível incorporá-la (a mulher) ao mercado de trabalho. Vinte e cinco anos depois, temos mais do que o dobro de mulheres no mercado de trabalho. O empregado doméstico continua provando que o mercado precisa dele. Não acredito que vá haver nenhum transtorno maior, nenhum caos, com a aprovação dessas medidas. Muitos dos direitos que não estavam formalizados já são até práticas de convivência. A jornada de trabalho de 8 horas por dia é um direito dos trabalhadores em qualquer lugar do mundo. Patrões e empregados, juntamente com os sindicatos, vão encontrar as melhores formas de se adotar modelos de contratos de trabalho que sejam bons para todas as partes. Pode haver, inicialmente, algum movimento de demissões, mas será momentâneo. O que vai determinar essa movimentação é a demanda e a oferta do trabalho. Na verdade, hoje já existe uma grande dificuldade de se achar pessoas para exercer o trabalho doméstico, porque ninguém mais quer ser empregado sem ter efetivado o direito ao Fundo de Garantia, ao seguro-desemprego. A mão de obra está migrando para outras áreas. Quanto à informalidade, que muitos dizem que vá aumentar, lembro que, infelizmente, o mercado de trabalho doméstico já é bastante informal: segundo o Ministério do Trabalho, são mais de 7 milhões de trabalhadores domésticos, dos quais apenas 1 milhão tem carteira assinada.
E a possibilidade de uma multiplicação das ações judiciais?
Em princípio, não vejo razões, principalmente se houver uma campanha de esclarecimento da população, por parte do governo, sobre as novas regras.
Acredita que, no futuro, os encargos maiores levarão ao fim da profissão?
Acredito que vamos caminhar para uma regulamentação maior da profissão e, principalmente, para uma
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“O empregado |
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convivência melhor entre empregado e empregador. A partir de agora, vamos ter pessoas se qualificando para o emprego doméstico e pessoas mais qualificadas no mercado de trabalho também para exercer outras tarefas.
Essa conquista da categoria chegou tarde demais?
Trata-se de uma injustiça social antiga, dos tempos da escravidão, cujo movimento pela conquista de direitos teve início em 1936, com Laudelina Campos Melo fundando a primeira associação da categoria, e que ganhou mais força a partir da Constituinte. Essa conquista demorou, teve o tempo de maturação política e social, mas chegou.
Destes novos direitos previstos, a senhora acha que existe algum que seja mais importante?
A jornada de 44 horas semanais, com 8 horas diárias, é um direito central, assim como a proibição do trabalho infantil. Esse item, especificamente, é extremamente importante. Não é possível termos emprego doméstico para crianças e jovens com 14 ou 16 anos de idade. Agora fica terminantemente proibido o trabalho doméstico para esta faixa etária.
Acir Gurgacz defende desoneração de tributos para patrões
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Gurgacz diz que governo |
Para estimular a formalização do trabalho das empregadas domésticas e evitar demissões, o governo federal precisa reduzir os custos da folha de pagamento das famílias que contratam esses profissionais. A opinião é de Acir Gurgacz (PDT-RO), que vê necessidade de mudanças na tributação do empregador doméstico devido à aprovação da PEC 66/2012 — conhecida como PEC das Domésticas, que garante jornada de trabalho de 8 horas diárias, pagamento de horas extras e de FGTS.
— Os direitos das empregadas são justos e merecidos, mas acredito que, se não forem dados benefícios a quem contrata, o emprego doméstico será diminuído — afirmou o senador.
Gurgacz considerou importantes mecanismos que possibilitem a dedução de parte do valor pago ao empregado doméstico do Imposto de Renda. Essa sugestão faz parte de projeto de lei apresentado por Roberto Requião (PMDB-PR) antes mesmo da aprovação da PEC das Domésticas: o Projeto de Lei do Senado (PLS) 270/2011 propõe dedução no Imposto de Renda da remuneração paga pelas famílias até três salários mínimos mais o décimo-terceiro. O texto está tramitando na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde aguarda designação de relator. Requião pretende pedir urgência para a votação em Plenário.
O senador assinalou que, das 6,7 milhões de empregadas domésticas que trabalham no Brasil, apenas 26,3% têm a carteira de trabalho assinada atualmente.
Pimentel considera novos direitos uma “reparação de injustiça”
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Luta pela carteira |
Com a promulgação da PEC das Domésticas, o Brasil vai reparar uma injustiça, disse José Pimentel (PT-CE).
— Muitos consideram a aprovação da PEC como o fim da escravatura no Brasil. Lamentavelmente, este país, que é a sexta potência econômica no planeta, ainda tinha boa parte das suas trabalhadoras e dos seus trabalhadores sem os mesmos direitos que os demais — disse.
Entre as conquistas, citou o senador, está o direito ao seguro-desemprego que, na opinião dele, será automático após a promulgação da lei, sem depender de regulamentação.
Mesmo com os novos direitos, Pimentel observou que “continua a luta pela formalização da carteira assinada das empregadas domésticas no Brasil”.
Dos quase 7 milhões de trabalhadores dessa categoria, informou o senador, apenas 30,6% têm carteira de trabalho assinada pelo empregador. Ele também destacou a predominância de mulheres.
— Em torno de 93% das pessoas que atuam nessa atividade (6,6 milhões) são mulheres, conforme dados de 2011— disse.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

