Marcio Maturana

Neves Amorim (D) visita audiências realizadas durante a 
Semana Nacional de Conciliação, no Fórum de Brasília:
“Qualquer conflito pode ser resolvido dessa forma”

A Justiça brasileira é lenta? Sim, respondem os próprios magistrados. Afinal, há 90 milhões de processos tramitando e a cada ano somam-se a eles outros 26 milhões. Por isso, o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) promove anualmente a Semana Nacional de Conciliação: para não precisar esperar sentença, tentam-se acordos nos tribunais. O mutirão deste ano termina amanhã, com expectativa de superar as 349 mil audiências realizadas no esforço concentrado do ano passado, apesar da paralisação de dois dias que juízes promoveram semana passada reivindicando reajustes salariais. Em 2011, a semana obteve 168 mil acordos no valor de R$ 1,07 bilhão. Não por acaso, o tema da campanha é “Quem concilia sempre sai ganhando”.

— Qualquer conflito pode ser resolvido assim. Os mais recorrentes na semana nacional são voltados para consumidor: banco, telefonia, planos de saúde — disse o coordenador do Comitê Gestor da Conciliação do CNJ, José ­Roberto Neves Amorim.

Na abertura oficial da semana, dia 8, o ministro Carlos Ayres Britto — presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal — homologou acordo entre o banco Bradesco e um cliente, o analista de sistemas Henrique Lima, que conseguiu reduzir a dívida de R$ 36 mil para R$ 24 mil, com 48 meses para pagar.

— Apenas com o banco, eu não teria conseguido essas condições de pagamento — comemorou Henrique Lima.

Além da conciliação, que acontece quando uma terceira pessoa, no tribunal, sugere uma solução para o conflito, existem na Justiça outros dois mecanismos alternativos à sentença. Um é a mediação, quando a terceira pessoa ajuda no encontro da solução, em vez de sugerir. Outro é a negociação, na qual o conflito é resolvido diretamente pelos envolvidos, cada um abrindo mão de alguma reivindicação.

Neves Amorim explica que os cofres públicos também saem ganhando com a conciliação.

— Cerca de 60% das ações judiciais no Brasil equivalem a causas de R$ 1 mil ou no máximo R$ 1.500. Como o trâmite de cada uma custa em média R$ 1.300, não interessa ao Estado, financeiramente, levar adiante esses processos — disse.

Para consolidar a conciliação como opção eficaz e rápida, no dia 8 foi lançada também a Escola Nacional de Mediação e Conciliação (Enam), criada em parceria do CNJ com o Ministério da Justiça. A intenção é até 2014 capacitar 21 mil pessoas (estudantes de Direito, professores e agentes de mediação comunitária), que poderão fazer conciliações e mediações no Judiciário. A parte teórica das aulas será feita a distância, e a prática será com estágio supervisionado em tribunais.

Em julho, o Ministério da Justiça assinou acordo de cooperação técnica com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para investir 4 milhões de dólares em ações que visam aumentar o acesso do brasileiro à Justiça. Entre as iniciativas previstas, além da criação da Enam, está o aumento do número de fóruns alternativos para resolução de conflitos, como os núcleos estaduais de Justiça comunitária. Como alguns procedimentos formais da Justiça são flexibilizados, os problemas podem ser solucionados em poucas semanas ou até com uma única audiência.

Não é preciso esperar a primeira turma de formandos da Enam nem a Semana Nacional de Conciliação do ano que vem para evitar a demora de uma sentença. A Resolução 125 do CNJ estabelece que a intenção de conciliar pode ser manifestada nos núcleos de conciliação dos tribunais (veja endereços no infográfico) ou nos setores indicados pelos tribunais.

Processos que já correm na Justiça precisam de conciliações processuais, mas incentiva-se principalmente a conciliação informal (ou pré-processual), quando o conflito é solucionado com auxílio de juízes ou conciliadores antes mesmo de o processo ser instaurado, evitando novas ações.

Congresso renova códigos para dar mais agilidade aos tribunais

Desafogar o Judiciário é também objetivo de projetos de lei que tramitam no Congresso ou que recentemente foram aprovados. A reforma do Código de Processo Civil, que pode ser votada hoje na Câmara (PL 8.046/10) e foi aprovada pelo Senado em 2010 (PLS 166/10), prevê a criação de um sistema de acordos prévios nos tribunais. E tenta conter demandas repetitivas, permitindo que uma decisão valha para outros casos.

— Esse projeto é uma grande contribuição do Senado para desafogar o Judiciário e precisa ser confirmado pela Câmara, para termos uma Justiça mais ágil e moderna — disse Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente da Comissão de Constituição e Justiça.

O senador afirma que no Código Penal, cuja reforma também está sendo analisada pelo Congresso, uma comissão de especialistas detectou cerca de 120 leis agregadas que às vezes se contradizem.

— Isso faz pendências ficarem se acumulando nos tribunais — afirmou Eunício.

O Congresso também pretende atualizar o Código de Defesa do Consumidor. Em março, começaram a tramitar no Senado projetos sobre comércio eletrônico (PLS 281/12), superendividamento (PLS 283/12) e ações coletivas (PLS 282/12). Este último visa dar agilidade e prioridade para o ­julgamento.

Há ainda a reforma do Código de Processo Penal (PLS 156/09), em vigor há mais de 70 anos. Neste caso, uma das propostas que podem desafogar o Judiciário é o fim da participação dos juízes na tramitação do inquérito policial. Essa fase ficaria sob responsabilidade de autoridade policial e do Ministério Público, como é feito em vários países.

Neves Amorim, do CNJ, concorda que esses projetos podem contribuir muito para agilizar processos, mas adverte que eles não impedem o excesso de novas ações.

— Temos que fazer uma mudança cultural, mostrar às pessoas que elas podem resolver com conciliação.


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