A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, na Suíça, liberou para uso público as tecnologias da internet em 1993 (Foto: Maximilien Brice/CERN)

 

Marcio Maturana

A web pública completou 20 anos em 30 de abril, e duas semanas depois o “pai” da aniversariante veio ao Brasil dizendo que o país está na vanguarda da legislação sobre internet. O cientista britânico Tim Berners-Lee participou da World Wide Web Conference 2013, no Rio de Janeiro, onde 1.097 participantes de 46 países debateram presente e futuro da rede. Em 1993, na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, Berners-Lee publicou um documento que tornou as tecnologias da web de domínio público e livres de royalties. Para comemorar o aniversário, a Cern recuperou o endereço original do primeiro site da história (1992): http://info.cern.ch/hypertext/WWW/TheProject.html.

No Rio, Berners-Lee declarou apoio ao projeto de Marco Civil da Internet (PL 2.126/2011), que está pronto para ser votado na Câmara antes de chegar ao Senado. Ao lado do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator da proposta, o cientista incentivou os brasileiros a pressionarem para que a votação comece logo. Segundo ele, o Brasil está à frente dos demais países porque a proposta parte da perspectiva de direitos humanos. O ministro da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, também participou da conferência e reforçou o apoio.

O projeto trata de direitos do usuário da web, com regras gerais para funcionamento. Molon disse que a votação na Câmara ainda não aconteceu devido a resistência de ­alguns grupos, em especial de provedores de internet. Segundo o deputado, o marco civil será o primeiro passo, de onde virão outras leis sobre áreas específicas, como comércio eletrônico.

 

Berners-Lee, no Rio, incentiva brasileiros a pressionarem pela aprovação do marco civil (Foto: Davi de Castro/Portal EB)

— Parte dos aspectos civis estão sendo propositalmente deixados de fora, como o direito autoral, para outra legislação específica — explica Igor de Freitas, consultor do Senado.

 

Ficam fora do marco civil questões penais, por exemplo. Elas serão tratadas em leis próprias, como a 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina ­Dieckmann, que entrou em vigor no mês passado ­estabelecendo prisão de até um ano, mais multa, a quem invadir computadores, ­smartphones ou tablets para acessar dados sigilosos sem autorização ou disseminar vírus. A tramitação do projeto foi acelerada no Congresso devido a episódio que envolveu a atriz que batizou a lei: hackers acessaram o computador dela e publicaram na rede fotos em que aparecia sem roupa.

As duas principais questões tratadas no marco civil, disse Freitas, são a qualidade do serviço e o uso de dados pessoais de navegação. Ele explica que o direito à privacidade conflita com os interesses da livre iniciativa para fins comerciais: grandes serviços on-line, como Google e Yahoo, têm boa parte das receitas vindas da venda dos dados dos usuários ao mercado corporativo. Freitas lembra que a cobrança por serviços básicos na internet acabou, pois o lucro vem das informações geradas pelo próprio usuário.

Apesar da importância dos temas apontados por Freitas e do entusiasmo do “pai da web”, o projeto de marco civil sofre críticas. O pesquisador de Ciência e Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB) Marcello Barra diz que o texto deveria priorizar a universalização do acesso.

— Do jeito que o projeto está, consagra a exclusão digital e aumenta a exclusão social. Tinha que começar com a democratização do acesso, não com as relações comerciais. Na verdade, é um marco anticivil.

O pesquisador enfatiza a necessidade de democratização do acesso para fortalecimento da democracia pela liberdade de informação. Para exemplificar, lembra que semana passada a Comissão da Verdade informou que em 1993 a Marinha mentiu sobre 11 mortes ocorridas ­durante a ditadura militar.

— Nem todos os setores da sociedade têm interesse de que a informação flua de maneira mais democrática — afirmou Barra.

O governo tem tentado democratizar a internet. Há três anos foi lançado o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), para viabilizar acesso com velocidade de 1 mega a R$ 35 mensais, beneficiando 40 milhões de pessoas em 4.278 municípios do Brasil até o fim de 2014. Limitações técnicas, porém, têm evitado que as metas estejam sendo atingidas e só 56% das cidades foram atingidas até agora. Freitas afirma que houve excesso de otimismo; Braga diz que faltam investimentos públicos.

Em julho, o governo pretende lançar o PNBL 2.0, orçado em R$ 125 bilhões, e parte dos recursos serão investidos num satélite a ser lançado no fim do ano que vem. O sistema atenderá cidades onde as dificuldades para implantação da rede física são maiores, principalmente no Nordeste. A meta do governo é, em cinco anos, fazer a internet chegar a 90% dos domicílios.


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