Os fabricantes de cosméticos e alimentos que tenham elemento cancerígeno em suas fórmulas podem ser obrigados a incluir um alerta nas embalagens, rótulos, cartazes e materiais de divulgação. Hoje, para escolher alimentos mais saudáveis, o consumidor precisa ler e interpretar os rótulos dos produtos, observando os ingredientes utilizados, a composição nutricional e o tamanho das porções.

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) aprovou, no dia 21 de junho, a transformação em projeto de lei de uma sugestão apresentada pelos participantes do Projeto Jovem Senador de 2016, que propõe a obrigatoriedade do alerta. Segundo o projeto, caberá ao Ministério da Saúde regulamentar o assunto e manter atualizada uma lista de substâncias potencialmente cancerígenas para serem usadas como referência pela indústria.

Imagens, símbolos e textos em rótulos de alimentos ultraprocessados podem induzir as pessoas a comprar e consumir alimentos não saudáveis. A fotografia de uma fruta na embalagem de um suco artificial, por exemplo, pode fazer crer que o produto é semelhante a suco natural feito da própria fruta. No entanto, estudo realizado em 2011 pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostrou que, dos 18 produtos com apelo de frutas nos rótulos analisados, oito não apresentaram nenhum vestígio de fruta e a maior parte dos outros tinham em torno de 1% de fruta apenas.

Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em 2015, revelou que o consumo de 50g de carne processada (como bacon, salsicha e presunto) por dia aumenta a chance de desenvolver câncer no estômago e região colorretal (do intestino) em 18%. A carne processada é modificada para ter um prazo de validade maior ou gosto diferenciado. Ela pode ser defumada, curada ou receber alguns aditivos como sal ou conservantes. Segundo o documento, são exatamente os aditivos que podem aumentar o risco de câncer.

Transparência

Atualmente, os produtos vendidos no Brasil são obrigados a ter no rótulo, em ordem decrescente de quantidade, os ingredientes que o compõem. Mas não há nenhum alerta sobre o ingrediente ser potencialmente cancerígeno.

Para justificar a apresentação da sugestão de projeto de lei, os jovens senadores Acsa Albuquerque, Eduarda Jacome, Emanoel Silva, Isabelle dos Santos, Ívina Borges, Jennyfer Ferreira, Luciana Grancieri, Marina Carcassola e Taíne de Conto informaram que, “em outubro de 2016, a Agência Internacional para a Investigação do Câncer divulgou estudo sobre os riscos cancerígenos para os seres humanos colocados por uma variedade de substâncias que podem ser encontradas em cosméticos e alimentos industrializados.”

O objetivo, segundo eles, além de informar com maior clareza a respeito da natureza cancerígena dos produtos consumidos no Brasil, é incentivar as indústrias a reduzirem o uso de substâncias potencialmente nocivas à saúde.

Na CDH, a relatora da sugestão legislativa (SUG 3/2017) foi a presidente da comissão, Regina Sousa (PT-PI). O projeto (PLS 215/2017) encontra-se com o relator, Paulo Paim (PT-RS), na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).

Cosméticos

Até os anos 60, acreditava-se que os produtos aplicados na pele permaneciam nela. Por isso, apenas efeitos locais eram considerados antes da liberação para o mercado consumidor. No entanto, estudos mostraram que os produtos podem ser absorvidos, levando a efeitos sistêmicos. Hoje, os efeitos tóxicos decorrentes da exposição da população a produtos cosméticos vêm sendo reavaliados.

Até mesmo a classificação de produtos cosméticos é discutida. Por exemplo, os protetores solares são considerados como cosméticos na União Europeia, enquanto nos Estados Unidos são classificados como medicamentos de venda livre. As tinturas capilares são consideradas cosméticos na Europa e Brasil, mas no Japão são classificadas como “quase-drogas”.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável pela autorização de comercialização de produtos cosméticos por meio de notificação e registros, e pela fiscalização das empresas fabricantes. Antes de um produto ser lançado no mercado, a segurança deve ser avaliada pelo próprio fabricante ou importador.

Para a dermatologista funcional Mariana Lanat, “quando o governo permite a comercialização ou a entrada no país de produtos comprovadamente cancerígenos, está deixando de cumprir o seu papel. Principalmente se esses produtos são consumidos sem informações e sem alerta”.

Segundo a médica, substâncias cancerígenas não são necessárias em cosméticos, pois “existem outros conservantes e outras bases para hidratantes, esmaltes, desodorantes, xampus ou tintas de cabelo tão eficazes quanto elas”. O problema, afirma ela, é que a indústria não os utiliza.

Alimentos

O médico Carlos Augusto Monteiro, da Unidade Técnica de Alimentação, Nutrição e Câncer do Inca, sugere olhar a lista de ingredientes para evitar os alimentos cancerígenos.

— Os produtos ultraprocessados são compostos por pelo menos meia dezena de itens, a maioria que ninguém tem na sua cozinha. Outra forma fácil de identificar os ultraprocessados é pensar em produtos que podem ser consumidos a qualquer hora e lugar, pois já vêm prontos.

No Senado, a Comissão Senado do Futuro (CSF) promoveu em agosto um seminário para conhecer a legislação sobre o tema do Chile, uma das mais rígidas sobre etiquetagem da composição nutricional dos alimentos e sobre publicidade. Construída com o apoio de entidades sociais, a lei chilena incorpora o princípio do “direito de saber”. Todos os produtos alimentícios que estão além dos limites estabelecidos de gordura, sal e açúcar devem conter informações claras na embalagem.

— A lei teve imenso impacto sobre as crianças. Hoje, elas já sabem que têm de comer alimentos com menor quantidade de selos — afirmou o senador chileno Guido Girard, autor da lei.

Isabela Sattamini, nutricionista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), explicou que os alimentos recebem classificação com base no tratamento aplicado antes de ser consumido: não processados ou minimamente processados (frutas, hortaliças, leite in natura, grãos e carnes, por exemplo); ingredientes culinários processados (óleos, manteiga, sal e açúcar); processados (pães, queijos e conservas). Os ultraprocessados, cada vez mais presentes nas prateleiras dos mercados, incluem salgadinhos, biscoitos, margarinas, refrigerantes, cereais matinais, embutidos. Ela lamentou que, por força da publicidade, esses produtos sejam erroneamente apresentados como substitutos dos demais grupos de alimentos.

Aprovação

O exemplo do Chile e o PLS 215/2017 são considerados positivos por especialistas em saúde. O fisioterapeuta e doutor em medicina chinesa Rafael Lara considera o projeto “de suma importância”.

— Com o aumento da expectativa média de vida, temos observado nas últimas décadas uma elevação no surgimento de diversos tipos de câncer. Isso tem demandado constantes esforços de prevenção e diagnóstico precoce. No entanto, a maioria dos programas de saúde existentes se concentram no diagnóstico precoce, em identificar o mais cedo possível processo patológico já existente, com menos ênfase em prevenção, que é evitar o aparecimento da doença. A criação de lei obrigando a informação ao público da presença de agentes cancerígenos nos alimentos industrializados tem o mérito de estar em total afinidade com as ações preventivas.

Segundo ele, há diversos exemplos já bem estudados pela ciência de elementos carcinogênicos frequentemente presentes em alimentos industrializados.

— Sabemos, por exemplo, que a quantidade de moléculas de material plástico atualmente ingeridas pela maioria da população é preocupante. Diversas pesquisas já demonstraram que componentes de plásticos agem como xenoestrogênios, hormônios que aumentam muito a incidência de câncer de ovários e mama em animais expostos regularmente a tais substâncias.

Outro exemplo preocupante, diz o especialista, é o consumo exagerado de organoclorinas, provenientes de defensivos agrícolas, muito presente na alimentação brasileira. Regiões com alto uso de agrotóxicos apresentam incidência de câncer bem acima da média nacional e mundial. Desde 2009, o Brasil é o maior consumidor mundial desses produtos.

A dermatologista Mariana Lanat explica que o mesmo acontece com os cosméticos, em que são usadas substâncias como as benzofenonas, “que são parabenos, derivados do petróleo e extremamente cancerígenas”.

— Os parabenos alteram a função estrogênica e fazem uma modulação hormonal quando absorvidos pela pele. As próprias empresas de cosméticos que têm linha infantil não recomendam o uso em bebês com menos de seis meses por causa dos conservantes inadequados. Há outras substâncias como formaldeído, silicone, triclosan, alumínio, alquilfenol, polietilenoglicol (PEG) e até mesmo óleo mineral, que também deriva do petróleo. Mesmo produtos para peles sensíveis que não possuem parabenos, contém fenoxetanol, que é uma substância bastante nociva à saúde.

Segundo a dermatologista, muitas empresas multinacionais que representam produtos cosméticos aqui no Brasil, na Europa vendem os mesmos produtos com composição diferente, inclusive estampam no rótulo que não contém as substâncias tóxicas.

— O PPD, por exemplo, é um derivado do formol muito presente em tinturas de cabelo. As empresas alegam que é uma quantidade muito pequena e o governo aceita. Mas há um efeito cumulativo, você vai usando o produto a vida inteira até que uma hora o organismo não consegue mais se defender. Os aromas naturais também são substituídos por sintéticos e muitos produtos cosméticos não precisam de aroma.

Nos alimentos industrializados e de fast food há o mesmo problema, diz a médica.

— Conservantes, aromatizantes, flavorizantes, corantes, estabilizantes que, no nosso organismo, se transformam em algo imetabolizável. Causam vários tipos de alergias, doenças cardiovasculares, endocrinológicas e inflamatórias graves, até Alzheimer, Parkinson, além do câncer. Não dá para entender como ainda são autorizados no Brasil. E vão se acumulando.

Para Mariana Lanat, esse quadro só vai se reverter com um controle maior do governo e, principalmente, com uma educação alimentar, “que deveria ser uma disciplina nas escolas”.

— As crianças precisam saber o quanto os alimentos estão relacionados às doenças. Às vezes basta elas saberem, serem informadas, para deixarem de consumir. Quando entendermos o quanto alimentos de verdade são nutritivos, saborosos e práticos e, por outro lado, os industrializados são cheios de toxinas que nos fazem adoecer, a escolha a ser feita é natural.

Para indústria, o projeto não é necessário

Especificamente sobre sobre o projeto dos Jovens Senadores, a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) pronunciou-se por escrito:

"Em se tratando de legislação vigente, a Abia sempre orienta suas associadas no sentido de que as normas devem ser atendidas na íntegra. Sobre o projeto em discussão, valem as seguintes reflexões:

Todas as substâncias listadas na Portaria Interministerial dos Ministérios do Trabalho, da Saúde e da Previdência que lista os Agentes Cancerígenos para Humanos (Linach), que se aplicam à área de alimentos, passam por um processo rigoroso de avaliação de segurança no país e por órgãos internacionais, além de serem utilizadas dentro dos limites estabelecidos e permitidos pela legislação brasileira. Ademais, atualmente, a declaração de aditivos/ingredientes é requisito obrigatório na rotulagem dos alimentos.

A Abia entende desnecessária a proposta de norma apresentada pelo PLS em questão, tendo em vista que atualmente, a informação que se pretende regulamentar já está devidamente regulamentada pela Anvisa, por meio da Resolução RDC nº 259/02 – Regulamento Técnico para Rotulagem de Alimentos Embalados — Harmonizada no Mercosul."


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