O Brasil vive contradição típica de países em desenvolvimento no que se refere à alimentação: redução da fome entre a população mais pobre, mas aumento da obesidade por causa da baixa qualidade da alimentação. Relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) em setembro mostrou que a fome no país se estabilizou em 2,5% da população. Em compensação, os casos de obesidade vêm crescendo. Hoje 22,3% dos brasileiros com mais de 18 anos estão acima do peso.

A questão da segurança alimentar também preocupa quando os temas são uso de agrotóxicos e presença nos alimentos de substâncias que causam alergia.

Por isso, as políticas públicas na área de nutrição e alimentação e as normas de rotulagem e uso de pesticidas devem fazer parte da agenda legislativa dos parlamentares que tomarão posse em fevereiro e do presidente da República que assumirá o cargo em janeiro.

Os novos governantes encontrarão em andamento compromissos assumidos pelo país a partir da adesão à Década de Ação das Nações Unidas sobre Nutrição (2016–2025), que tem como objetivo estimular ações para acabar com a fome e assegurar acesso universal a dietas mais saudáveis e sustentáveis.

O Brasil foi o primeiro país a se comprometer a atingir três metas até 2019: deter o crescimento da obesidade na população adulta, reduzir o consumo regular de bebidas adoçadas com açúcar em pelo menos 30% na população adulta e ampliar em no mínimo 17,8% o percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças regularmente.

O governo tem feito esforços nesse sentido. Em maio, sancionou a Lei 13.666, de 2018, que incluiu a educação alimentar e nutricional nos currículos escolares dos ensinos fundamental e médio de escolas públicas e privadas. Outra iniciativa, em parceria com a indústria, estipula metas de redução de açúcar em alimentos processados, como refrigerantes, biscoitos e achocolatados, de acordo com recente anúncio do ministro da Saúde, Gilberto Occhi.

No Senado, está em análise projeto (PLS 346/2018), de Lindbergh Farias (PT-RJ), que proíbe a distribuição e a venda de bebidas como refrigerantes, néctares, refrescos, chás prontos e bebidas lácteas nas escolas de educação básica públicas e privadas.

Já os alimentos com alto teor de sódio poderão ter no rótulo advertência ao consumidor. É o que diz projeto (PLS 392/2018) de Paulo Bauer (PSDB-SC). Segundo o texto, a autoridade sanitária deverá indicar quais alimentos apresentam elevado teor de sódio na composição nutricional.

Agrotóxicos

Outra questão preocupante é a quantidade de agrotóxicos que o brasileiro ingere. Essas substâncias químicas são utilizadas há décadas para combater pragas e doenças nocivas à produção agrícola.

Segundo dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), 64% dos alimentos no Brasil têm resíduos de agrotóxicos. Só o Sistema Único de Saúde (SUS) notificou 34.147 intoxicações por esses produtos entre 2007 e 2014. Esses e outros dados, incluindo o faturamento da indústria de agrotóxicos (R$ 12 bilhões em 2014), colocam o país, desde 2008, na posição de maior mercado mundial de agrotóxicos.

O Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), aponta, no entanto, que quase 99% das amostras de alimentos analisadas pelo órgão, entre 2013 e 2015, estavam livres de resíduos que representam risco agudo para a saúde. Risco agudo é uma intoxicação que pode ocorrer dentro de um período de 24 horas após o consumo.

Um dos alimentos com maior quantidade de amostras analisadas foi a laranja. A fruta está exposta, por exemplo, ao carbofurano, que passa por processo de reavaliação na Anvisa. É a substância que mais preocupa quanto ao risco agudo.

O carbendazim também merece atenção. Os resultados revelaram que, em 5% das amostras de abacaxi, há potencial de risco. Outro agrotóxico que causa preocupação quanto à saúde é o glifosato. Proibido no início de agosto, a substância voltou a ser liberada pela Justiça em setembro.

Em debate na Câmara dos Deputados, a Anvisa, que libera o uso de agrotóxicos, informou que esses produtos estão enquadrados como “questão de saúde pública” por potencialmente causarem câncer e mutação genética. A pesquisadora Márcia Sarpa, do Instituto Nacional do Câncer, advertiu que “não existe limite seguro de exposição” a agrotóxicos.

— É totalmente antiético deixar no mercado um produto que pode levar a malformações congênitas — disse Márcia.

O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) argumentou, no entanto, que o uso de defensivos agrícolas é fundamental para garantir produtividade no campo e dar conta da demanda crescente de alimentos em razão do aumento da população mundial.

Em junho, uma comissão especial da Câmara aprovou parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) a projeto (PL 6.299/2002) que prevê que os agrotóxicos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se outros órgãos reguladores, como Ibama e Anvisa, não tiverem concluído análises sobre riscos.

A aprovação foi condenada por parlamentares e membros da comunidade científica que chamaram o projeto de “pacote de veneno” e defenderam a aprovação da Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PL 6.670/2016).

No Senado, proposta (PLS 541/2015) de Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) veda a pulverização aérea de pesticidas e proíbe o registro de agrotóxicos que tenham como ingredientes ativos glifosato, triclorfom, carbofuran, cihexatina, abamectina, fosmete e lactofen.

Um outro projeto (PLS 209/2013) visa atualizar o marco regulatório dos agrotóxicos para otimizar o processo de registro dos produtos. Segundo o texto, a formalização do registro deve ser feita em 15 dias. O ex-senador Ruben Figueiró, autor da proposta, afirma que “sem tal medida seria impossível se ter maior efetividade no agronegócio brasileiro”.

Alergias

Problema de visibilidade mais recente que a desnutrição e a contaminação por venenos, as alergias alimentares são doenças caracterizadas pela manifestação do sistema imunológico após a ingestão ou contato com certos alimentos. As reações incluem urticária, inchaço, coceira, eczema, dor abdominal ou até mesmo fechamento das vias respiratórias e comprometimento de órgãos.

O Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar de 2018 indicou que as alergias são consideradas um problema de saúde pública, pois a sua incidência tem aumentado em todo o mundo. A estimativa é que elas afetem cerca de 6% das crianças com menos de 3 anos de idade e 3,5% da população adulta.

No Brasil, uma resolução da Anvisa de 2016 determina que embalagens de comidas e bebidas devem obrigatoriamente fornecer informações sobre a presença de substâncias que podem causar alergias.

No Senado, tramitam dois projetos que tratam de alergia alimentar. Uma proposta (PLS 308/2018), de Maria do Carmo Alves (DEM-SE), estabelece a criação da Semana Nacional de Conscientização Sobre a Alergia Alimentar.

Também de autoria de Antonio Carlos Valadares, o PLS 155/2014 determina a indicação dos alergênicos mais comuns em rótulos de alimentos, como leite, ovo, amendoim, peixe, crustáceo, trigo e soja. “Com um simples aviso no rótulo, vários desconfortos ou ocorrências médicas podem ser evitados e com custo adicional praticamente nulo”, destaca o autor do projeto.

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