Congresso fez gesto de resistência contra arbítrio do AI-2
André Fontenelle | 05/10/2015, 18h57
Uma pasta com folhas amareladas em bom estado de conservação, no acervo do Arquivo do Senado, testemunha um dos últimos esforços do Congresso para conter a escalada autoritária do regime, nos dias que antecederam a imposição do segundo ato institucional (AI). A pasta guarda os documentos da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 5/1965, que, com algumas alterações e sem ser votada pelo Parlamento, seria o embrião do AI-2.
Após a derrota da UDN nas urnas, a situação política deteriorou-se rapidamente. “Parte considerável das Forças Armadas perde a confiança na eficácia dos meios legais para conduzir a revolução aos seus objetivos”, noticiou em linguagem hermética o Jornal do Brasil em 8 de outubro de 1965. Traduzindo: a linha dura queria a ditadura. O próprio Castello Branco estava sob a ameaça de um “golpe dentro do golpe”.
O fosso entre os líderes militares e civis de 1964 se aprofundou. O resultado das eleições em Minas e na Guanabara suscitava a possibilidade de uma vitória da oposição no pleito presidencial marcado para 1966, mesmo com Juscelino cassado e impedido de se candidatar. Carlos Lacerda pôs lenha na fogueira ao dizer que “a revolução acabou”. Milton Campos, ministro da Justiça de Castello Branco, pediu demissão — mais um sinal de que se tornava insustentável a situação dos defensores da legalidade.
Castello informou ao senador Filinto Müller (PSD-MT) que pediria a aprovação de medidas de exceção. Elas se traduziram na PEC 5/1965, enviada ao Congresso em 13 de outubro.
A votação da PEC foi marcada para o dia 26. Substitutivos apresentados por parlamentares, sobretudo do PSD (partido de Juscelino), tentavam edulcorar algumas das medidas mais duras. O senador Josaphat Marinho (sem partido-BA) tentou manter a prerrogativa do Judiciário de rever cassações de governadores e prefeitos. Na pasta conservada no Arquivo do Senado, acumulam-se as assinaturas apressadas de parlamentares, em folhas de papel almaço.
No dia marcado para a votação, o governo não contava com o número de votos necessário para aprovar a PEC. Sabia-se que, não sendo atendido, Castello editaria um ato institucional. A discussão em sessão conjunta começou às 21h, com as galerias lotadas. Um dos senadores mais combativos da época, Arthur Virgílio (PTB-AM) — pai do ex-senador e atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto —, alertou:
— Um Congresso sem autonomia, que amanhã poderá estar sob um outro ato institucional e ter vários de seus membros cassados, este Congresso é que não se agacha? Este Congresso que tem cedido tudo sob pressão. Que nos fechem hoje, mas com o povo que nos assiste ao nosso lado; e não nos fechem amanhã, senhor presidente, ingloriamente, com o aplauso do povo brasileiro, como aconteceu em 1937, na implantação do Estado Novo.
Para evitar a derrota, o governo passou a fazer obstrução. A sessão se estendeu até as 4h50, na madrugada, quando já não havia número regimental.
Foi convocada uma sessão ordinária para as 14h30 do mesmo dia. Ao ser aberta, porém, já não havia PEC a ser votada. Às 11h15, no Palácio do Planalto, o ministro Luís Viana Filho, da Casa Civil, iniciou a leitura do ato, que Castelo assinaria 15 minutos depois. O Congresso só voltaria a funcionar em 3 de novembro. Arena e MDB ainda não existiam, mas UDN, PSD e PTB já eram coisa do passado.
O AI-2 não se limitou a extinguir os partidos pré-65. Em seus 33 artigos, removia uma série de dispositivos da Constituição de 1946 que ainda preservavam um arremedo de democracia. O ato reduziu os poderes do Parlamento, ao implantar o “decurso de prazo” para as emendas à Constituição apresentadas pelo presidente da República. Se uma emenda não fosse apreciada em 45 dias pela Câmara e em outros tantos pelo Senado, estava automaticamente aprovada. O número de ministros do Supremo Tribunal Federal aumentou de 11 para 16, o que permitiu compor uma maioria de juízes alinhada com o regime.
Na definição da historiadora Emília Viotti da Costa, “o AI-2 institucionalizava o arbítrio sob a fachada de legalidade”. Era mais um passo na direção do fechamento do regime, que culminaria no AI-5, em 1968.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)