Castello queria implantar voto distrital, diz cientista político

André Fontenelle | 05/10/2015, 18h58

David Fleischer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), contou ao Arquivo S detalhes hoje quase esquecidos daquele período e que ajudam a entender as sutilezas da política da época — por exemplo, por que não se adotou o voto distrital no Brasil com o bipartidarismo imposto pelo AI-2. Outros trechos da entrevista podem ser vistos num vídeo do Portal do Senado.

Na época, houve quem afirmasse que não havia muito a lamentar, porque os partidos tradicionais já não tinham credibilidade. O senhor ­concorda?

Mais ou menos. Antonio Lavareda [cientista político] fez sua pesquisa de doutorado usando dados dos acervos empoeirados do Ibope, no Rio de Janeiro, de pesquisas de opinião do final dos anos 50 e do início dos 60 mostrando que grande parte do eleitorado tinha afinidade com o PTB e outra parte com a UDN e o PSD. Mostrou que o eleitorado tinha certo vínculo com esses três partidos. Após a intervenção militar e o ato institucional, com as cassações e o que aconteceu em 64 e no início de 65, o sistema partidário entrou um pouco em descrédito. Mas dizer, no geral, que todo o sistema partidário estava desacreditado, não foi bem assim, não.

É verdade que antes do bipartidarismo já havia dois grandes blocos no Congresso, precursores da Arena e do MDB?

Sim. Desde o fim dos anos 50 e o início dos anos 60, havia dois blocos suprapartidários dentro do Congresso, principalmente na Câmara dos Deputados: a ADP, Ação Democrática Parlamentar, mais à direita, e a Frente Parlamentar Nacionalista, mais à esquerda, que tinha mais deputados. Esses dois blocos eram mais ou menos uma prévia do que seriam a Arena e o MDB. Claro que as duas frentes sofreram muitas cassações, já com o primeiro ato institucional, principalmente na Frente Parlamentar Nacionalista. Do que sobrou, a maior parte foi para o MDB. Da ADP, quase 100% foram para a Arena. Então o Brasil já era um sistema mais ou menos bipartidário, com esses dois blocos.

Houve uma tentativa de criar um terceiro partido, além de Arena e MDB?

Sim. Pedro Aleixo [político mineiro, vice-presidente entre 1967 e 1969] tentou duas vezes criar o PDR [Partido Democrático Republicano]. Mas ele não conseguiu alcançar o número mínimo de assinaturas para criar esse terceiro partido. O próprio governo militar passou a sentir certo desconforto com o sistema bipartidário, porque percebeu que isso tirava muito o espaço de manobra, que esses dois partidos eram como camisas de força. Quando o MDB cresceu, tornando-se um partido de massa, nas eleições de 74 e principalmente nas de 78, o governo achou que implantar um multipartidarismo moderado facilitaria  manobras e manipulações.

Por que não se adotou o voto distrital, junto com o ­bipartidarismo?

Esse é um lance que pouca gente sabe. Castello Branco lia a língua francesa muito bem. E já tinha lido os livros de Maurice Duverger, um cientista político que escreveu sobre partidos e formulou a chamada Lei de Duverger: quando você tem dois partidos, o sistema eleitoral deve ser majoritário distrital uninominal; se houver mais partidos, o sistema será proporcional. Castello entendeu muito bem essa “lei”. Então chamou o TSE para “distritalizar” o Brasil e desenhar um mapa com distritos. Ele estava pronto para assinar um ato complementar e implantar esse sistema no Brasil. Mas aí chegaram os ex-udenistas, que já estavam na Arena, dizendo “não assine isso, pelo amor de Deus, porque os ex-PSD, nossos inimigos históricos, que estão na Arena, são muito mais bem situados no interior e vão ganhar em mais distritos do que nós, da UDN”. Castelo tinha certa simpatia para com os udenistas. Segurou a caneta e não assinou. Até 1978, nós tivemos um sistema inusitado, de bipartidarismo com representação proporcional. Só em 1982 temos eleições com um sistema multipartidário.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)