A campanha eleitoral de 2016 é a mais curta dos últimos anos. Graças a uma reforma aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado, os postulantes aos cargos de prefeito e vereador tiveram menos tempo para percorrer as cidades como candidatos oficiais (de 90 para 45 dias) e se apresentar no rádio e na TV (de 30 para 10 minutos em cada bloco de propaganda eleitoral). O objetivo foi baratear as disputas e, assim, reduzir a influência do dinheiro sobre os resultados.

Há 40 anos, outra lei fazia uma simplificação ainda maior das campanhas eleitorais. Trata-se da Lei Falcão (Lei 6.339/1976), que transformou a divulgação das candidaturas no rádio e na TV numa verdadeira lista de chamada. Um locutor apresentava os políticos, e eles não podiam mostrar suas propostas.

A Lei Falcão determinava que a propaganda de rádio e TV para os pleitos municipais de 1976 deveria consistir apenas em uma narração do nome, do partido, do número e do currículo de cada candidato. Nas propagandas televisivas, havia ainda uma foto dele. No máximo, era permitido divulgar datas e locais de comícios.

O idealizador da norma foi o ministro da Justiça da época, Armando Falcão, tão identificado com a lei que acabou por batizá-la nos anais da história. Conhecido pela defesa aberta da censura aos meios de comunicação e pelo uso contumaz da frase “nada a declarar” em resposta a perguntas da imprensa, Falcão ocupou o cargo durante todo o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979).

Segundo o discurso oficial, Geisel, o quarto presidente da ditadura militar, promovia uma abertura política “lenta, gradual e segura”. Na prática, patrocinava iniciativas como a Lei Falcão, que buscavam frear o avanço da oposição. A lei foi uma reação ao resultado das eleições de 1974, quando o MDB, partido oposicionista, conquistou 15 das 22 cadeiras em disputa no Senado e 44% dos assentos na Câmara dos Deputados.

Oficialmente, a intenção era outra. Na exposição de motivos do projeto, o ministro Armando Falcão explicava que a ideia da restrição era “reduzir desigualdades” entre municípios grandes, com acesso amplo a televisão e rádio, e pequenos, onde esses recursos ainda não haviam chegado expressivamente.

Além disso, Falcão alegava querer “evitar tumulto” entre as cidades. Na época, as propagandas políticas dos municípios maiores acabavam sendo retransmitidas também para os municípios vizinhos, que estavam na área de cobertura das emissoras. Discussões de problemas e propostas acabavam extrapolando a população do próprio município, resultando em “confusão no eleitorado”, segundo ele.

"Dar a poucos municípios o direito de discutir seus problemas específicos, em campanha cujo raio de ação abrange muitos deles, é favorecer alguns e prejudicar a maioria. O projeto não tem caráter restritivo, mas o claro objetivo de adequar a lei à realidade", escreveu Falcão.

O debate no Congresso

Os argumentos do ministro da Justiça não convenceram o senador Franco Montoro (MDB-SP), líder da minoria na Casa. No dia 19 de maio de 1976, um dia após a chegada do texto — ou “projeto-rolha”, na sua opinião —, ele criticou as mudanças propostas por Falcão, considerando-as um “inadmissível retrocesso na vida pública”. Papéis com toda a discussão em torno da proposta estão guardados no Arquivo do Senado, em Brasília.

Montoro denunciou que o projeto suprimia o debate e a crítica no rádio e na televisão, tecnologias de grande importância para a comunicação com o povo:

— Penso que nenhum país do mundo terá isto: não permitir que o grande meio de comunicação sirva para a informação política.

O senador Roberto Saturnino (MDB-RJ) apontou que a restrição do uso do rádio e da TV representaria um baque na igualdade da competição entre os candidatos:

— O uso da televisão foi o único instrumento capaz de reduzir substancialmente a influência do poder econômico nas eleições. Na medida em que esse instrumento nos é cortado, isso significa uma volta a essa era.

O líder do governo, senador Petrônio Portella (Arena-PI), rebateu as acusações. Para ele, a televisão e o rádio favoreciam, na verdade, o discurso unilateral dos políticos, uma vez que não permitiam a interação com o eleitorado. Ele concordou que o projeto impedia o debate entre os candidatos, mas defendeu que esse não era o aspecto mais importante das eleições.

— A campanha política não é para Vossa Excelência dialogar comigo, é para dialogar com o povo. O mais importante nos pleitos municipais é o contato direto do candidato com os maiores interessados pelos problemas brasileiros que são, exatamente, as diversas camadas da população — disse ele a Franco Montoro.

O senador paulista respondeu com ironia:

— Então, por que o governo, quando quer noticiar as suas obras, o faz através da televisão, com programas coloridos, e não manda agentes de casa em casa?

Montoro disse que o projeto usurpava competências da Justiça Eleitoral e reduzia o protagonismo e a força dos partidos, ao reduzir a campanha eleitoral a um desfile de fotos e nomes de candidatos “individuais e avulsos”. Ele fez um apelo pela rejeição do texto.

— Tenho a certeza de que Vossas Excelências hão de discordar dessas medidas e não vão impor ao povo brasileiro esta limitação: ser considerado incapaz de ouvir um debate. Acreditamos no poder de discernimento do povo. Tudo pode ser contestado, pode ser debatido. Apresentem-se argumentos de ambos os lados, isso é democracia. Caso contrário, estaremos escolhendo uma “elite competente” e adotando outro processo, não o da escolha popular —alertou.

Durante a tramitação do projeto, a principal tentativa oposicionista de alterá-lo partiu do deputado Laerte Vieira (SC), líder do MDB na Câmara. Ele apresentou um substitutivo ao texto do ministro Armando Falcão que concedia aos partidos alguma margem de manobra no uso do tempo destinado às propagandas eleitorais.

O substitutivo propunha que os estados fossem divididos em regiões, para efeito da propaganda por rádio e TV – cada região receberia a sua própria transmissão. Um terço do programa eleitoral diário deveria ser destinado a apresentar, sob as regras da Lei Falcão, os candidatos de pelo menos dois municípios da respectiva região. Os demais dois terços seriam de uso livre do partido.

Vieira criticou o “desfile neutro, frio e monótono de candidatos” previsto no projeto. Segundo ele, a radiodifusão trazia possibilidades de progresso à cidadania que o governo federal ameaçava impedir. A mera apresentação dos postulantes aos cargos municipais, para o deputado, não bastava para que o eleitorado tomasse as melhores decisões.

— A simples menção do nome, da legenda, da profissão e do retrato do candidato não será o modo mais eficaz de esclarecer, de despertar consciências, de formular opções, de apontar caminhos, de encontrar soluções —argumentou.

O senador Jarbas Passarinho (Arena-PA) ficou encarregado da relatoria da proposta. Ele rejeitou o substitutivo por entender que ele favorecia o estabelecimento do “império das cúpulas partidárias”, uma vez que a maior parte do tempo de propaganda seria administrado livremente e isso tenderia a favorecer as “estrelas” já estabelecidas das legendas, em detrimento dos candidatos propriamente ditos.

— A lei, visando coibir os efeitos danosos do poder econômico, resvalaria para a criação de um poder, igualmente nefasto, da oligarquia das direções partidárias. Passaria o eleitorado a ser manipulado pelos “comunicadores” da era eletrônica, escolhidos entre as estrelas de primeira grandeza dos quadros partidários — afirmou.

O senador José Lindoso (Arena-AM) bateu nessa mesma tecla. Ele acusou o MDB de adotar um “procedimento discriminatório” em suas propagandas eleitorais, reservando o tempo de rádio e TV para seus líderes e impedindo que candidatos menos conhecidos tivessem espaço. Com a Lei Falcão, destacou, todos os candidatos teriam a mesma exposição.

— Absurdo é somente 10% dos candidatos tomarem conta do rádio, fazerem estrelismo, perturbarem a realidade municipal sem absolutamente contribuir para o esclarecimento do eleitorado. A lei é racional, objetiva e justa para a massa de candidatos que disputam a eleição nas nossas legendas — disse.

O projeto foi aprovado por uma comissão mista do Congresso Nacional em 23 de junho. A aprovação no Plenário do Congresso veio no dia seguinte. O texto foi promulgado pelo presidente Ernesto Geisel em 1º de julho.

Após valer para as eleições municipais de 1976, a Lei Falcão foi emendada já no ano seguinte para ser estendida aos pleitos estaduais de 1978. Essa alteração não passou pelo Congresso. Foi parte do Pacote de Abril, um conjunto de decretos da ditadura que criavam novas normas eleitorais — a mais conhecida delas foi a instauração dos senadores biônicos, parlamentares que seriam eleitos indiretamente, e não pelo voto popular.

A Lei Falcão foi suspensa em 1985, em meio à regulamentação das primeiras eleições municipais no país após a redemocratização. Apenas em 1997, com a aprovação da Lei Eleitoral que está em vigor até hoje, a Lei Falcão foi definitivamente varrida do ordenamento jurídico brasileiro.

Ironia de candidato motivou a Lei

A gota d’água que motivou o governo federal a apresentar a Lei Falcão e silenciar o discurso nas propagandas eleitorais é atribuída ao deputado federal Getúlio Dias (MDB-RS). Oriundo do trabalhismo gaúcho e com fama de polemista, Dias integrava o grupo dos “autênticos” do MDB, uma corrente de políticos mais radicais e independentes da cúpula do partido.

Segundo o jornal Correio Braziliense de 12 de novembro de 1976, causou desconforto ao governo a aparição de Getúlio Dias no último programa político do MDB antes das eleições parlamentares de 1974. Ele fora antecedido por uma propaganda da Arena em que, com gráficos e estatísticas, o partido do regime tentava justificar a carestia de alimentos no país. Falando de improviso, o deputado oposicionista rebateu a apresentação contando uma piada:

— Um homem pesca seis peixes para o almoço, mas tem que devolvê-los ao rio porque sua esposa não havia conseguido comprar óleo nem gás para cozinhar. Ao mergulhar de volta na água, um dos peixes celebra: “Viva a revolução brasileira de 1964!”.

A propaganda foi considerada um deboche pelo governo, que a partir daí, de acordo com o relato do jornal, decidiu agir para suprimir as manifestações dos políticos nos programas eleitorais.

Getúlio Dias também foi integrante da comissão mista que analisou a Lei Falcão no Congresso, onde voltou a protagonizar um embate. Durante as discussões, ele afirmou que a Arena lançaria muitas celebridades como candidatos, já que, com apresentações apenas superficiais, personalidades já conhecidas do grande público levariam vantagem nas disputas.

O deputado Blota Júnior (Arena-SP), que era radialista, interveio para questionar o “tom pejorativo” da fala e acusar Dias de menosprezar os artistas. O deputado do MDB respondeu que não iria “perder tempo” com uma intervenção “aloprada” do colega. O bate-boca entre os dois precisou ser contido pelo presidente da comissão, deputado Genival Tourinho (MDB-MG).


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