Projeto que retoma IR sobre lucros e dividendos divide opiniões em audiência

Da Redação | 26/11/2019, 11h55 - ATUALIZADO EM 26/11/2019, 13h25

Um projeto de lei que elimina a atual isenção do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos distribuídos por pessoa jurídica foi discutido nesta terça-feira (26) na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). De autoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), o PL 2.015/2019 estabelece o percentual de 15% de desconto, na fonte, sobre os resultados financeiros pagos, remetidos ou entregues pelas pessoas jurídicas, tributados com base no lucro real, presumido ou arbitrado, a outras pessoas jurídicas ou físicas, residentes no Brasil ou no exterior. A ideia é retomar a cobrança interrompida em 1996, mas que sempre havia vigorado desde a criação do imposto, em 1926.                       

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva, disse que o país não suporta mais aumento na carga tributária. Ele sugeriu, no entanto, um equilíbrio entre uma maior tributação sobre a renda, lucros e ganho de capital, proporcionalmente à diminuição da taxação sobre bens e serviços. Para Silva, o PL 2.015/2019 avança nesse sentido. 

— Eu parto dessas premissas, de manter essa equação, e o projeto é coerente com essa diretriz. Há um potencial aumento da tributação sobre a renda que pode ser combinado com a diminuição simultânea e gradativa da tributação sobre o consumo. Essa medida pode ser alcançada, em paralelo ao PL 2.015/2019, por meio de lei ordinária, ou até mesmo no próprio PL, e não necessita de PEC [proposta de emenda à Constituição] — explicou. 

Em 2017, dados oficiais da Receita Federal indicam que foram distribuídos lucros e dividendos da ordem de R$ 280,54 bilhões. Considerando uma sonegação média de 27%, o potencial arrecadatório do projeto de lei, segundo Mauro Silva, seria de R$ 54,3 bilhões. Esse cálculo foi feito em cima do número de declarantes por faixa de contribuição e dos lucros e dividendos isentos de tributação. 

Advogado da Divisão Jurídica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Bruno Murat do Pillar defendeu cautela. Ele disse que o Brasil deve estar em consonância com as diretrizes de crescimento de outros países, mas observou que a nação ainda está em desenvolvimento. Segundo o advogado, a isenção concedida em 1996 veio acompanhada de mudanças no Imposto de Renda que resultaram em aumento da arrecadação. Para ele, a proposta conflita com a liberdade de investimentos, e a revogação da isenção prevista no PL 2.015/2019 não é garantia de benefícios. 

— Essa é uma grande dúvida. Não há evidências, e não se sabe se o retorno dessa tributação vai realmente resultar no ganho esperado. O que se sabe realmente é que [o PL] vai aumentar a carga tributária no Brasil. 

Grandes fortunas

Economista da Auditoria Cidadã da Dívida, Rodrigo Vieira de Ávila relatou que o número de brasileiros com mais de US$ 1 bilhão aumentou de 42, em 2018, para 58, em 2019, de acordo com o ranking mundial da revista Forbes. Ao todo, os 58 bilionários brasileiros acumulam fortuna de US$ 179,7 bilhões (cerca de R$ 679,3 bilhões), num aumento de 1,9% em relação ao ano anterior, quando os ricos brasileiros somavam US$ 176,4 bilhões (R$ 666,9 bilhões). 

Segundo Ávila, a própria Constituição Federal prevê que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Ao observar que o PL 2.015/2019 diz respeito a pessoas com alta capacidade contributiva, o debatedor ponderou que o projeto é uma ideia, na qual se pode sugerir uma alíquota progressiva que poupe os pequenos contribuintes e tribute mais fortemente os mais ricos. 

— É importante tributar os lucros e dividendos, mas é importante também atuar na causa da distribuição de renda absurda que temos no país. Sabemos que o debate é amplo, principalmente quando nos referimos à dívida pública, mas estamos preparados. 

O secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002, Everardo Maciel, observou que, segundo a norma vigente, só quem paga imposto é a pessoa física, seja por meio dos preços pagos por produtos e serviços, sobre a titularidade de patrimônio ou dos rendimentos por atividade laboral ou investimentos. Em cada um desses, há um ciclo impositivo, disse ele. Para Maciel, a melhor forma de tributação é aquela exclusiva sobre o lucro da empresa. Segundo ele, além de mais simples para a administração tributária e para o contribuinte, essa prática é menos vulnerável à sonegação e ao planejamento tributário abusivo. 

— Tributar só na empresa aumenta os graus de liberdade para o investidor. Mas é preciso lembrar que não existe uma verdade única para nada, e nada é imutável. Os sistemas devem ser resilientes e se adaptar às novas circunstâncias — ressaltou. 

Representante da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Décio Ramos Porchat de Assis observou que o PL é uma oportunidade para melhorias no sistema tributário. Ele alertou, no entanto, para o risco de medidas que prejudiquem a competitividade e o funcionamento eficiente da economia do país. Para Assis, o Brasil deve se alinhar às práticas internacionais, mas o modelo a ser adotado também deve considerar o impacto sobre a capacidade da nação de atrair investimentos. 

Também participaram da audiência pública o vice-presidente técnico do Conselho Federal de Contabilidade, Idésio da Silva Coelho Junior, e o consultor da Confederação Nacional da Indústria Romero Tavares. 

Senadores

O senador Vanderlan Cardoso (PP-GO) elogiou a proposta de Otto Alencar, observando que o Brasil é um dos poucos países que cobram impostos sobre máquinas ou serviços que vão acarretar em outros tributos. Para o senador, o PL 2.015/2019 corrige distorções. Vanderlan ressaltou a importância do debate desta terça-feira para trazer esclarecimentos aos próprios parlamentares e comentou que é por meio das audiências públicas que senadores e especialistas interagem e tiram eventuais dúvidas. 

Para o senador Luiz do Carmo (MDB-GO), o tema precisa ser aprofundado. Na avaliação dele, se o projeto for aprovado, muitas empresas correm risco de falir. Na opinião do parlamentar, somente alguns empreendimentos e os grandes bancos é que devem ser tributados, já que “ganham dinheiro com o dinheiro do povo”. 

— Acho injusta essa tributação. O governo não corrige Imposto de Renda há muitos anos, então, não podemos pegar uma coisa desequilibrada e querer equilibrar com a retirada de empresas. Aqui é a Casa do debate, é onde a gente precisa pensar muito e debater tudo. 

Otto Alencar esclareceu que apresentou o projeto de lei por não acreditar que a reforma tributária em análise no Congresso Nacional aconteça em curto prazo. O senador disse que, enquanto lucros de grandes bancos, como o Itaú, não são taxados, o governo quer cobrar o INSS sobre benefícios sociais como o seguro-desemprego. Para Otto, é preciso medidas mais justas que levem o país a crescer. 

— O projeto de lei é justamente para abrir esse debate sobre a fórmula que vamos encontrar. Não venho aqui como a última instância da verdade sobre a cobrança em cima de lucros e dividendos. Mas, a continuar como vai, vamos ter 15 milhões [de pessoas] abaixo da linha da pobreza, 45 milhões de pobres, 104 milhões com renda de R$ 413 por mês, e os grandes conglomerados empresariais e bancários tendo lucros extorsivos — salientou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)