'Manobras fiscais' ofendem Lei de Responsabilidade Fiscal, diz auditor do TCU

Paulo Sérgio Vasco | 08/06/2016, 23h41

O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou gravidades “altíssimas aos mais fundamentais princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, no que diz respeito às manobras fiscais cometidas pelo governo Dilma Rousseff".

A avaliação foi feita pelo auditor do TCU, Antônio Carlos Costa D’Ávila Carvalho, que nesta quarta-feira (8) depôs como testemunha de acusação na comissão especial que analisa o impeachment da presidente da República, afastada temporariamente do cargo por decisão do Congresso.

Em 2015, explicou Carvalho, houve continuidade das operações de crédito vedadas por dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal. A União, segundo ele, ao deixar de transferir recursos correspondentes ao Banco do Brasil, obtinha de maneira implícita um financiamento da instituição financeira, ao não quitar o acumulado, gerando uma nova operação de crédito.

— Houve continuidade da utilização de instituições financeiras para o financiamento de políticas públicas. O diferencial, que deveria ser transferido aos bancos pelo governo, não foi transferido. Existe a continuidade do que havia acontecido em 2014, 2013, 2012 e 2011. Os atrasos vinham de outros exercícios, também de maior magnitude — afirmou.

Carvalho disse que toda remuneração que a União pagou ao Banco do Brasil e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deveria ter sido devolvida para a União, e não ao Banco do Brasil, que distribuiu dividendos aos acionistas e ao setor privado, o que poderá ter gerado danos ao Erário.

— O efeito perverso disso tudo é que, enquanto a União apura seu resultado fiscal pelo regime de caixa, a instituição financeira registra seus resultados pelo regime de competência. A União ganhava dos dois lados, deixava de ter receita primária, e tinha uma receita primária pela distribuição do dividendo — afirmou.

Carvalho destacou ainda que o TCU, por determinação constitucional, é um órgão auxiliar do Congresso Nacional no controle externo, e não um órgão “subalterno”.

— Se o tribunal não se manifestou em 2009 sobre decretos de crédito suplementar, não pode, em 2015, ter alterado seus entendimentos. Não se pode utilizar medida provisória para tratar de plano plurianual, diretrizes orçamentarias e orçamento. Editar decreto em discordância com a lei orçamentaria é gravíssimo — afirmou.

Devolução

Carvalho destacou que as operações de crédito realizadas junto a instituições financeiras em desacordo com o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal devem ser consideradas nulas e canceladas. A norma também determina a devolução do principal à instituição financeira, vedando a transferência de juros, “para que a instituição não se beneficie de sua própria torpeza”.

O auditor do TCU ressaltou que editar decreto de abertura de crédito adicional suplementar, em discordância com as regras contidas no texto da lei orçamentaria, não é compatível com o regramento constitucional e com a própria lei de diretrizes, a quem cabe estabelecer o equilíbrio entre receitas e despesas.

— Não tenho competência no exercício de minhas atribuições de qualificar determinada conduta ou ato como crime de responsabilidade ou crime penal, mas não deixo de concordar que se trata de um ato grave — afirmou.

Carvalho também observou que, se o Banco Central não registrou as dívidas decorrentes das manobras fiscais do governo Dilma “deve ter descumprido francamente” a metodologia prevista em seu manual de estatísticas fiscais.

— Não tenho dúvida de que as operações de crédito contratadas ao arrepio da legislação representam um atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, com todas as decorrências que esse atentado gera para toda a sociedade. Não fico feliz em constatar esse tipo de situação — afirmou.

Presente à sessão, o jurista Miguel Reale Jr., advogado da acusação, saudou o depoimento de Carvalho. Em resposta à jurista Janaina Paschoal, o auditor do TCU acentuou que editar decretos de crédito suplementar sem ouvir o Legislativo não é ato compatível com a Constituição e a lei orçamentaria. Já o advogado de defesa de Dilma, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, reiterou que os decretos editados pelo Palácio do Planalto não “atrapalharam em nada” a economia brasileira e que não ficou comprovado comprometimento da presidente afastada nos atos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)