Falta de profissionais ainda é entrave para a inovação, apontam debatedores

Da Agência Senado | 04/07/2024, 18h13

A falta de pessoal qualificado ainda é um dos principais entraves para o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação e, consequentemente para a inovação no Brasil. A opinião é de especialistas que participaram, na quarta-feira (3), de audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT). Além da falta de vagas para a formação, eles citaram também a concorrência com empresas estrangeiras, que pagam melhores salários.  

A audiência foi requerida pelo senador Fernando Dueire (MDB-PE). Ele é o relator da avaliação de política pública escolhida pela comissão para o exercício de 2023, com o tema superação dos obstáculos e inovação. Uma das políticas públicas incluídas pelo senador no seu plano de trabalho é o programa Conecta e Capacita, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), que tem como um dos objetivos a capacitação digital. Os resultados da audiência vão ajudar a nortear a avaliação.

— É preciso ressaltar que, mesmo com os investimentos que estão sendo feitos na área, segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais, embora o mercado brasileiro de TI esteja em franca expansão, há um significativo déficit de formação na área. Estima-se que, enquanto a demanda média anual seja de 159 mil profissionais, o Brasil forma apenas 53 mil profissionais por ano. Significa dizer, portanto, que a cada três vagas criadas uma é preenchida — disse o senador ao abrir a audiência.

Gerente da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), feita pelo IBGE, Flávio Peixoto apresentou dados sobre a falta de pessoal qualificado para a inovação em diferentes áreas do setor produtivo. Dados de 2011 a 2017 mostram que houve uma queda relativa da falta de pessoal qualificado como entrave para as atividades inovativas, mas em áreas do setor de serviços, como o desenvolvimento de software customizável e o tratamento de dados, houve aumento no índice.

— Em períodos muito intensos, de muita atividade, em que há recursos e apoio públicos específicos para as empresas, a falta de pessoal qualificado é um entrave muito importante para o desenvolvimento dessas atividades inovativas. O que as empresas nos relatam, no geral, é que não faltam recursos materiais, mas falta pessoal — disse o responsável pela pesquisa.

O senador Izalci Lucas (PL-DF) chamou atenção para o período da pesquisa e afirmou que, para resolver o problema é preciso produzir dados com mais frequência, tendo em vista o dinamismo da área.

Diretor do Google for Startups para a América Latina, André Barrence afirmou que talentos são a base fundamental de qualquer ecossistema e o ingrediente mais necessário para uma boa leva de empresas de tecnologia no Brasil. Ele apresentou dados do estudo do Google Panorama de talentos em tecnologia, lançado em 2023. Uma das constatações é justamente a falta de profissionais capacitados.

— Entre os principais problemas ou desafios identificados por esse estudo está a enorme lacuna de profissionais qualificados. Para a gente ter uma ideia, apenas 7% das startups consideram que tenham todas as capacidades e competências profissionais nos seus times. Delas, 92% acreditam que faltam profissionais de tecnologia para que possam contratar — relatou o diretor, que defendeu iniciativas de formação em todos os níveis, desde os mais básicos até os mais especializados.

Áreas mais demandadas

O diretor de Relações Institucionais e Governamentais da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), Marcelo Almeida, fez uma lista das habilidades atualmente mais importantes no contexto da transformação digital. As áreas citadas foram ciência de dados e análise de dados, desenvolvimento de software e programação, segurança cibernética, inteligência artificial e machine learning, internet das coisas, design de interfaces, marketing digital, gerenciamento de projetos digitais e robótica e automação.

— Nós mostramos isso para o vice-presidente Geraldo Alkmin em maio de 2023, na expectativa de que isso possa verdadeiramente ocasionar o desenvolvimento de uma política pública incentivadora da apreensão dessas qualidades pelos jovens, por aqueles que já estão enquadrados no mercado ou por aqueles que buscam uma qualificação ou que querem empreender nessas áreas — disse o diretor, ao defender a capacitação como um meio para diminuir desigualdades.

Os salário na área de tecnologia da informação e comunicação é superior à média nacional, como explicou Mariana Rolim, diretora executiva da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom).

— O salário, quando a gente olha pro macrossetor de TIC, é de R$ 4.300; 2,1 vezes o salário médio nacional. Quando a gente olha especificamente para as empresas de software, os profissionais que trabalham com software serviço de alto valor agregado, o salário médio nacional chega a R$ 5.200, o que é 2,5 vezes o salário médio nacional. Há uma oportunidade gigantesca aqui pra gente conseguir ter mais talentos e melhorar a qualidade de vida das pessoas do país — explicou Mariana Rolim.

Apesar dessa média de salário de TIC mais alta que a de outras áreas, as empresas nacionais enfrentam outro obstáculo para a contratação: a concorrência com empresas internacionais. Essa concorrência foi citada pela presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), Ingrid Guimarães Barth, e pelo presidente da Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro), Christian Tadeu.

— Mercados internacionais oferecem condições muito mais atrativas do que as nossas: se nós fizermos um paralelo sobre moeda, um profissional ganha US$ 5 mil em empresas estrangeira, e hoje não precisa mais sair daqui do país, está ganhando aí por volta de R$ 26 mil, R$ 27 mil, contra R$ 5 mil pagos aqui no Brasil — comparou Christian Tadeu.

Diversidade

Ingrid Barth também apontou a inclusão como desafio na área de tecnologia.  A área, de acordo com a especialista, ainda é predominantemente masculina e branca.

— A gente precisa urgente promover essa diversidade e inclusão, incentivando a participação de mulheres, negros e outros grupos minorizados, não só como uma questão de justiça social, mas também porque a diversidade é essencial para processo inovador — defendeu.

Presidente do Centro de Excelência em Tecnologia de Software do Recife (Softex Pernambuco), Yves Nogueira apresentou iniciativas de interiorização dessa formação de mão de obra.  Uma delas é o programa de Formação Acelerada em Programação (FAP), inclusive em cidades do agreste e do sertão de Pernambuco. O curso tem duração de seis meses, com 280 horas de aulas. Os melhores alunos recebem bolsas de inserção em empresas da área, o que tem diminuído a evasão.

— Essa bolsa de inserção tem feito muita diferença e a questão da diversidade nós temos monitorado também. Já temos 30% de público feminino nas nossas formações e isso é uma pauta cara também para nós.

A audiência teve a participação de cidadãos de todo o Brasil, que enviaram perguntas pelo Portal e-Cidadania. Após ler vários desses questionamentos, que foram respondidos pelos participantes, o senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), que conduziu parte da audiência, falou sobre a importância da participação popular nas questões discutidas no Senado.  

— A audiência pública tem exatamente esse sentido de que a população nos acompanhe, dê a sua opinião a respeito dos temas que são tratados nessas audiências, que sempre tem interesse de todos nós — disse o senador.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)