Debatedores defendem melhoria do tratamento de resíduos sólidos

Da Agência Senado | 21/05/2024, 19h41

No Brasil, a transformação de resíduos sólidos em energia (a chamada recuperação energética) precisa primeiro avançar numa agenda do século passado, bem distante da alta tecnologia hoje adotada por países como o Japão, Suíça ou Dinamarca: a destinação ambientalmente adequada do lixo. Das 77 milhões de toneladas de resíduos produzidos anualmente no país, cerca de 40% acabam em lixões, o que provoca a contaminação do solo, rios e mares, prática que favorece o surgimento de rios de plástico, comuns em países da América Latina e no Caribe.

A análise foi feita nesta terça-feira (21) pelo superintendente-executivo da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), André Galvão, na segunda audiência pública promovida pela Comissão do Meio Ambiente (CMA) sobre o cumprimento das metas de recuperação energética de resíduos sólidos.

— Os resíduos sólidos são um componente do setor de saneamento, e todo o saneamento básico no Brasil tem índices de acesso muito baixos e incompatíveis com a pujança econômica do país. O setor de infraestrutura não avançou como os outros e ficou para trás. Metade dos brasileiros não tem esgoto tratado, que está indo para rios e mares, contaminando solos. Com os resíduos é a mesma coisa. Se temos milhares de lixões a céu aberto, os resíduos estão indo para solo, mar e rios e contaminam tudo — disse Galvão.

Promovido por iniciativa dos senadores Jorge Seif (PL-SC), Jaime Bagattoli (PL-RO) e Damares Alves (Republicanos-DF), o debate foi conduzido pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).

Durante a discussão, Jaime Bagattoli defendeu a produção de metano a partir de resíduos sólidos e destacou que a energia mais limpa no mundo é a hidráulica, abundante no Brasil, “que a natureza nos deu de presente”. Ele também disse que o lixo é um problema "seriíssimo" no Brasil e que é preciso educação para que a população separe os resíduos de forma adequada. 

— Acredito muito nessa geração de gás no Brasil. Vai ser uma solução, e precisa ter critério nessas usinas que serão montadas no Brasil afora. Mas não queremos que [os catadores] percam emprego. A reciclagem é de suma importância, temos condições de andar com as duas coisas juntas ao mesmo tempo — avaliou Bagattoli.

As metas de recuperação energética estão previstas no Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares). Instituído por meio do Decreto 11.043, de 2022, o plano é um dos instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010) em vigor no país. 

“Limitações de conjuntura”

Os problemas na gestão dos resíduos estão presentes em todas as regiões brasileiras, observou André Galvão. Antes de citar tecnologias específicas para o tratamento de resíduos, o representante da Abrema apontou algumas “limitações de conjuntura” sobre o tema.

— Por que o Brasil não faz reúso do esgoto tratado? Porque 50% do esgoto não se trata. Então você só tem um pedacinho em que pode fazer reúso e usar aquela água para fazer alguma coisa. No resíduo a gente tem uma situação parecida. Nós temos 60% dos resíduos indo para local adequado, com gestão adequada, e 40% lançados em lixão. O lixão não tem controle, é clandestino, chega tudo ali. É uma situação extremamente degradante.

Reciclagem

Representante distrital do Movimento Nacional dos Catadores e da Associação Nacional dos Catadores (Ancat), Ronei Alves da Silva disse que defende há mais de 30 anos a inclusão social e produtiva dos catadores por trabalho, renda e reciclagem. Ele defendeu e participou da elaboração da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê a não geração, a reciclagem e a destinação ambientalmente adequada dos detritos.

— Infelizmente, muito pouco ou quase nada foi feito em relação a isso, não existiram incentivos efetivos para a reciclagem no Brasil. O fato concreto é que a Política Nacional de Resíduos dava a impressão de ser uma política de fechamento de lixão. Correu-se para a criação de aterros sanitários, para o fechamento de lixões, mas aquilo que efetivamente era necessário, a implantação de coleta seletiva de fato, fazer o tratamento dos resíduos, que é o princípio basilar daquela lei, que é o tratamento dos resíduos sólidos, muito pouco ou quase nada foi feito. Somos mais de 1 milhão de catadores no Brasil, mas não somos os únicos que vivemos da reciclagem; existe toda uma cadeia com indústrias, empresas pequenas e grandes que dependem da reciclagem para viver — disse.

Silva criticou a chamada revaloração energética (ou queima de resíduos sólidos) e disse que a prática “infelizmente é o maior inimigo de tudo isso, é o pior que pode acontecer” em termos ambientais.

— Estamos em um momento extremamente complicado no planeta. Tem pessoas que não acreditam nas mudanças climáticas, que existe efetivamente um problema ambiental. Se nós não tratarmos os resíduos sólidos, nós não vamos ter um planeta para as próximas gerações, e eu não estou falando isso para daqui a 50 ou 100 anos, estou falando para daqui a 10, 5 anos. A revaloração energética é o que pode existir de pior hoje em toda a cadeia de resíduos no mundo — apontou.

Produção de biometano

Coordenadora de Relações Institucionais e Governamentais da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), Ludmilla Cabral esclareceu que a recuperação energética de resíduos sólidos significa aproveitar o potencial energético que aquele resíduo tem e não diz respeito única e exclusivamente à incineração desses detritos.

— Eu estou falando também dos catadores, da separação do lixo, daquilo que é reaproveitado, recuperado, reutilizado, reciclado, da fração orgânica que é de onde se aproveita todo o potencial do biogás. E daquilo que não tem descarte, que não tem o que fazer; aí, sim, a gente acredita que a rota do tratamento térmico é a ideal, enquanto a gente não tem outra forma de tratar um resíduo que não tem outra destinação a não ser queimá-lo.

A coordenadora relatou ainda que, das seis plantas de produção de biometano em funcionamento, cinco são de aterro.

— As nossas usinas ficam dentro do aterro, e o aterro só não é mais eficiente no aproveitamento energético porque está tudo misturado lá. Eles produzem bastante biometano. No caso do Ceará, 20% do gás que corre nas tubulações da Cegás [Companhia de Gás do Ceará] é biometano, já extrai direto do aterro sanitário e já vai direto para distribuição da Cegás, e atende a diversas indústrias que estão ao longo do trajeto dessas tubulações.

Economia circular

Diretora-executiva do Instituto VivaCidades, Bia Nóbrega defendeu a continuidade das metas previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos e a obtenção de matérias-primas a partir da reciclagem e o reúso de resíduos.

— O objetivo, no final das contas, é pensar em um Brasil que faça políticas e alcance metas para que todos tenham seu sustento e a economia seja cada vez mais circular, pois a gente sabe que é necessário respeitar o meio ambiente. Como é que a gente tem buscado conseguir levar adiante e estimular no Brasil algo que ainda é tão incipiente? A gente não chegou em metade do potencial que o Brasil tem de produzir mais energia por novos caminhos. Quando a gente fala dos nossos compromissos globais de como a gente precisa avançar, a gente precisa discutir gestão de resíduos de uma maneira adequada e realmente holística e integral do ponto de vista de política pública — afirmou.

A primeira audiência pública sobre recuperação energética de resíduos foi promovida em 7 de maio, com representantes dos Ministérios de Minas e Energia; do Meio Ambiente e Mudança do Clima; e da Ciência, Tecnologia e Inovação, além da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) e da Alcaplas Indústria de Plásticos. Na ocasião, os expositores avaliaram que a adoção de ações que favoreçam a reciclagem e a destinação correta do lixo contribuem para o desenvolvimento, para uma economia menos dependente de combustíveis fósseis e para a preservação ambiental, diante das ameaças geradas pelo aquecimento global.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)