Melhoria do Censo é um dos motivos para maior população indígena, diz IBGE a CPI

Da Agência Senado | 10/10/2023, 15h59

A comissão parlamentar de inquérito que investiga a atuação de ONGs na Amazônia (CPI das ONGs) ouviu nesta terça-feira (10) as representantes do IBGE Flavia Vinhaes Santos e Marta de Oliveira Antunes sobre as possíveis razões do aumento exponencial do número de indígenas no Censo de 2022. Respondendo aos parlamentares, Marta atribuiu parte do crescimento registrado na população indígena (que, segundo o Censo, quase dobrou nos últimos 12 anos) a aprimoramentos na metodologia do IBGE. Mas ainda há aspectos desconhecidos do aumento que só poderão ser analisados após a divulgação pelo IBGE de outros dados do Censo, como taxa de natalidade e de mortes entre indígenas, disse ela. 

Flávia, que é diretora-executiva do instituto, e Marta substituíram o presidente do órgão, Marcio Pochmann, que não compareceu à CPI por cumprir agenda internacional. O presidente do IBGE havia sido convidado no lugar do ex-presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, que também não compareceu. Ambos os convites foram feitos em resposta a requerimento do senador Marcio Bittar (União-AC), que é relator da CPI.

Crescimento populacional

Para Bittar, a mudança de metodologia utilizada pelo IBGE é a única explicação possível para o aumento de cerca de 890 mil indígenas para quase 1,7 milhão de indígenas no país entre 2010 e 2022. Ele citou entrevista dada por Marta ao portal do governo federal em que afirma que o IBGE ampliou a pergunta “você se considera indígena?” para fora das terras indígenas no último censo.

— Mesmo levando em consideração que foi um aperfeiçoamento, houve uma alteração [de metodologia] e isso proporcionou esse dobro da população indígena. Senão, não se explica. A população indígena está entre as mais pobres, menos assistidas, e é uma das maiores taxas de mortalidade infantil. Não teria como dobrar de tamanho. Temos 786 mil pessoas em terras indígenas para 14% do território nacional. E o que os índios dizem é que não é de mais terras que eles precisam… [mas] que possam explorar. A preocupação que nós temos é que movimentos muito poderosos de fora para dentro querem aumentar as terras indígenas pensando em manter sob controle estrangeiro recursos naturais com a desculpa de cuidado com a população indígena. E se de repente o IBGE, conscientemente ou não, acaba ajudando essa força muito grande de criar mais e mais reservas indígenas sem ter razão nenhuma para tal — disse Bittar.

Segundo Marta, que é tecnologista no IBGE, a alteração de metodologia foi “responsável apenas por 55% do aumento da população indígena”. Ela mencionou outros fatores que podem ter influenciado no resultado, como menor resistência dos indígenas em responder ao Censo, devido a parcerias com a Funai e treinamento específico de recenseadores. Mas, para ela, a consistência da taxa de crescimento vegetativo, que é calculada pelo número de nascidos menos o número de pessoas falecidas no período, ainda depende de dados não divulgados pelo IBGE.

— A gente precisa aguardar a divulgação dos quesitos de fecundidade, mortalidade e imigração, são eles que vão nos explicar. E saber também se a explicação dos demógrafos de que o crescimento vegetativo dos povos indígenas seja em torno de 20%, 25%, realmente se sustenta (...) O recenseamento nas terras indígenas teve menor taxa de não resposta, de 1,7%. [A taxa média do Brasil] como um todo é cerca de 5%. A gente tinha dificuldade com algumas áreas onde a gente não tinha muita informação, então em 2017 a gente reuniu os órgãos indígenas, outros órgãos públicos e algumas organizações da sociedade civil para analisar a viabilidade [de acesso] e onde estão as aldeias. Em 2022 houve um aumento de 1.324 para 5.778 aldeias no mapeamento prévio (...) Tem uma parte [do número maior de indígenas] que se deve a uma grande melhoria no nosso sistema de cartografia censitária — disse.

Marta ainda afirmou que o questionário é o mesmo utilizado em 2010 e que foi incorporado a cadastros de acesso a políticas públicas, de modo que as perguntas se tornam mais conhecidas e entendidas pelos indígenas. Segundo ela, há dificuldade de tradução dos termos “negro”, “pardo” e “amarelo” para seus idiomas. A servidora também lembrou que em 2010 o órgão foi acusado de subnotificar a população indígena. Assim, o resultado de 2022 poderia ser uma “resposta” à suposta distorção.

ONGs

A participação de ONGs no processo de elaboração do Censo foi atacada por Bittar. Segundo Marta, o Instituto Socioambiental (ISA) e outras ONGs participaram como observadores, sem influência direta, em consulta realizada com órgãos públicos para subsidiar a elaboração do Censo de 2022. O ISA também teria fornecido informações sobre aldeias de difícil acesso. Já Flávia disse que o órgão possui apoio da sociedade civil em geral e assegurou que o IBGE não possui contratos com o ISA.

Para Bittar, as atuações da ONG no processo do Censo é “promíscua” e corre risco de interferência externa de interesses estrangeiros.

— Como é que você não acha estranho o ISA participar da elaboração daquilo que há de mais essencial e básico? País nenhum no mundo aceita isso. Um instituto que recebe 80% de recursos de fora... Mas isso não parece estranho aos olhos de pessoas que conduzem o IBGE (...) Não acho que órgão como o ISA pode ter esse assento, sendo consultados para ajudar a fazer trabalho de mapeamento de dados no território nacional (...) Para mim está clara a participação de ONGs na política nacional de levantamento de dados mais importante que tem o país, feita via IBGE — disse o senador.

Cor e raça

Os senadores questionaram o método usado pelo órgão para colher informações de cor e raça dos brasileiros. Os senadores Jaime Bagattoli (PL-RO) e Zequinha Marinho (Podemos-PA) criticaram o modelo em que o cidadão autodeclara seu pertencimento racial, sem questionamento ou averiguação do recenseador. 

— O IBGE em outros tempos tinha critérios muito mais seguros de apresentar pra a gente que está precisando dos dados de vocês para trabalhar (...) Oficialmente, tem lógica alguém querer, de olhos azuis, de repente virar índio? E para o IBGE não tem problema? — perguntou Zequinha.

Segundo Marta, o método é adotado no Brasil desde 1950 e é internacionalmente aceito. Ela ainda explicou que a prática funciona melhor para dados estatísticos, em que o órgão lida com grande quantidade de informações.

—  Cor ou raça é uma percepção da pessoa sobre ela mesma, esse é o padrão internacional. A gente usa a autodeclaração não só para pertencimento étnico, mas para todas as perguntas do censo. Eu não tenho como fazer censo se eu pedir diploma quando pergunto a escolaridade (...) A gente fez teste [de heteroclassificação, quando outra pessoa classifica a raça], cada recenseador classificava a pessoa de forma totalmente diferente (...) Não necessariamente se você se declarar no censo [de alguma cor específica] faz alguma diferença para você acessar alguma política pública.

A servidora do IBGE explicou que o questionário possui cinco opções de cor e raça: banco, preto, pardo, amarelo ou indígena. Após essa pergunta, o recenseador faz a todos entrevistados outra pergunta, caso a pessoa não tenha se declarado indígena de primeira: “você se considera indígena?”. Segundo Marta, essa solução foi adotada ainda em 2010 porque o IBGE identificou que era comum membros da comunidade indígena não compreenderem as categorias elencadas. O resultado total dos indígenas no país considera tanto os que responderam “indígena” na pergunta de cor ou raça quanto os que responderam “sim” sobre se considerarem indígenas. 

O senador Plínio Valério (PSDB-AM), que preside a comissão, criticou a ausência do termo “mestiço”. Segundo ele, essa é uma escolha ideológica. Mas, para Flavia, é uma decisão estratégica para permitir a comparação de dados entre os diversos censos e entre outros países.

— Se a gente quer manter as estatísticas comparáveis em nível internacional, a gente precisa adotar algumas categorias. Ou você preza pela compatibilidade ou pela representatividade. A gente poderia ter um milhão de  categorias para cor ou raça. Só que isso para a estatística é impossível.

Requerimentos

O colegiado aprovou dois requerimentos extrapautas de Plínio, para que os caciques Arnaldo Tsererowe e Graciano Aedzane Pronhopa, da etnia xavante, participem como convidados de audiências do colegiado.

Segundo Plínio, os nomes foram indicados pelo senador Mauro Carvalho Junior (União-MT).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)