Sargento tenta justificar dinheiro em sua conta; Eliziane vê 'transações incompatíveis'

Da Agência Senado | 24/08/2023, 12h43 - ATUALIZADO EM 24/08/2023, 19h10

O depoimento do sargento do Exército Luis Marcos dos Reis, que integrava a equipe de ajudantes de ordens de Jair Bolsonaro, dividiu governistas e oposição na CPMI do 8 de Janeiro, nesta quinta-feira (24). Enquanto parlamentares da base do governo apontaram contradições no depoimento do sargento e avaliaram dados de relatórios de inteligência financeira (RIFs) como indicativo de que há um “emaranhado de transações atípicas” no entorno do ex-presidente da República, a oposição alegou que a temática não tem qualquer relação com os atos do 8 de Janeiro. Para eles, o depoimento do ex-ajudante de ordens foi usado pela base como “cortina de fumaça” para não se avançar nas investigações que identifiquem eventuais omissões do Executivo federal.

Luis Marcos dos Reis disse aos parlamentares que as movimentações financeiras dele identificadas em relatórios de inteligência em posse da CPMI decorrem de uma espécie de consórcio entre militares, gerenciado por ele. O sargento afirmou ainda que outras transações tiveram origem na venda de um carro que teria feito ao tenente-coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Outro montante seria referente a benefícios como férias, licenças e pecúnia no âmbito do Exército.

A relatora da CPMI, Eliziane Gama (PSD-MA), citou dados dos relatórios indicando que, de fevereiro de 2022 a janeiro de 2023, teriam sido movimentados na conta de Luis Marcos dos Reis cerca de R$ 3 milhões — o que, na visão dela, seria incompatível com a remuneração mensal do sargento, de cerca de R$ 10 mil a R$ 13 mil.

Para a senadora, é importante avançar nas investigações dessas movimentações para buscar identificar possíveis relações com eventuais financiadores dos atos golpistas. Ela também levantou dados sobre repasses feitos pela empresa Cedro do Líbano Comércio de Madeira e Materiais para Construção na conta do sargento. A empresa, conforme investigações da Polícia Federal (PF), tem como sócio Vanderlei Cardoso de Barros.

Segundo a relatora, a empresa também tinha contratos com o governo federal, entre eles, com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). Eliziane relatou que a suspeita, de acordo com o inquérito, é de que a empresa tenha sido usada para fazer operações junto à equipe de ajudância de ordem do ex-presidente para realizar pagamentos da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro. 

— A Cedro do Líbano é uma empresa investigada que [...] fez uma movimentação de mais de R$ 32 milhões de 2020 a 2023. Segundo o Coaf, e por isso a atipicidade desses RIFs que chegaram à CPMI, ela é incompatível com o porte e a estrutura da empresa. O capital dessa empresa é de R$ 15 mil. Olha a movimentação milionária dela. E essa mesma empresa transfere entre o titular da empresa e a própria empresa o equivalente a R$ 74.280 para o senhor dos Reis —  apontou Eliziane.

O depoente foi questionado inúmeras vezes sobre essa relação. Em todas as respostas, disse que não tinha conhecimento de que a empresa pertencia a Vanderlei Cardoso de Barros, mas se negou a dar mais detalhes, usando a justificativa de que o processo faz parte de inquérito na Polícia Federal.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que a própria Codevasf emitiu nota detalhando todo o processo da “única compra” junto à referida empresa. Para ele, a ala governista tenta usar o depoimento de alguém próximo ao ex-presidente como “cortina de fumaça” para encobrir eventuais erros do atual governo.

— O senhor teve uma atitude correta, deu as explicações necessárias, e infelizmente estão pegando o senhor para ver se o senhor paga o pato para eles chegarem a Jair Bolsonaro — disse o deputado ao depoente.

Os senadores Marcos Rogério (PL-RO), Eduardo Girão (Novo-CE) e Magno Malta (PL-ES) concordaram com Eduardo Bolsonaro. Os parlamentares criticaram a convocação do ex-assessor por, segundo eles, não trazer informações que contribuam com o objeto da CPMI.

— Nós estamos totalmente fora do fato determinado dessa CPMI. Onde estão os infiltrados? Só se saberia se os trouxesse para depor. Alguém aqui ouviu alguém que foi injustamente preso por ter ido à rua? — questionou Magno Malta, ao cobrar a convocação de manifestantes identificados como depredadores, em especial, os que foram flagrados nas imagens de dentro do Palácio do Planalto. 

Consórcios

Sobre outras transações identificadas nos RIFs, o ex-ajudante de ordens explicou ter tido origem numa espécie de consórcio que, segundo ele, é prática comum no meio militar.

— Você faz consórcio... Um exemplo: 12 pessoas; começa com R$ 1,5 mil e, a cada mês, aumenta R$ 15. É uma maneira de você pegar um dinheiro emprestado com juros menores — esclareceu.

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) alertou para a ilegalidade do ato.

— Eu só quero alertar para o senhor que, para esse tipo de movimentação, o senhor precisa de autorização do Banco Central. Isso é crime. Está previsto na Lei 7.492, no art. 16, que fazer essa operação indevida, sem autorização, inclusive com distribuição de valores, tem a pena de reclusão de um a quatro anos. A ação penal pública é incondicionada. Então eu espero que o Ministério Público tome as providências já naqueles pontos que eu reputo importantes e que o senhor está aqui respondendo.

O sargento registrou que a operação de R$ 72 mil apontada nos relatórios de movimentação financeira seria resultado da venda de um carro que ele teria feito ao tenente-coronel Mauro Cid. Segundo ele, o anúncio foi feito em site popular de compra e venda, ainda em janeiro de 2023.

Luis Marcos dos Reis foi preso em maio, durante as investigações de um esquema de falsificação do cartão de vacinação do ex-presidente. Ele não fez qualquer declaração sobre esse inquérito.

Pagamentos

Contarato ainda questionou se, como ajudante de ordens, Luis Marcos dos Reis teria realizado qualquer pagamento em espécie, transferências bancárias ou quitação de boletos para o ex-presidente Bolsonaro e para a ex-primeira-dama. Inicialmente o depoente negou ter feito qualquer pagamento ao casal. Confrontado posteriormente por deputados governistas, ele recorreu ao direito de não responder para não produzir provas contra si, já que os dados fazem parte de inquérito na PF.

— Com todo o respeito, eu vou me manter em silêncio, porque isso já foi esclarecido na Polícia Federal. Eu vou me manter em silêncio — respondeu.

Participação nos atos

Apesar de confirmar que participou dos atos do dia 8 de janeiro e que chegou a fazer fotos na rampa do Congresso Nacional, Luis Marcos dos Reis disse que se arrependeu do ato “impensável”.

— Esse realmente foi um ato impensável, mas eu subi, tirei foto. As fotos estão no meu celular com a Polícia Federal. Realmente, foi um momento impensável. Se a senhora me perguntar se eu me arrependi, arrependi, mas não tinha ninguém ali embaixo falando: "Não pode subir". Eu não pensei na hora; estava ali e subi. Isso era por volta de 17h, 17h15, já tinha tudo sob o controle da Secretaria de Segurança Pública do DF.

Mas os governistas desconfiaram do arrependimento do depoente. Eles apresentaram mensagens trocadas pelo ex-assessor com Mauro Cid  e outras pessoas, indicando, segundo os parlamentares, manifestações de comemoração.

— O senhor participou dos atos golpistas, subiu rampa, fez vídeo e achou o máximo, achou bonito. Ainda xingou os ministros do Supremo — acrescentou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Cartão de crédito

Os governistas perguntaram ao ex-assessor se ele conhecia Rosimary Cardoso Cordeiro, identificada como amiga de Michelle Bolsonaro e apontada como responsável por alguns depósitos na conta do sargento. Ele disse desconhecer.

Rosimary, de acordo com a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), é uma espécie de segunda mãe para Michelle Bolsonaro e chegou a oferecer seu nome para que a ex-primeira-dama conseguisse emitir um cartão de crédito, como dependente da amiga, entre 2015 e 2020. Rosimary (que é chamada de Chuchu pela senadora) também fazia operações para pagar despesas de familiares de Michelle. 

— O depósito dos ajudantes de ordens é um pouquinho maior pra Chuchu, sim, porque Chuchu, como mãe de Michelle aqui em Brasília, pagava o plano de saúde do irmão de Michelle, que ela mandava dinheiro, e Chuchu pagava também (a vida inteira Chuchu cuidou de Michelle) o seguro de vida, o seguro do carro do pai de Michelle. Essas são as despesas entre Chuchu, dona Rose, e a primeira-dama. Esta comissão não pode incidir em erro. Estão querendo destruir a reputação da nossa ex-primeira-dama — defendeu Damares.

Omissão

Já os senadores Esperidião Amin (PP-SC) e Izalci Lucas (PSDB-DF) voltaram a defender a linha investigatória para apurar as possíveis omissões das forças de segurança. Eles alertaram para o curto prazo restante dos trabalhos da comissão e pediram foco nesta reta final, priorizando em especial os depoimentos e a votação de requerimentos para acessar documentos relacionados ao ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura Cunha, e ao ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, além das imagens do Ministério da Justiça.

— De alguma forma, nós estamos inaugurando a oportunidade de confrontar a ação do dia 8 de janeiro com a omissão do dia 8 de janeiro — afirmou Amin, ao apresentar uma série de eventos que, segundo ele, demonstram que o ministro da Justiça, Flávio Dino, foi comunicado com antecedência sobre os atos.

Amin ainda disse que o ministro da Justiça editou uma portaria, no dia 7 de janeiro, regulamentando a atuação da Força Nacional. Na visão do parlamentar, o ato assegurava autonomia para que o Batalhão da Guarda Presidencial atuasse. Gonçalves Dias será interrogado pela CPMI na próxima quinta-feira (31).

Requerimentos

O encerramento da reunião desta quinta-feira foi marcado por um mal-estar entre o presidente da comissão, deputado Arthur Maia (União-BA), e o deputado Mauricio Marcon (Podemos-RS). Marcon chegou a dizer que o CPMI corria o risco de ser vista como uma “palhaçada” em razão da atuação do presidente. Ele reclamava do não agendamento de convocações para investigar o governo federal, o comando das Forças Armadas e a demora na entrega, pelo Ministério da Justiça, das imagens da invasão do Planalto. De acordo com o presidente da comissão, Marcon o teria chamado de "pizzaiolo", numa referência ao resultado final da CPMI. 

— O senhor está fazendo um papel triste para a sua reputação. Porque o senhor está deixando essa CPMI virar uma palhaçada — afirmou Marcon.

Arthur Maia rebateu o deputado e reagiu anunciando que vai colocar todos os requerimentos protocolados na CPMI em votação. Ele disse que, até o momento, buscou ser justo e ter uma posição de equilíbrio, na intenção de avançar em acordos que não diminuíssem o tamanho da oposição dentro do colegiado, mas que não foi compreendido por Marcon.

— Não tem problema. Se esse é o desejo, colocarei, na próxima reunião, todos os requerimentos, e está autorizado, Leandro [secretário da CPMI]. E vocês decidem o que vai ser aprovado. A responsabilidade dessa votação e a falta de acordo, eu atribuirei à Vossa Excelência. Em vez de buscar um entendimento para construir uma solução negociada, vem Vossa Excelência com essa posição radical, populista, demagógica, para querer desmoralizar o meu trabalho. Então não venha com essa conversa de pizzaiolo não, porque eu tenho responsabilidade com o que eu faço — disse o presidente do colegiado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)