'Migrante climático' ainda enfrenta dificuldades jurídicas, aponta debate
Da Agência Senado | 16/08/2023, 18h28
Uma audiência pública da Comissão Mista sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) nesta quarta-feira (16) discutiu os deslocamentos forçados por questões climáticas. Os debatedores explicaram aos parlamentares os desafios técnicos e jurídicos de abordar a questão dos migrantes climáticos, cujo status ainda não está pacificado no direito internacional.
Representante da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Débora Castiglione falou sobre a definição com a qual o organismo trabalha e mostrou como ela já reflete a dificuldade de se chegar a uma identificação precisa. A OIM é uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU).
— “Migrante” não é um termo universalmente aceito, ao contrário de “refugiado”. O migrante não tem categoria legalmente bem definida. É um "termo guarda-chuva": reflete todas as pessoas que se deslocam do seu local habitual de residência, dentro do próprio país ou através de fronteiras internacionais. Pode ser de forma temporária ou permanente, e por uma variedade de razões — explicou ela, que coordena a unidade de Migração, Meio Ambiente e Mudança Climática da OIM.
Além disso, Castiglione disse que, dentro da questão da migração por razões climáticas, há diferenças sensíveis entre os casos. Existem os deslocamentos forçados, que são reações a desastres já ocorridos ou iminentes, mas há também as realocações planejadas, que acontecem quando grupos da população deixam voluntariamente um lugar mais exposto a riscos climáticos e ambientais.
Ela ressaltou também as pessoas que se enquadram no conceito de “imobilidade”, que são aquelas que não podem ou não querem deixar o local onde moram, mesmo que estejam sofrendo impactos.
— Embora a imobilidade seja menos visibilizada quando falamos sobre esse tema, ela é igualmente importante — defendeu.
O representante adjunto no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Oscar Sanchez, também abordou o problema.
— Climate refugee (refugiado climático) é uma terminologia nova. É parte do léxico, mas não do direito internacional. É interessante para dar visibilidade à temática, mas dificulta construir políticas públicas sem uma base jurídica.
No entanto, segundo relatou Sanchez, há jurisprudência internacional para auxiliar. Ele citou o caso de Ioane Teitiota, um cidadão de Kiribati que pediu refúgio na Nova Zelândia com a família. As autoridades neozelandesas rejeitaram o pedido, afirmando que Teitiota não corria risco de vida imediato, mas ele alegou que a sua deportação colocaria em perigo a sua sobrevivência em função da elevação acelerada do nível do mar. Kiribati é um dos países insulares do Oceano Pacífico severamente afetados por esse problema. O Comitê de Direitos Humano da ONU reconheceu a queixa, tornando o caso simbólico.
Para Oscar Sanchez, as crises internacionais envolvendo migrantes e refugiados cada vez mais precisam da perspectiva ambiental e climática, pois remeter essas pessoas de volta a seus países alimenta o ciclo do problema.
— Uma solução duradoura para refugiados poderem retornar a seus países tem que ser olhada do ponto de vista do impacto da mudança climática nesses países.
A falta de políticas públicas adequadas para as populações migrantes, bem como a incapacidade dos governos de lidar com as próprias contingências climáticas que causam essas migrações, agravam a situação. Foi o que explicou Camila Tardin, assessora nacional da Cáritas Brasileira - organização ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ela salientou que a regra é que migrantes se estabeleçam em áreas de risco no país ou região para onde migram, e assim permanecem vulneráveis.
— Estamos diante de um cenário global onde cada vez mais pessoas vão migrar por questões climáticas. Precisamos falar sobre políticas públicas para prevenir desastres. O desastre socioambiental só ocorre quando o perigo somado à vulnerabilidade causa dano. É a inação do Estado que tem causado mortes.
A representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Inamara Mélo, afirmou que os esforços em todo o planeta para conter as transformações climáticas têm sido ineficazes. Segundo ela, a maioria dos municípios brasileiros tem capacidade adaptativa baixa e, portanto, está sujeita a consequências negativas dos efeitos climáticos, como seca, deslizamentos de terra e inundações.
— É preciso enfrentar os crescentes desafios e proteger a dignidade humana quando falamos em mudança do clima. O direito ainda busca compreender o alcance das obrigações estatais relacionadas à emergência climática, mas na Constituição consta que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso é responsabilidade do poder público e da coletividade. Quando trazemos isso para a agenda do clima, estamos falando em implementar políticas de mitigação e de adaptação a fim de proteger os direitos humanos das pessoas afetadas.
Inamara Mélo explicou que o ministério tem 14 planos setoriais para a questão da adaptação e pretende conduzir uma “construção participativa” do tema. Segundo ela, a justiça climática no Brasil tem as suas especificidades e é preciso elaborar uma agenda “com a cara do Brasil”.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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