Senadores alertam ministra para risco de nova versão do arcabouço cortar fundo da ciência

Da Agência Senado | 17/05/2023, 15h52

O novo arcabouço fiscal pode provocar o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O alerta foi feito nesta quarta-feira (17) por senadores que participaram de audiência pública com a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos. Ela esteve em reunião conjunta das comissões de Ciência e Tecnologia (CCT), Educação (CE) e Infraestrutura (CI).

O arcabouço fiscal tramita na Câmara dos Deputados como projeto de lei complementar (PLP) 93/2023. O relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou um substitutivo ao texto original, encaminhado em abril pelo Poder Executivo. Um dispositivo sugerido por Cajado prevê o contingenciamento de recursos no caso de descumprimento de metas fiscais.

Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), a medida pode comprometer o FNDCT. Durante a audiência pública com a ministra Luciana Santos, o parlamentar cobrou a aplicação integral dos recursos, que somam R$ 9,96 bilhões em 2023.

— Agora me preocupa o arcabouço fiscal. Queria que os técnicos do ministério [da Ciência] analisassem com lupa. Vários pontos foram excluídos do contingenciamento, mas não está explícita a questão do FNDCT. Isso dá margem a interpretar que ele poderá ser contingenciado. A gente tem que ter um cuidado muito grande, para que não dê margem nenhuma de contingenciamento. Sabemos a importância disso — alertou Izalci Lucas.

O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que não há orientação do Palácio do Planalto para o contingenciamento de recursos do FNDCT. Ele lembrou que uma medida provisória (MP 1.136/2022) editada em agosto passado pelo então presidente Jair Bolsonaro bloqueou recursos do fundo. Mas salientou que um projeto de lei (PLN 1/2023) enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aprovado por senadores e deputados recompôs os recursos.

— A história de contingenciamento na regra fiscal está sendo colocada pelo Parlamento, lá na Câmara. A orientação do presidente Lula é acabar com essa história de gasto e falar em investimento. No passado, foram retirados R$ 4,18 bilhões com a medida provisória. Com o projeto de lei, nós recompusemos. Estou de pleno acordo em relação a não termos contingenciamento, em especial sobre os recursos da ciência e tecnologia — afirmou.

A MP 1.136/2022 perdeu a eficácia em fevereiro deste ano, sem sequer ser votada por senadores e deputados. A ministra Luciana Santos classificou a medida provisória do governo Bolsonaro como um "corte drástico" no FNDCT. Ela evitou responder aos questionamentos sobre um eventual contingenciamento do fundo provocado pelo novo arcabouço fiscal. Mas disse que a pasta tem a intenção de liberar recursos "com celeridade".

— Por meio do PLN 1/2023, tivemos a recuperação de R$ 4,18 bilhões do fundo. É motivo de grande festa na comunidade científica acadêmica e do setor produtivo poder contar com R$ 9,96 bilhões em 2023. Foi possível liberar R$ 1 bilhão até 14 de abril. Estamos conseguindo fazer a execução com celeridade. O volume chega a ser mais que o dobro do valor desembolsado no período anterior. Nessa primeira leva, apoiamos projetos inovadores de empresas no agronegócio, nos alimentos e nos combustíveis sustentáveis — destacou.

Exclusão digital

O presidente da CCT, senador Carlos Viana (Podemos-MG), pediu à ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação a melhoria "nos parâmetros de conectividade da população". Ele disse que, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), quase 20 milhões de cidadãos não têm cobertura de internet.

— A exclusão digital leva a defasagem no processo de aprendizagem de nossos estudantes, dificulta a geração de emprego e renda e deteriora a qualidade de vida. É um problema cuja solução depende de uma boa vontade política e reforço orçamentário. Segundo Anatel e BID, com investimento de 9,5 bilhões de dólares, o Brasil conseguiria conectar 98,2% da população. É um valor significativo. Contudo, o montante se torna pequeno ante a perspectiva de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) que tais investimentos ensejariam. Esse incremento poderia ser de mais de 2,4% do PIB. Logo, não estamos tratando de um gasto infrutífero, mas de investimento com retorno garantido — afirmou.

Fuga de cérebros

O presidente da CI, senador Confúcio Moura (MDB-RO), defendeu mais investimentos do Poder Executivo para manter os pesquisadores no país.

— O Brasil é um país que vai aos solavancos: o que um governo faz o outro sempre se preocupa em desfazer. É um vai-e-volta permanente, e isso tem desanimado muitos pesquisadores brasileiros, que vão pouco a pouco se desiludindo com o nosso próprio país. Os maiores expoentes da pesquisa terminam saindo para outros cantos do mundo. Isso para nós é um prejuízo extraordinário — disse, referindo-se à chamada "fuga de cérebros".

A ministra Luciana Santos reconheceu que o Brasil vive um paradoxo: enquanto já esteve entre as dez maiores economias do mundo, é um dos países mais desiguais do planeta, inclusive quanto à inclusão digital e à inovação. Ela destacou que, nos primeiros quatro meses de mandato, buscou desenvolver ações focadas emergencialmente na recuperação da capacidade científica do país, com reajustes para os pesquisadores.

— Após dez anos sem reajuste, reajustamos as bolsas da carreira científica. Essa medida representa um investimento de R$ 2,32 bilhões na correção dessa defasagem. Além do reajuste, vamos garantir uma ampliação de bolsas de iniciação científica e produtividade. Neste ano, vamos conceder 10 mil novas bolsas. Com isso, estamos garantindo R$ 150 milhões para o fomento à pesquisa científica — afirmou.

Desastres naturais

A senadora Teresa Leitão (PT-PE) questionou a ministra Luciana Santos sobre ações na prevenção de desastres naturais, como enchentes e deslizamentos de terra.

— A gente tem tido desastres naturais com mais frequência. Somos cruelmente atingidos, porque são as populações mais vulneráveis que geralmente estão envolvidas. Quais as perspectivas de melhorar o sistema de monitoramento para torná-lo mais eficiente e salvar mais vidas? — indagou.

Segundo Luciana Santos, a pasta pretende ampliar o alcance do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

— Isso é uma combinação entre os eventos climáticos e as condições subnormais em que vivem as concentrações urbanas. Mais de 80% da população brasileira vive nos centros urbanas e vive em condições subnormais: em morros ou alagados. Até o final do mandato, nossa meta é ampliar o sistema de monitoramento e alerta para 1.835 municípios. Isso vai corresponder a 70% da população brasileira, exatamente a parte mais adensada, onde ficam os centros urbanos e onde temos os maiores riscos de perda de vidas — afirmou.

Agenda legislativa

Durante a audiência pública, Luciana Santos defendeu a aprovação de algumas matérias em tramitação no Senado. O primeiro item citado pela ministra foi o projeto de lei (PL) 2.338/2023, do presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O texto regula o uso da inteligência artificial e aguarda distribuição para as comissões permanentes.

— Achamos que o projeto é muito relevante para criar marcos numa área que tem que ter controle, por motivos óbvios, pelo que impacta na mudança da vida das pessoas — disse Luciana Santos.

A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação defendeu ainda a aprovação do PL 1.878/2022, da Comissão de Meio Ambiente (CMA), e do PL 725/2022, do ex-senador Jean Paul Prates (RN). As duas matérias regulam a produção e o uso do hidrogênio verde para fins energéticos.

O PL 1.878/2022 deve ser analisado pela comissão especial de políticas públicas sobre hidrogênio verde (CEHV), instalada em abril deste ano, antes de seguir para a CI. O PL 725/2022 aguarda relatório do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) na CMA.

O presidente da CEHV, senador Cid Gomes (PDT-CE), defendeu a regulação do tema. Para ele, o hidrogênio verde não deve ser usado como um item de exportação do Brasil, mas como parte da matriz energética do país.

— O hidrogênio verde é um combustível que, diferente dos outros, não emite carbono porque a queima é só do hidrogênio. Ele é uma das alternativas na transição energética no mundo. Na Europa, eles já têm um cronograma: para 2030, o objetivo é de que 55% da matriz elétrica da Comunidade Europeia seja de origem renovável. Isso inclui hidrelétrica, eólica, solar. Mas fundamentalmente a que tem maior tendência de crescimento é a utilização do hidrogênio verde — afirmou.

Luciana Santos também recomendou a aprovação do PL 776/2019, do senador Chico Rodrigues (PSB-RR). O texto permite a dedução no Imposto de Renda de doações feitas a projetos de pesquisa científica e tecnológica. A matéria aguarda designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

A audiência pública conjunta foi sugerida pelos presidentes da CCT, senador Carlos Viana, e da CI, senador Confúcio Moura, além do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP). Também participaram do debate os senadores Augusta Brito (PT-CE), Omar Aziz (PSD-AM), Rodrigo Cunha (União-AL) e Wellington Fagundes (PL-MT).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)