Memórias de um gabinete: o legado intelectual e emocional de Darcy Ribeiro
Da Comunicação Interna | 26/10/2022, 18h59
Se estivesse vivo, o antropólogo, historiador, sociólogo, escritor e senador Darcy Ribeiro completaria 100 anos nesta quarta-feira (26). Natural de Montes Claros-MG, ele morreu em 1997 em Brasília, aos 74 anos, vítima de um câncer na próstata.
Theresa Teixera, servidora que o acompanhou como chefe de gabinete desde o primeiro dia de mandato até o falecimento, conta em entrevista à Comunicação Interna do Senado que trabalhar com Darcy era como ir "todos os dias para a Universidade para aprender mais e mais". Segundo ela, o antropólogo e escritor "pensava rápido", e quem estava à sua volta se sentia instado a acompanhar o ritmo do parlamentar. "Diante dos retrocessos que neste momento caracterizam a educação brasileira, só nos resta lembrar com tristeza que Darcy nos deixou órfãos das suas opiniões e dos seus ensinamentos", diz Theresa, hoje aposentada.
Além do patrimônio intelectual, Darcy deixou um um grande legado para os que conviveram com ele, segundo sua chefe de gabinete: "ele deixou muita saudade como a pessoa alegre, extrovertida e inteligente que era. Eu e meu marido tomamos conta dele até morrer. Ele merece todas as homenagens". Uma das provas dessa relação de amizade é a dedicatória a Theresa na obra O Povo Brasileiro, lançada em 1995. A dedicatória foi emoldurada e colocada em lugar de honra na casa da servidora:
“Sem você, meu bem, eu nem existia mais, que fará este livro que você tem que assumir como coisa sua, feito Bruno e Juninho [filhos de Theresa]. Assim como você os pariu, assim também, você me salvou da morte e me deu forças para escrevê-lo. Todos os meus beijos pr’ocê, pro Jairo [marido de Theresa] e a mais sentida gratidão. Te adoro, meu bem. Darcy. São Paulo, 5 de maio 95.”
A obra aborda a história da formação da população brasileira. Segundo Theresa, Darcy afirmava que escrever esse livro foi o maior desafio de sua vida, tendo demorado 30 anos para concluí-lo.
Como congressista, o antropólogo se engajou no projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) — foi relator da matéria — e na aprovação de emenda constitucional que derrubou a proibição de universidades contratarem professores estrangeiros. Seu estilo era o de trazer debates e reflexões. Nesse sentido, ele também propôs e publicou a revista Carta, que expandia as fronteiras de um típico mandato parlamentar e hoje faz parte do acervo do Senado.
Como era trabalhar com o senador Darcy Ribeiro?
Theresa Teixera — Era como se estivéssemos indo todos os dias à universidade para aprender mais e mais. Ele pensava rápido, e, por esse motivo, tínhamos que acompanhar o seu ritmo. Para quem teve o privilégio, como eu e toda a minha família, de conviver com Darcy Ribeiro diariamente, ele deixou muita saudade como a pessoa alegre, extrovertida e inteligente que era. Eu e meu marido tomamos conta dele até ele morrer. Diante dos retrocessos que neste momento caracterizam a educação brasileira, só nos resta lembrar com tristeza que Darcy nos deixou órfãos das suas opiniões e dos seus ensinamentos. Ele merece todas as homenagens.
Como você se lembra do processo de aprovação da LDB?
Quando chegou ao Senado, a sua obsessão era a LDB. Ele não se conformava com a situação que se encontrava a educação no Brasil. Tanto lutou que, aos trancos e barrancos, conseguiu aprová-la. Foram mais de dois anos de trabalho árduo e contínuo como relator para recusar o anteprojeto aprovado pela Câmara dos Deputados, enxundioso de tão grande. Aprovado, ele abriu perspectivas reais de revisão, ampliação e aperfeiçoamento de nossas redes de ensino de primeiro e segundo graus. Se hoje temos uma Lei da Educação, devemos a esse incansável educador na batalha por um Brasil melhor. Uma de suas falas para justificar o motivo de a LDB ser tão importante ficou famosa: “As elites brasileiras são cruéis, elas asfixiam as massas mantendo-as na escuridão da ignorância. As escolas não cumprem com o papel de educar e preparar os meninos do Brasil. Só vamos acabar com a violência quando resolvermos a questão da Educação.”
Qual foi a importância da publicação da revista Carta'?
Antes de ser político ele era um educador e intelectual muito preocupado com todas as questões do Brasil, inclusive a das raças e dos povos indígenas. Foi através da política que ele achou a faca e o queijo na mão para mostrar suas ideias e o que estava acontecendo. Quando resolveu fazer essa publicação foi exatamente nesse intuito, de abordar questões fundamentais, mas que muitos políticos deixam passar. É como obra em esgotos: ninguém quer fazer porque não aparece. Essa publicação ele mandava para todos seus eleitores tomarem conhecimento daquilo que ele defendia sobre o tema do momento, mas tinha também textos de outros autores que ele reunia ali. Com as publicações da Carta ele ansiava por um enlace de reflexão crítica de todos os brasileiros que a lessem, com o propósito de passar o Brasil a limpo. Ele tinha o entendimento de que para que essa transformação fosse realizada, a primeira providência era que esse cidadão, que estivesse lendo, conseguisse chegar ao entendimento e pudesse, a partir daí, empenhar-se em criar uma opinião mais bem informada e combativa. Depois de uns três a quatro meses da criação da revista, eu que passei a coordenar, fazer a capa e a revisão. Foi bem bacana.
E o dia em que os desenhos de Oscar Niemeyer foram feitos na parede do gabinete, você estava presente?
Eu acompanhei pessoalmente Athos Bulcão, quem vistoriou e pediu que fosse feito um tratamento na parede antes de receber os desenhos do Oscar Niemeyer. Ficou parecendo que o Oscar chegou, viu a parede e desenhou, mas não foi assim. Posteriormente, depois que a parede já estava no ponto, o Niemeyer fez uma visita e deixou lá seus traços. Tem registros dessa visita pela imprensa do Senado à época. O dia em que o Oscar Niemeyer estava lá foi notícia. Ele deixou uma obra de arte que até hoje está na parede do gabinete que o senador ocupou no Senado Federal. Tudo do Darcy era eternizar. Ele não considerava o seu gabinete só um escritório de trabalho, Darcy quis ali cravar a sua história.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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