Convidados da Comissão de Transparência criticam STF por inquérito das fake news

Da Agência Senado | 30/08/2022, 16h09

Convidados e participantes da audiência pública desta quarta-feira (30) na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle (CTFC)  fizeram críticas à condução, no Supremo Tribunal Federal, do inquérito 4.781, que apura fake news e ameaças ao próprio STF. Segundo os participantes, houve violação do processo legal, dos direitos e garantias individuais e do sistema acusatório.

A sessão foi presidida pelo autor dos requerimentos para a realização da audiência, senador Eduardo Girão (Podemos-CE). Ele agradeceu ao presidente da CTFC, senador Reguffe (sem partido-DF), pelo espaço concedido.

As críticas dos participantes se concentraram em ações do relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, que, segundo eles, tem extrapolado suas atribuições constitucionais. Convidado a participar da audiência, Moraes não compareceu. Também não participaram outros dois convidados, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e sua antecessora, Raquel Dodge. Os dois alegaram compromissos prévios.

Os críticos do inquérito 4.781 alegam que o STF não tinha poder para fazer a denúncia, pois essa atribuição seria, pela Constituição, privativa do Ministério Público. E não poderia conduzir a investigação, pois estaria sendo ao mesmo tempo vítima, investigador e julgador do caso.

Os participantes defenderam um grupo de empresários investigados pelo inquérito depois que uma reportagem do site Metrópoles divulgou trocas de mensagens entre eles, pelo aplicativo WhatsApp, em que estariam pregando um golpe contra as instituições democráticas.

— Estamos vivendo no Brasil um flagrante ativismo judicial imposto por algumas instâncias do nosso Poder Judiciário, principalmente a nossa Corte Suprema. Verificam-se, rotineiramente, atitudes que têm ferido de morte o sagrado princípio da imparcialidade e que têm promovido uma clara violação dos mais básicos ditames que regem o devido processo legal — discursou Girão no início da audiência.

O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) criticou ministros do STF que, segundo ele, "buscam os votos em nossos gabinetes" para a aprovação nas sabatinas no Senado, "mas depois não prestam mais contas, não dão a mínima satisfação àquele Poder que os elegeu".

O senador Guaracy Silveira (Avante-TO) afirmou que é comum pessoas "falarem impropérios brincando" em mensagens com os amigos, o que não justificaria a ação do STF contra os empresários.

— Não quero ser dramático, mas parece que o tribunal da santa inquisição está restabelecido, infelizmente, no nosso país — afirmou, referindo-se aos tribunais católicos medievais que julgavam os considerados hereges.

Os senadores Lasier Martins (Podemos-RS), Esperidião Amin (PP-SC) e Luiz Pastore (MDB-ES) pediram a palavra para elogiar a iniciativa de Girão. Segundo Lasier, a Constituição "vem sendo enxovalhada, artigos vêm sendo atropelados, principalmente pelo ministro Alexandre de Moraes".

— Tenho certeza de que estamos do lado certo, que Vossa Excelência lidera com muita coragem cívica — louvou Amin.

O advogado-geral da União, Bruno Bianco, ressaltou que atendeu o convite não para "criticar o Supremo Tribunal Federal e nem mesmo qualquer um dos seus ministros". A Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para invalidar a possibilidade de o STF abrir inquéritos.

— Eu não venho aqui fazer política, não venho aqui instigar ninguém contra o STF, mas venho aqui trazer o ponto fundamental da AGU. O inquérito confunde as figuras do investigador, do acusador e do julgador. O artigo 43 do regimento do STF [invocado na origem do inquérito] teve sua constitucionalidade reconhecida pelo STF com ressalvas e deve ser aplicado de forma absolutamente excepcional. A extrapolação da sua utilização me parece inconstitucional. E falo isso como estudioso do direito — afirmou Bianco.

Dois juristas convidados, Valmir Pontes Filho e Ives Gandra Martins, afirmaram ser "fantasia" e "delírio" a ideia de que os empresários investigados pudessem tramar e executar um golpe de Estado. Pontes leu uma série de perguntas que gostaria de ter feito a Alexandre de Moraes e arrematou.

— Estamos por acaso em época medieval? E a imparcialidade, como fica? A quem recorrer de atos supostamente ilegais do próprio STF? A opção de descumprimento me parece desarrazoada. Mas fica a pergunta no ar — disse.

Ressalvando o "respeito" e a "amizade" que tem por "quase todos os ministros da Suprema Corte", Ives Gandra encerrou sua fala dizendo esperar "voltar a ter um dia um Supremo com um Moreira Alves, um Sydney Sanches, um Ilmar Galvão, um Cordeiro Guerra, os Gallottis [Luis e Octavio], aqueles que fizeram do Supremo uma das instituições mais respeitadas da República".

Dois ex-procuradores, Deltan Dallagnol e Sérgio Harfouche, também se pronunciaram contra a condução do inquérito. Dallagnol e Harfouche deixaram o MP e hoje seguem carreira política, sendo, respectivamente, candidatos a deputado federal pelo Paraná e a senador por Mato Grosso do Sul.

Depois das falas dos convidados, Girão leu comentários e perguntas de internautas, enviados pelo Portal e-Cidadania, e concedeu a palavra a alguns presentes. Entre eles estava a advogada Mariane Andréia Cardoso dos Santos, defensora do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), réu em outro inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal, por violação de medidas cautelares após condenação em ação penal por por crimes de ameaça ao Estado democrático de direito e coação no curso do processo. Ela se queixou de dificuldade de acesso aos originais dos autos no STF e defendeu a inocência de seu cliente.

Em seguida, Girão concedeu a palavra ao próprio Daniel Silveira, que se manifestou remotamente. O deputado criticou o que chamou de "inércia" do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por não pautar o impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes. Referindo-se a esse pedido, Girão afirmou no final da reunião que "a gente está na expectativa de que isso possa vir a acontecer em algum momento".

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)