Senadores e profissionais apontam 'caos' no setor de saúde do Distrito Federal
Da Redação | 10/05/2022, 19h58
Senadores e profissionais da saúde criticaram, durante audiência pública promovida no Senado nesta terça-feira (10), a qualidade dos serviços de saúde prestados pela rede pública em Brasília e no entorno da capital. Eles apontaram a existência de grandes filas para cirurgias eletivas, falta de insumos, medicamentos e recursos humanos. Além disso, cobraram mais transparência e eficiência nos gastos dos recursos públicos desse setor. O debate foi promovido pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado.
O presidente da comissão, senador Reguffe (União-DF), foi quem solicitou a audiência pública. Ele declarou que a situação é grave. Também lembrou que a Secretaria de Saúde do Distrito Federal recebe transferências de recursos federais para desenvolver ações e serviços públicos na rede, inclusive recursos advindos de emendas parlamentares. No entanto, ressaltou ele, o envio das verbas não tem se refletido na qualidade dos atendimentos. O senador pediu transparência na aplicação dos valores.
— O Hospital de Base do Distrito Federal possui 16 centros cirúrgicos. Na madrugada, ficam abertos apenas dois; ficam 14 ociosos. Nos finais de semana, ficam abertos apenas dois; ficam 14 ociosos. Nós tínhamos que marcar cirurgia eletiva a 1h da manhã, às 2h da manhã, às 3h da manhã, às 4h da manhã, às 5h da manhã, pagar um extra aos profissionais para eles fazerem essas cirurgias, fazer um mutirão de cirurgia. Não dá para ficarem as pessoas esperando mais de três anos por uma simples cirurgia na rede pública. Esse é um sistema que não funciona — protestou ele.
De acordo com o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), o Orçamento prevê para a saúde do Distrito Federal a destinação de R$ 9 bilhões por ano, um dos maiores do país. Já o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) classificou a situação como de “calamidade pública”. Ele disse que faltam controle, fiscalização e gestão para aplicar bem os valores destinados à saúde.
— O que eu lamento muito é que as pessoas hoje estão perdendo inclusive a esperança de poderem ser atendidas em algo, porque hoje, depois de muita dificuldade, quando conseguem uma consulta, o que é raro, elas não conseguem o exame. E, quando conseguem o exame, não conseguem a cirurgia. E a gente fica indignado até com as aberrações: pessoa com a parte ortopédica está internada há 90 dias no hospital, e internada custando quanto por dia?, por causa de um parafuso de R$ 3, R$ 4. A gente fazendo vaquinha aqui para ar-condicionado que quebrou, com um orçamento de R$ 9 bilhões — criticou Izalci.
O secretário-adjunto de Assistência à Saúde do Distrito Federal, Pedro Costa Queiroz Zancanaro, que assumiu o cargo em fevereiro deste ano, informou que a secretaria recebeu este ano R$ 4 bilhões do Fundo Constitucional do Distrito Federal, R$ 2 bilhões do Governo do Distrito Federal e R$ 727 milhões do Ministério da Saúde. Já em emendas federais, a pasta recebeu R$ 65 milhões.
— A gente tem em caixa hoje R$ 335 milhões. E conseguimos empenhar 93,7% de todas as despesas globais da Secretaria de Saúde — disse Zancanaro.
Falta de profissionais
O presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Gutemberg Fialho, relatou que a sobrecarga na rede pública é registrada desde antes da pandemia de covid-19, e que essa doença só agravou o que, segundo ele, já era caótico. Segundo Gutemberg, antes da pandemia o sistema já registrava déficit de três mil médicos, especialmente anestesistas, além da falta de insumos básicos e outros recursos humanos. Ele defendeu a valorização dos profissionais, com a realização de concursos públicos e a elaboração de plano de cargos e salários para que esses trabalhadores permaneçam em suas unidades. Gutemberg também pediu uma melhor gestão do setor.
— Encontro dois colegas médicos e eles me dizem que chegam no hospital às sete horas da manhã, terminam o plantão às 13h e não operam ninguém. É por falta de competência na gestão [que isso acontece]. Existe uma coisa chamada estoque preventivo. Quem tem noção de administração hospitalar sabe disso. É um instrumento de administração hospitalar que você desencadeia quando os recursos estão para acabar. Como é que você deixa faltar antibiótico? Como você deixa faltar anestésico? Porque não tem anestesista na rede? Brasília tem a maior concentração de médicos do país e nós só temos, na rede pública, 32% dos médicos da cidade. Qual a média do país? 71% dos médicos nos outros estados trabalham também na rede pública. O que que falta? Falta incentivo, políticas públicas de valorização, falta condição de trabalho, falta segurança no local de trabalho, falta salário, falta compromisso com a vida — reclamou ele.
Demanda represada
Zancanaro, secretário-adjunto de Assistência à Saúde do Distrito Federal, reconheceu que a saúde pública de Brasília e de seu entorno passa por dificuldades. Na sua visão, há uma demanda represada de atendimentos e cirurgias eletivas devido à pandemia, pois muitas pessoas deixaram de procurar as unidades ou alguns serviços não foram prestados porque não estavam autorizados naquele período. Além disso, Zancanaro frisou que os casos de dengue registraram aumento de 500% na região na comparação com o ano passado, o que tem levado, segundo ele, a um superlotação da rede.
Zancanaro informou que há uma fila de 24 mil pessoas aguardando cirurgias eletivas e que a secretaria está tentando realizar mutirões com o intuito de reduzi-la. Ele também disse que a pasta deve contratar 230 médicos por meio de concurso regular a ser realizado em junho deste ano, e mais outros 200 profissionais por contrato temporário.
— Hoje a gente tem RH de anestesia sendo o fator limitante dentro do centro cirúrgico. Então, nosso foco principal no concurso, por exemplo, que vai ter no dia 6 de junho (a prova, o concurso regular da Secretaria de Saúde), nossa prioridade vai ser para contratar as quatro áreas que mais precisam. Vai ter vaga para anestesista, psiquiatra, neonatologista e clínico. Trinta vagas para anestesiologistas com cadastro de reserva infinito. Então, quanto mais quiserem entrar, mais vão poder entrar — afirmou ele.
Fechamento de serviços
Lídia Peres, enfermeira obstetra do Hospital do Gama, disse que o caos na saúde do Distrito Federal fica evidente ao se considerar o desmonte no hospital em que ela trabalha. Segundo Lídia, a unidade era referência para o entorno e fazia uma média de 600 a 700 partos por mês, mas teve o setor de pediatria e neonatologia fechados. Ela teme que os serviços de pronto-socorro e obstétrico também sejam encerrados por ter falta de profissionais e de suporte.
— Nós temos uma quantidade de crianças do Gama e do entorno que não têm nenhuma referência de saúde. Alem disso, o que piora a situação é que na atenção básica nós não temos mais pediatras e ginecologistas. Hoje nós temos um aumento grande de casos de sífilis neo-natal. E a sífilis é uma patologia que provoca o aborto ou provoca a má formação grave, que coloca em risco a vida e a qualidade de vida, caso a criança sobreviva.
Iges-DF
Alvo de denúncias de irregularidades e reclamações da população, o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) foi criticado por senadores. Leila Barros (PDT-DF) quis saber por que o modelo não tem funcionado.
O instituto foi criado para ampliar o modelo do Instituto Hospital de Base (IHBDF) e atualmente faz a gestão do Hospital de Base e do Hospital Regional de Santa Maria, além das unidades de pronto atendimento (UPAs) de Ceilândia, do Núcleo Bandeirante, do Recanto das Emas, de Samambaia, de São Sebastião e de Sobradinho.
Reguffe disse que o Hospital de Base até tem desempenhado bem o atendimento oncológico, mas ainda registra fila de espera nessa especialidade — o que, na sua avaliação, não deveria existir, já que a doença nesse caso é agressiva e a demora no tratamento pode levar rapidamente à morte do paciente.
— Às vezes uma semana na questão do câncer significa que você está matando uma pessoa — ressaltou o senador.
Zancanaro reconheceu que o Iges-DF tem enfrentado dificuldades adicionais para sua operacionalização.
— O meu entendimento é de que o Iges foi criado para ter flexibilidade em contratações e em compra de insumos. Hoje, eu posso dizer que o Iges tem tentado melhorar na sua capacidade de comprar insumos. No começo, ele foi desse jeito; agora, o Iges demora mais do que a própria secretaria, que responde à Lei 8.666, de licitações, para comprar insumos. Então, eu acho que o problema não é no modo da ideia. Eu acho que é do fluxo de processos do instituto, que está precisando de uma melhoria — argumentou ele.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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