Nota técnica antivacina não teve participação da Anvisa, diz Barra Torres aos senadores

Da Agência Senado | 16/02/2022, 21h27 - ATUALIZADO EM 17/02/2022, 16h05

Nenhum integrante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) participou da elaboração da nota técnica do Ministério da Saúde que questionou a efetividade das vacinas contra a covid-19. O esclarecimento foi feito, nesta quarta-feira (16), pelo diretor-presidente da agência, Antônio Barra Torres, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

Marcada por críticas de parlamentares ao governo federal, a reunião foi realizada a pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que condenou a polêmica nota do Ministério da Saúde, publicada em janeiro, pondo em dúvida a ação dos imunizantes. Aprovada pelo secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério, Helio Angotti, o documento afirmava que a efetividade da hidroxicloroquina contra a covid-19 está "demonstrada", e a das vacinas não.

— Houve a primeira, a segunda e, por fim, a terceira versão da nota. Não há ali a participação da Anvisa. E as correções efetuadas na sequência não contaram com a participação da agência. Portanto, não dá para dizer quais motivos levaram à elaboração do texto e quais motivos nortearam a colocação de informações sobre medicamentos e sobre imunobiológicos — explicou Barra Torres.

Na audiência, comandada pelo presidente da CDH, senador Humberto Costa (PT-PE), o presidente da Anvisa também explicou aos parlamentares a posição da autarquia em relação à primeira versão da nota técnica, que apresentava tabela com pontos alusivos a medicamentos e às próprias vacinas contra a covid-19.

— O medicamento citado na nota, a hidroxicloroquina, possuía uma coluna dizendo haver demonstração de efetividade em estudos controlados e randomizados para a covid-19, com o que absolutamente a Anvisa não concorda. Na mesma coluna, há a afirmação de que não há efetividade de estudos para vacinas, com o que a Anvisa também não concorda — afirmou.

Sessão "antivacina"

Durante a oitiva, alguns senadores criticaram a realização de uma sessão temática no Senado, no último dia 14, para debater a eficiência do passaporte sanitário no enfrentamento à pandemia e seus reflexos nos direitos pessoais, trabalhistas e sociais da população. O debate foi proposto por Eduardo Girão (Podemos-CE).

O senador Randolfe Rodrigues exibiu trecho da sessão em que a médica infectologista, Roberta Lacerda, associa casos de mal súbito à vacina. Barra Torres condenou a divulgação desse tipo de informação:

— Não conheço a médica que afirmou isso, mas é o tipo de mensagem que vemos proliferar nas redes sociais, que vão contra tudo o que apresentei. Estamos perdendo tempo para enfrentar a pandemia, que não acabou, e damos ouvidos a essas colocações — disse.

O senador Humberto Costa, por sua vez, fez críticas ao Conselho Federal de Medicina (CFM), que segundo ele, tem sido omisso ao longo da pandemia.

— Ouvir uma profissional dizer os absurdos, as irresponsabilidades e fazer afirmações criminosas a partir dessa sessão macabra que aconteceu no Plenário do Senado, reforça a omissão, a incompetência, a irresponsabilidade do CFM. A entidade deveria ser responsável por fiscalizar a ação profissional e fazer com que essa ação se dê com respeito aos princípios científicos e ao conhecimento já acumulado na sociedade brasileira. Lamento profundamente! — afirmou.

Em resposta à senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), Barra Torres disse que não foi convidado para o evento. A parlamentar citou dados oficiais da covid-19, que apontam 27 milhões de casos confirmados, 2,3% de letalidade, 638 mil mortes, 159 milhões de vacinados e 14 mortes de vacinados que estão sendo investigadas, em que se presume que os óbitos ocorreram por conta das vacinas.

— As vacinas salvam vidas, a gente percebe que vale a pena pagar o valor da vacina para cada vida. Tem gente que acha que não. Eu senti falta do Ministério da Saúde e da Anvisa [na sessão temática], mesmo com cada um dos convidados tendo defendido posições da própria conveniência — avaliou.

Ameaça a servidores

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também demonstrou preocupação com a as condições de trabalho e de segurança dos funcionários da Anvisa. Segundo o parlamentar, técnicos e diretores da entidade têm sofrido ameaças. Barra Torres reconheceu que o exercício da função regulatória em determinadas frentes torna-se um “incômodo” e informou que a Anvisa conta hoje com 1.600 funcionários concursados, dos quais 600 estão em abono de permanência.

Duas semanas antes de Bolsonaro ter cobrado o nome dos técnicos que autorizaram a vacinação infantil, servidores da Anvisa receberam duas ameaças, comunicadas à Polícia Federal e órgãos de segurança. Em decorrência das ameaças, Barra Torres disse que solicitou audiência à Polícia Federal para comunicar a decisão da agência em relação à vacinação infantil, que poderia ser foco de ações criminosas.

— No dia de aprovação das vacinas, o número de ameaças por correio eletrônico ultrapassou 124 ocorrências em 48 horas. E permanece até hoje, com o registro de 458 ameaças ou comunicações eletrônicas com ameaças, críticas e expressões de baixo calão — expôs.

Barra Torres explicou que as ameaças vêm sendo encaminhadas à Policia Federal, Supremo Tribunal Federal (STF), Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Procuradoria Geral da República, Ministério da Justiça e Procuradoria da República no Distrito Federal.

— Organismos como a Polícia Federal e o STF têm instrumentos de apuração em andamento. Não temos como afirmar a existência de nexo causal entre as falas do presidente e as ameaças. Há clima de insegurança e tensão desnecessárias — afirmou

Cloroquina e ivermectina

O presidente da Anvisa informou aos senadores que, até o momento, ao contrário dos fabricantes de vacinas, nenhuma empresa, farmácia ou laboratório que detém registro de medicamentos como ivermectina ou hidroxicloroquina, solicitou à Anvisa alteração de bula para inclusão do uso dessas substâncias contra a covid-19.

— Obviamente, se esses detentores de registro tivessem os dossiês científicos comprobatórios da segurança e eficácia desses medicamentos, fariam o pedido de alteração da bula porque teriam a possibilidade de utilizar esses medicamentos já existentes no Brasil no combate à pandemia. Esses laboratórios teriam ampliação de seu faturamento de maneira colossal. Não fizeram o pedido por um motivo: não tem a sustentação científica necessária — destacou.

Barra Torres destacou ainda que, embora a prática off label (fora da bula) exista desde os primórdios da medicina, “numa linha de tempo que vem de milênios”, o método prevê a particularização do caso à decisão médica em função de um indivíduo.

O diretor-presidente da Anvisa destacou, ainda, que a própria Sociedade Brasileira de Imunologia, “autoridade máxima de classe dos imunologistas”, manifestou-se contrária à nota técnica publicada, assim como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

Vacinas em crianças

Senadores também pediram informações sobre a vacinação infantil. O convidado disse que a imunização das crianças foi pautada como a dos adultos, com os mesmos parâmetros de qualidade, segurança e eficácia

Barra Torres disse que “há o efeito muito pesado das fake news nesse sentido, com a distribuição muito grande de notícias que incutem medo na população, para o qual não está tendo contrapartida de informações para tirar esse medo e de expor a realidade científica dessa questão”.

Segundo ele, até o presente momento, o percentual de vacinação de crianças entre 5 e 11 anos de idade é de aproximadamente 16% no Brasil, contra 66,6% no Chile, 76% na Argentina, 31% nos Estados Unidos.

— O Brasil não fez absolutamente nada de diferente do que, por exemplo, 44 países em que a vacinação foi aprovada. Nosso país de fato caminha em passos lentos e tímidos em relação à vacinação infantil, que não tem óbito registrado em nenhum lugar do mundo, até o momento, na faixa etária das crianças. E um dos eventos adversos que vem sendo pontuado, como a miocardite, é muito mais frequente na covid-19 do que no uso da vacina — afirmou.

Terapia genética

Barra Torres esclareceu, ainda, que não existe relação entre as vacinas e ações de terapia genética, que envolvem produtos de elevadíssimo custo e de uso específico e que não guardam relação com vacinas, destinadas a grandes massas da população.

— Não há comprovação científica de que vacinas produzem alteração de DNA. Essa é uma informação que pega o simples nome da vacina para distorcer os fatos — afirmou.

Apelos

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) fez um pedido ao representante da agência reguladora para que ele não perca a oportunidade de dizer sempre à população brasileira que as vacinas são seguras; que a pandemia não acabou; que a população deve se proteger e que ainda precisa usar máscara. 

 — É o que o governo se recusa a fazer: uma propaganda de prevenção, de como se prevenir. Aliás, é outra coisa que eu nunca ouvi falar, uma pandemia com mais de dois anos, mais de 600 mil óbitos e não há nenhuma propaganda do governo federal dizendo para as pessoas como se defender. 

Ao final da audiência pública, foi a vez de Antônio Barra Torres fazer um apelo aos senadores:

— Nos deixem trabalhar, só isso. não precisa mais nada. Nós temos uma missão muito difícil para cumprir. Estamos tentando cumpri-la da melhor maneira possível, mas não é justo que, no meio dessa guerra, temos ainda de nos preocupar com coisas totalmente evitáveis e desnecessárias. O corpo técnico da Anvisa precisa desse apoio e vai fazer as entregas que o Brasil precisa, como tem feito nesses últimos 23 anos — concluiu.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)