Mandetta diz que não havia trabalho conjunto entre Saúde e Economia

Da Agência Senado | 04/05/2021, 20h09

Depois de oito horas de reunião nesta terça-feira (4), foi concluído o primeiro depoimento da CPI da Pandemia. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta respondeu a questionamentos de 30 senadores e senadoras. Na última parte da reunião, Mandetta afirmou que, durante sua gestão, a relação entre os ministérios da Saúde e da Economia era distante. Ele também disse que não houve qualquer interferência da equipe econômica no Ministério da Saúde em relação ao enfrentamento da pandemia.

A falta de sintonia entre as pastas da Economia e da Saúde no enfrentamento da pandemia foi explorada pelas senadoras Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Leila Barros (PSB-DF). Leila perguntou se havia coordenação e cooperação entre as pastas para o enfrentamento da pandemia e seus efeitos sociais.

— O distanciamento da equipe econômica era real, não posso negar — respondeu Mandetta, acrescentando que ele conversava com o segundo escalão do Ministério da Economia, pois o ministro Paulo Guedes não atendia seus pedidos de reunião.

Para Mandetta, o governo passou a contrapor saúde e economia, um grande erro, já que os países que colocaram a saúde em primeiro lugar tiveram melhores resultados econômicos. Para ele, isso talvez tenha acontecido por influência do próprio ministro da Economia, Paulo Guedes. Parte da equipe econômica e do governo, continuou, acreditava que a pandemia acabaria no final de 2020. Em resposta à senadora Leila Barros, que perguntou sobre o descompasso entre Saúde e Economia na pandemia, Mandetta voltou a afirmar que equipe econômica ignorava alertas e "não compreendia o tamanho" da crise. 

— Eu disse a todos eles quando a pandemia ia crescer, quando ia ser o aumento, quando que ela ia estabilizar, quando ela ia cair, o intervalo para ter uma segunda onda, o número possível de mortes em 2020, o número possível de mortes até o final da pandemia. Todas essas informações eles tinham. Agora, por que pautaram de uma maneira diferente, eu realmente fico em dívida com a senhora — afirmou Mandetta em resposta à Leila Barros.

Além disso, Mandetta acusou Guedes de ser "desonesto intelectualmente" por ter insinuado que ele não teria agido para a compra de vacinas. 

Logo em seguida às respostas do ex-ministro da Saúde, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) comunicou a apresentação de requerimento para convocar o ministro da Economia, Paulo Guedes, a prestar depoimento à CPI.

Desmonte da equipe

Mandetta disse ainda que, de início, o presidente da República, Jair Bolsonaro, não interferiu na composição de sua equipe no ministério.

— O governo me deixou montar a melhor equipe técnica possível. Mas quando veio a necessidade de trabalho técnico eles não queriam mais — disse o ex-ministro.

Ele também voltou a criticar o governo por colocar militares à frente do Ministério da Saúde. Em uma guerra, disse, “seria impensável sermos comandados por um médico”. 

Por sua vez, o líder do governo Bolsonaro no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou que é praticamente impossível a CPI avaliar se determinada ação é ou não responsável por aumentar o número de mortos por covid-19. Fernando Bezerra Coelho avaliou que Mandetta teve liberdade para conduzir o Ministério da Saúde e quis saber porque Mandetta não valorizou a produção nacional de vacinas quando era ministro. O ex-ministro explicou que havia grande cooperação global em forma de consórcio para garantir imunizantes.

Número de mortes

A líder da bancada feminina no Senado, senadora Simone Tebet (MDB-MS), quis saber de Mandetta se o número total de mortos no Brasil poderia ser menor se o governo tivesse levado em conta os alertas científicos. Segundo Mandetta, o governo poderia ter evitado o colapso do sistema de saúde e amenizado o avanço da pandemia se tivesse promovido as medidas sanitárias. 

— Teríamos feito muito melhor, senadora. Essa segunda onda é o ápice desse tipo de decisão tóxica e equivocada. Acredito que essa segunda onda seria menor — disse Mandetta.

Em resposta a Simone, Mandetta disse que o ministério havia preparado campanha publicitária contra covid-19, mas o governo Bolsonaro não queria comunicar medidas de precaução: preferia um tom "ufanista".

Testes vencidos

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) quis saber por que o SUS não tem um sistema informatizado unificado. Mandetta disse que isso sempre foi um desafio, mas havia projeto nesse sentido antes da pandemia, interrompido após sua gestão.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) perguntou a opinião de Mandetta sobre a execução de medidas sanitárias pelo governo. Para o ex-ministro, o país permitiu a continuação de atividades de alta contaminação e só agiu depois do "leite derramado".

Instado pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), sobre gastos do governo testes de coronavírus que logo teriam a validade vencida, Mandetta disse que vai entregar à CPI dados sobre compra de testes. 

Bula da cloroquina

No início da tarde, em resposta ao relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros (MDB-AL), Mandetta falou sobre um suposto documento que tratava da bula do medicamento conhecido como cloroquina.

— Eu testemunhei várias vezes reunião de ministros em que o filho do presidente [Carlos Bolsonaro], que é vereador no Rio de Janeiro, estava sentado atrás tomando as notas da reunião. Eles tinham constantemente reuniões com esses grupos dentro da Presidência. Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que eu nunca havia conhecido. O presidente tinha um assessoramento paralelo. Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido, daquela reunião, que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para coronavírus. O próprio presidente da Anvisa, Barra Torres, que estava lá, que falou: "Isso não". E o ministro Jorge Ramos falou: "Não, isso daqui não é nada da lavra daqui. Isso é uma sugestão". Mas é uma sugestão de alguém. Alguém pensou e se deu ao trabalho de botar aquilo num formato de decreto. Eu imagino que ele construiu fora do Ministério da Saúde alguns aconselhamentos que o levaram para essas tomadas de decisões que ele as teve, mas eu não saberia nomear a cada uma delas — disse Mandetta.

Simone Tebet se disse perplexa.

— O que me espantou  foi o fato de que, embora os próprios ministros tenham se recusado a dizer que esse documento era oficial, ali um servidor público federal colocou aquele documento sobre a mesa. Fica aqui a minha maior perplexidade diante desse fato. O que demonstra que, de alguma forma, houve erros e esses erros precisam ser punidos, seja de quem for. Repito: do prefeito, do governador, da autoridade federal, porque nós estamos falando de crime contra a humanidade. Pandemia não atinge apenas o cidadão ou a cidadã brasileira. A nossa ação ou a nossa omissão interfere na vida das pessoas de outras nacionalidades. É por isso que nós hoje somos párias para o mundo — afirmou a senadora.

Prevenção

Os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Luis Carlos Heinze (PP-RS) defenderem o uso de medicamentos do chamado "kit covid", mas Mandetta explicou que os testes por eles mencionados não têm valor científico. Após Heinze criticar "assassinato de reputação" contra o "tratamento precoce" e defender o uso de medicamentos preventivos, Mandetta reforçou que a busca por remédio contra covid-19 deve respeitar a ciência. 

— Torço pela cura, não por uma substância — disse o ex-ministro, sublinhando que a verdadeira prevenção está em evitar a contaminação pelo vírus e esperar pela vacina anticovid.

Ele foi apoiado pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que é médica e negou a eficácia de tratamentos preventivos contra a doença. Ela destacou a importância das medidas cotidianas contra a covid-19: distanciamento, uso de máscaras em ambientes abertos e arejados e higiene das mãos.

Antes de a reunião ter fim, o presidente da CPI garantiu que senadoras terão direito à fala pela bancada Feminina na primeira parte de todas as reuniões da CPI da Pandemia.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)