Debatedores divergem sobre projeto que mexe em financiamento de filantrópicas

Da Redação | 20/02/2020, 13h04

O financiamento das entidades beneficentes e a continuidade dos serviços de assistência social prestados por elas foram discutidos em audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) na quarta-feira (19). O debate foi requerido pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS). Ele é relator do PLS 329/2018, que autoriza instituições filantrópicas a lançarem títulos de capitalização e regulamenta a forma de arrecadação desses recursos. 

A autora do projeto, ex-senadora Ana Amélia (RS), ressalta que a venda de títulos de capitalização na modalidade incentivo é uma prática recorrente e importante para essas entidades. O problema, segundo ela, tem a ver com uma circular da Superintendência de Seguros Privados (Circular Susep 569/2018), que vedou expressamente a utilização da modalidade incentivo e instituiu o conceito de filantropia premiável. 

A superintendente administrativa-financeira do Centro Infantil Boldrini, Luciana Maldonado, destacou que o conceito de filantropia premiável é benéfico, porque permite a todas as pessoas, inclusive as de baixa renda, apoiar essas instituições. A filantropia premiável funciona da seguinte forma: uma pessoa compra um título de capitalização de uma instituição financeira e cede o direito de resgate a uma unidade filantrópica. No ato da compra, essa pessoa recebe um número, com o qual participa dos sorteios de prêmios em dinheiro ou em bens, durante a vigência do plano. 

Luciana destacou que, além de contribuir com a beneficência, o cidadão tem a possibilidade de concorrer a prêmios e também de trabalhar. Isso porque, segundo ela, as pessoas têm a oportunidade de obter uma renda com a venda dos títulos. Para a debatedora, o PLS 329/2018 precisa ser mais bem discutido, com vistas a mais segurança jurídica e legitimidade para o setor. 

— São mais de 200 mil pessoas envolvidas. Com o título de filantropia premiável, somente nas 15 instituições que eu represento, foram investidos aproximadamente R$ 400 milhões em 2019, focados na saúde, no esporte e na vida daqueles que mais precisam. Então, para nós, é motivo de orgulho. 

Procurador jurídico da Federação das Apaes do Estado do Rio Grande do Sul (Feapae-RS), Roberto Machado Salaberry, disse que, apesar dos avanços advindos da Circular 569, ainda são necessárias adequações. Para ele, o PLS 329/2018 ajudará a assegurar a continuidade dos programas de captação de recursos, levando-os a não terem suas regras alteradas com frequência. 

— Capitalização serve para compor poupança e, no caso desses programas, essa receita vai para as entidades filantrópicas. Mesmo a [circular] 569 trazendo grandes avanços a esse processo, ela acabou descaracterizando pontos que realmente trariam receita, que levariam as campanhas a terem sucesso, e dificultou a comercialização dos produtos. 

Presidente da Federação Nacional de Capitalização (Fenacap), Marcelo Gonçalves Farinha, observou que o projeto de lei foi apresentado em um contexto de incertezas para o setor. Ele defendeu a capitalização como forma de angariar recursos para a assistência social e elogiou a Circular 569. Para o debatedor, a modalidade incentivo, proposta no projeto de lei, não é a mais adequada para as entidades filantrópicas, porque somente acarretaria na arrecadação das cotas de sorteio. Marcelo considerou ainda que o volume de recursos captados nos primeiros meses da vigência da circular 569, de R$ 1,3 bilhão, atesta a sustentabilidade do modelo. 

— Estamos falando de amor, de caridade, e precisamos falar dessas entidades sem fins lucrativos, que vão aonde o governo não está. O que nos une é maior do que qualquer divergência que, eventualmente, possa haver nessa mesa. A própria justificação [do projeto] já dá esse tom. Nosso desafio é fazer fluir esse investimento social para que ele chegue a quem mais precisa. 

Senadores

O líder do governo, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), disse que o Poder Executivo está atento à temática da filantropia. Ele citou o aumento do atendimento das comunidades terapêuticas, por exemplo, e disse que o aperfeiçoamento da capitalização pelas instituições filantrópicas possibilita a melhoria do cuidado com as pessoas que mais precisam. O parlamentar citou o caso do Hospital de Amor de Tocantins, para o qual mais de R$ 90 milhões foram captados por meio dessa modalidade de arrecadação. Ao elogiar Lasier Martins pelo debate, Eduardo sugeriu que o relator do PLS 329/2018 apresente um texto alternativo à proposição. 

— A gente sabe como é importante dar às famílias a esperança de se tratar perto de seus familiares. Todas essas instituições merecem nosso apoio e esse trabalho precisa ser feito com bom senso, reforçando as condições daqueles que verdadeiramente prestam serviço. Essa é a nossa intenção, e tenho certeza de que esse será o resultado do seu relatório, do seu substitutivo, pela qualidade do trabalho que Vossa Excelência presta junto ao Senado brasileiro. 

O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) citou a importância de se discutir melhor o conceito de filantropia premiável. Ele ressaltou que o debate dessa quarta-feira ajudará na elaboração de um projeto de lei de consenso, sem perda dessas instituições de custeio. Fernando Bezerra citou o exemplo do Hospital de Câncer Dom Tomás, situado em Petrolina (PE), mantido pela Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância (Apami) há mais de 70 anos, e que oferece atendimento a cerca de um milhão de habitantes dos estados da Bahia, Piauí e Pernambuco.   

— A Vale da Sorte, uma dessas instituições de capitalização, é uma das principais mantenedoras do hospital. Portanto, temos que encontrar maneiras de fortalecer a assistência social, o trabalho de capitalização dessas instituições, sem prejuízo da legislação, da fiscalização e dos cuidados que se deve ter em relação a esse tipo de atividade. E esse é justamente o objetivo dessa audiência pública — ressaltou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)