Audiência na CDR aponta riscos e vantagens de fracionar gás de cozinha

Da Redação | 11/09/2019, 15h28

A possibilidade de o consumidor encher parcialmente o botijão de gás num posto de revenda (fracionamento) dividiu opiniões na audiência que reuniu, nesta quarta-feira (11), profissionais do segmento de gás e energia na Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR).

No fim de julho, o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Odoni, lançou a ideia de fracionar o botijão de gás de cozinha (GLP) e afirmou que estuda permitir o enchimento por diferentes marcas. Um dos participantes da audiência, o senador Jaques Wagner (PT-BA), quis saber as vantagens para o consumidor e para a geração de empregos. Ele questionou se o preço pode subir.

O representante da ANP, Pietro Mendes, ressaltou que, com o aumento da produção de petróleo, o preço do gás tende a cair. A agência trabalha em duas frentes: aumento da competição na distribuição e revenda e redução de impostos. O preço do GLP é composto pelas seguintes parcelas: o que a Petrobras cobra para produzir, o que é pago em impostos federais e estaduais, o preço da distribuição e a margem da revenda.

Pietro estimou que um ajuste na precificação da Petrobras deve puxar esse cálculo para baixo. Em 2018, a empresa produziu 67% do total do gás consumido no Brasil e importou 33%, a maior parte (80%) vinda dos EUA.

Mesmo comprando dos EUA, a Petrobras usa o valor de referência de preços da Europa, que é maior, na hora de precificar o produto no Brasil. Com isso, o GLP da Petrobras é cerca de R$ 6 mais caro que os valores internacionais no botijão de gás.

— Essa diferença, de junho de 2017 a junho de 2019, foi de R$ 1,6 bilhão a mais — contou Pietro, anunciando que o fim da precificação está previsto para março de 2020.

Ele destacou que a ANP editou resoluções neste ano que promovem a livre concorrência na atividade de refino — associado ao desinvestimento da Petrobras nessa área. Pietro previu que os agentes vão poder importar diretamente. Sobre os impostos, defendeu a adoção de alíquotas iguais pelos estados na cobrança dos seus impostos.

Modelos

Pietro mostrou os modelos de relação de consumo de gás no mundo. No Brasil e na Espanha, por exemplo, o botijão pertence à distribuidora, e o fornecimento se dá mediante a troca do botijão vazio pelo cheio. Pietro explicou que esse modelo é caro, porque o consumidor paga pelo frete de dois botijões e é obrigado a levar o botijão cheio.

No modelo dos EUA, México e Canadá, por exemplo, o botijão pertence ao usuário, e é levado a postos de abastecimento pelo próprio consumidor, que escolhe a quantidade de gás a ser comprado, da mesma maneira como na bomba do posto de gasolina.

O principal argumento de quem defende o modelo de gás fracionado é a oportunidade de o consumidor definir o quanto quer colocar no reservatório. Além disso, abrem-se novas possibilidades de negócios entre pequenos empreendedores.

Clécio Santana, do Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis da Bahia, defendeu uma nova regulamentação para um novo modelo de negócios, para absorver mais condições de adaptação e de novos investimentos.

— Precisamos entender os efeitos práticos desse novo modelo de negócios. O GLP terá um forte concorrente, que é o gás natural, e que possivelmente será até mais competitivo [o gás natural é aquele já distribuído nos edifícios mais modernos, sem o uso de botijões porque chega por encanamento específico].

O presidente da Associação Brasileira de Revendedores de Gás Liquefeito,  Alexandre Borjaili, destacou que trata-se de um novo modelo de negócios, não de substituição.

— Não estamos dizendo que vamos converter as revendas de GLP todas em envasadoras de GLP. Esse modelo não substitui o atual nem coloca em risco as revendas. Ele permite a compra por quilo ou por quantidade de reais, além de gerar empregos — disse, demonstrando, como contraponto, a preocupação com as normas de segurança.

José Luiz Rocha, presidente da Associação Brasileira das Entidades Representativas das Revendas de Gás, também seguiu essa linha. Disse que as distribuidoras reclamam do fracionamento, mas argumentou que não se está retirando delas o direito de ter postos de revenda.

— Se o negócio for viável e rentável, outros investidores vão entrar no mercado e consequentemente isso dará mais condição ao consumidor.

Para ele, não é necessária estrutura complexa para ter um posto de enchimento.

—  Equipamentos modernos podem ser instalados em contêiners. O não fazer não é por falta de segurança ou de tecnologia. A questão é que o mercado é concentrado em poucas distribuidoras. A questão é a barreira de entrada para outras empresas.

Segurança

O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) criticou o fracionamento. Para ele, o cerne do debate é a segurança de um consumidor colocar um botijão no carro para encher num posto ou a dificuldade para lacrar o gás dentro do recipiente.

O representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) na audiência, Ageu Cavalcanti Lemos, disse que não é simples assim. Depois de narrar acidentes com gás e os danos resultantes da falta de preparo para manuseio do produto, Lemos frisou a preocupação com a precarização do trabalho e a segurança do trabalhador e do consumidor.

— Defendemos que somente profissional qualificado instale, opere ou repare equipamentos de GLP. Os empregados de distribuidoras de gás têm treinamento específico e as empresas têm técnicos de segurança do trabalho.

O bombeiro Wagner Xavier apresentou questões práticas. Representando a Fundação de Apoio ao Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo ele reconheceu o interesse da ANP em organizar o processo de competição no setor, mas cobrou medidas mínimas de segurança.

— Não estão claras as normas de segurança de enchimento fracionado.

Ele questionou se os pontos de reabastecimento terão equipamentos de combate a incêndios, se haverá regulamentação sobre pontos móveis e qual a distância mínima de bueiros e galerias, entre outras questões. Por fim, perguntou se o cliente, ao levar o recipiente, pode ter seu botijão apreendido por falta de segurança na conservação do botijão.

— E onde será feito o descarte dos vencidos e inutilizados? — completou.

O representante do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) engrossou a lista do bombeiro. Marcos Trevisan Vasconcelos demonstrou preocupação tanto com a inspeção e descarte dos botijões danificados (hoje feito pelas distribuidoras) quanto com o controle.

—  O Inmetro controla a quantidade do produto embalado via amostragem na distribuidora. Com o enchimento a granel, não temos como aferir.

Frete

Sergio Bandeira de Mello falou na reunião em nome do Sindicato das Empresas Distribuidoras de GLP, que reúne as grandes distribuidoras. Ele esclareceu que a entrega porta a porta custa mais caro pela conveniência e segurança do serviço oferecido.

— Muito mais que gás, as distribuidoras e as revendas vendem o serviço de entrega.

Ele destacou, no entanto, a baixa atratividade do segmento, por ter demanda estática.

A distribuição do GLP gera 380 mil empregos diretos e indiretos da categoria e 95% das residências brasileiras ainda usam o gás de cozinha.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)