Comissão conclui debates ouvindo prós e contras da reforma da Previdência
Da Redação | 22/08/2019, 20h58
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) encerrou nesta quinta-feira (22) o seu ciclo de audiências públicas sobre a reforma da Previdência (PEC 6/2019). Em uma mesa mista, palestrantes a favor e contra a proposta expuseram mais uma vez os argumentos gerais que sustentam as suas posições.
Críticas
Do lado dos críticos, os principais questionamentos dizem respeito ao valor reduzido dos benefícios, ao tempo prolongado de contribuição, ao tratamento dado às aposentadorias especiais (policiais, por invalidez, trabalhadores em situação de risco) e a dúvidas sobre a segurança jurídica da proposta.
Ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Mauro Hauschild afirmou que a reforma “esquece várias premissas” de proteção social para dar importância, em primeiro lugar, à questão fiscal. Para ele, o governo erra ao insistir apenas nesse aspecto e em não acompanhar a reforma com programas de redução do desemprego e eficiência da gestão.
— O objetivo da reforma é reduzir gastos da Previdência, que não me parece uma premissa adequada. Quais são os meios que estão sendo utilizados? Elevar o tempo de contribuição, elevar a idade e reduzir os valores dos benefícios. Está faltando uma contrapartida do Estado — disse.
O diretor parlamentar do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), George Alex de Souza, foi pela mesma linha, destacando que os grandes agentes econômicos não foram chamados a fazer a sua parte para melhorar a situação da Previdência e que apenas os trabalhadores assalariados precisarão encarar ajustes.
Já o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Paulo Rabello de Castro alertou para a possibilidade de deserção do sistema previdenciário por uma grande massa de cidadãos, caso a reforma seja aprovada como está. Para ele, muitas pessoas vão buscar a aposentadoria imediatamente, de modo a escapar das novas regras, criando um rombo fiscal ainda maior.
— Se os incentivos são negativos, haverá uma fuga. Se as alíquotas sobem, o tempo de contribuição sobe e nada é dado em troca, as pessoas vão para outras alternativas: MEI [microempreendedor individual], Simples, informalidade... Haverá uma forte queda da demanda pela clientela do segurado do INSS. As janelas de evasão não foram fechadas e algumas foram até mais escancaradas — avaliou.
Rabello também cobrou do governo a composição do Fundo do Regime Geral (FRGPS), um caixa que deveria ter sido alimentado pelo Estado ao longo dos anos para abastecer a Previdência quando chegasse o momento da transição demográfica, que o país vive agora.
A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Ladenthin, fez alusão ao dispositivo que exige a edição de uma lei para permitir o julgamento de causas previdenciárias pelas Justiças estaduais quando não houver vara federal à disposição. Essa permissão, hoje, é automática. Segundo ela, esse obstáculo pode trazer morosidade.
— A Justiça Federal não tem hoje estrutura para recepcionar os processos da competência delegada. Isso impacta muito nas questões geográficas. Há cidades muito longe da Justiça Federal. Como a parte sem dinheiro vai fazer uma audiência a 500, 600 quilômetros [de casa]?
Esse ponto também foi levantado pela presidente de uma comissão de estudos previdenciários do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Suzani Ferraro. Além disso, ela reclamou das tentativas de retirar do texto constitucional parte do regramento da Previdência, alegando que isso fragiliza os direitos dos cidadãos.
Suzani Ferraro e Adriane Ladenthin falaram também sobre as aposentadorias especiais para trabalhadores que se expõem a situações de perigo ou a agentes químicos e biológicos nocivos. Para elas, a reforma piora significativamente a situação desses trabalhadores, que realizam serviços essenciais à sociedade.
— Enquanto não tivermos um ambiente de trabalho salutar, não dá para fazer às avessas: tirar o benefício para depois melhorar o ambiente de trabalho. Enquanto isso, teremos trabalhadores incapacitados e mortos — destacou a presidente do IBDP.
O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luis Antônio Boudens, reforçou os argumentos expostos pela categoria na última terça-feira (20).
Defesa
Dois membros da equipe econômica do governo compareceram à audiência e defenderam a PEC 6/2019. O secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Leal, afirmou que todos os cálculos oficiais que indicam grave déficit previdenciário são embasados por órgãos técnicos, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Controladoria-Geral da União (CGU). Além disso, explicou ele, a situação da Previdência é auditada anualmente pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Leal ressaltou que a questão demográfica, que move a reforma, vai além de qualquer vontade e é uma realidade do país que precisa ser enfrentada. Essa transformação foi detalhada por Luiz Henrique Paiva, pesquisador do IPEA. Segundo ele, o Brasil terá uma transição demográfica até três vezes mais rápida do que a atravessada por outros países e chegará a 2060 com mais de um quarto da sua população com mais de 65 anos.
Isso colocará ainda mais pressão sobre a Previdência, que já consome muitos recursos. Segundo Paiva, o Brasil é o líder mundial em despesas previdenciárias entre países com o mesmo perfil etário.
— As contas da Previdência não vão se equilibrar com tamanha mudança da estrutura demográfica brasileira. Só no RGPS [Regime Geral de Previdência Social], as despesas saltariam de pouco menos de 9% para mais de 16% do PIB. [Com esse dinheiro] daria para dobrar o Bolsa-Família, dobrar todos os gastos do governo com saneamento e habitação. Nós gastamos mais com Previdência do que com todo o resto. É ilusório achar que a coisa vai melhorar automaticamente.
Paiva e Leal afirmaram, também, que a Previdência contribui para aprofundar as desigualdades de renda no Brasil. Esse ponto foi explorado pelo diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Felipe Salto. Ele explicou que servidores públicos federais, beneficiários do Regime Próprio (RPPS), se aposentam com benefícios até 19 vezes superiores aos do Regime Geral, que serve aos trabalhadores da iniciativa privada. Essas distorções, disse, foram dirimidas na proposta.
Salto aproveitou para reforçar que o deficit da Previdência Social é uma informação real e verificada. Segundo os números compilados pela IFI e retirados dos orçamentos oficiais, o saldo negativo pode chegar a R$ 335 bilhões em 2019, somando o RGPS, o RPPS, os estados e os municípios.
— Os dados são públicos, a metodologia é conhecida, toda a academia utiliza. Há deficit na Previdência. Quem diz o contrário simplesmente está dizendo uma mentira deslavada. Não há outro termo para usar — afirmou.
Outro membro da equipe econômica do governo a participar foi o diretor de programa da Secretaria de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia Miguel Kauam. Ele rebateu os argumentos sobre a parte jurídica da PEC 6/2019, afirmando que a delegação de competência para as Justiças estaduais estava fora da Constituição originalmente. Para ele, a situação atual já não é cômoda para os segurados. Segundo afirmou, há uma “falsa sensação de proximidade” com a Justiça, onde ocorrem tramitações demoradas.
O secretário de Controle Externo da Gestão Tributária, da Previdência e Assistência Social do TCU, Tiago Dutra, explicou o papel do tribunal na auditoria das contas previdenciárias e destacou que o órgão alerta sobre a sustentabilidade do sistema há 15 anos.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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