Direito autoral sobre música em quarto de hotel gera controvérsias em debate

Da Redação | 11/06/2019, 13h38

Um projeto de lei que propõe a modernização do turismo no Brasil — especialmente o trecho que trata da cobrança da taxa do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) em quartos de hotéis — foi discutido em audiência pública da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) nesta terça-feira (11).

De autoria do ex-deputado Carlos Eduardo Cadoca, a proposta (PL 1.829/2019) atualiza conceitos e diretrizes do turismo às recomendações da Organização Mundial do Turismo (OMT) e de outros organismos internacionais. Também incorpora à Lei Geral do Turismo (Lei 11.771, de 2008) iniciativas e práticas já adotadas pelo Ministério do Turismo, pela Embratur e pelo trade turístico nacional. Entre várias mudanças, o projeto acaba com a classificação dos hotéis por meio de atribuição de estrelas.

O assessor jurídico da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis Nacional (ABIH), Huilder Magno de Souza, defendeu o fim da cobrança do Ecad nos quartos dos hotéis, alegando um “ponto de vista econômico”. Ao dizer que a incidência do tributo sobre essas unidades privativas traz um “peso significativo” para a rede hoteleira, ele declarou que o setor está em crise. Huilder citou os casos de 16 hotéis fechados no Rio de Janeiro, 26 empreendimentos falidos em Belo Horizonte e 25 no Rio Grande do Sul, desde 2016.

— Não somos contrários à cobrança do tributo em áreas comuns, mas à ideia de pagamento da taxa de cada apartamento, que é considerado um ambiente privado. Temos todo o respeito pelos artistas, sei do trabalho, do cansaço, do que é compor, mas o momento agora é de cada um ceder um pouco.

O presidente executivo do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Orlando de Souza, também se posicionou contrariamente à cobrança do Ecad nos quartos. Ele disse que cada apartamento é privativo e nem mesmo o dono do hotel pode ter acesso à unidade sem autorização formal.

— A cobrança em espaços públicos é devida, mas considerar o mesmo para um ambiente particular é um sofisma. O quarto é uma área de propriedade do hóspede, que alugou aquele apartamento e pagou por ele naquele período.

Contrariedade

A representante do Ecad, Glória Cristina Rocha Braga, disse não ser possível que a música brasileira seja prejudicada e, os músicos, penalizados com a medida. Para ela, os quartos de hotéis são ambiente coletivo e, portanto, está correta a lei de direitos autorais que prevê o recolhimento da taxa.

— Os hotéis não querem um preço melhor, querem não pagar direitos autorais, e isso nós, representantes dos criadores brasileiros, não podemos admitir. Não penalizem a música — defendeu.

A atriz e empresária Paula Lavigne criticou a posição dos representantes do setor hoteleiro e afirmou que muitos precisam de “uma aula”. Ao afirmar que a música engrandece o serviço  — porque, segundo declarou, os profissionais da área “levam alegria às pessoas” —, a artista avaliou que a crise dos hotéis não se deve ao recolhimento do tributo.

— Há essa demonização do artista, como se a gente ganhasse fortunas. Direito autoral não é tributação, e eu fico até constrangida por falar coisas óbvias.

O compositor Roberto Frejat declarou estar surpreso ao ver que o peso da crise do setor hoteleiro estaria sendo atribuído à categoria dos artistas. Segundo ele, no momento em que o turismo no Brasil precisa de incentivos, o PL 1.829/2019 prevê a diminuição do percentual de quartos adaptados para pessoas com deficiência e o fim da cobrança do Ecad.

— A lei brasileira não pode se sobrepor a leis internacionais que o Brasil assinou, e nenhuma delas pode ser desobedecida, como é exatamente o que acontece agora. Direitos autorais estão diretamente direcionados a direitos humanos, e a gente precisa ter muita responsabilidade em cima do que está sendo discutido aqui.

O músico Nando Reis disse que direitos autorais são “sagrados” e que o percentual do Ecad é significativo, especialmente para os compositores anônimos. Ao se queixar de comentários avulsos de que os artistas “vivem de mamata”, o cantor declarou que trabalha seriamente e representa os autores, a quem classificou de “profissionais invisíveis”.

— A crise não tem nada a ver com a gente. Não é justo que recaia sobre nós a culpa sobre esses centavos, que recaem tão gravemente sobre aqueles que nem poderiam estar aqui, por não conseguirem se deslocar.

Governo

Assessor técnico do Ministério do Turismo, Wilken Souto disse ser favorável à redação atual e manutenção de todos os artigos do PL, explicando que a proposta traz demandas de diversos setores da atividade turística. Ele reconheceu que o texto apresenta desafios, já que a burocracia no ambiente de negócios e a alta tributação sobre o turismo impedem a atração de investimentos. Wilken disse ainda que qualquer nova tributação aumenta o custo para os empreendimentos e atrapalha o crescimento do turismo no Brasil.

— O Ministério do Turismo é favorável a todas as medidas que possam facilitar a atuação dos prestadores de serviços turísticos e impactar, direta ou indiretamente, na diminuição de custos para o empresário e, assim, gerar emprego e renda. Esperamos que os senadores julguem a matéria como ela veio da Câmara dos Deputados.

Senadores

O relator da matéria, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que presidiu a audiência pública, já sinalizou a intenção de manter a cobrança do Ecad sobre as áreas de uso exclusivo dos hóspedes. Na opinião dele, a alteração traria diminuição do pagamento de direitos autorais sem necessariamente baratear o custo da hospedagem.

Autor do requerimento para o debate, o senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) elogiou o relatório de Randolfe, considerando necessário buscar soluções que não prejudiquem o setor turístico, nem os compositores.

— Sem dúvida nenhuma, são os artistas que atraem o aquecimento econômico, mas precisamos contextualizar essa legalidade e trazer segurança jurídica. Percebi aqui apelos dos dois lados. A questão precisa ser aprofundada e, por isso, sou extremamente favorável ao debate.

O senador Eduardo Gomes (MDB-TO) destacou o papel dos artistas brasileiros e disse que o desenvolvimento do setor hoteleiro tem outros entraves. O parlamentar também elogiou o debate, afirmando que a música é uma “indústria nos melhores países”. Ele defendeu a inclusão das composições nas políticas nacionais.

Já a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) disse que o povo brasileiro tem dúvidas quanto à destinação dos valores arrecadados pelo Ecad e opinou que o assunto deve continuar em discussão.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)