Governadores reclamam de perdas com a falta de regulamentação da Lei Kandir

Da Redação | 27/09/2017, 18h52

A perda de recursos foi a principal das reclamações dos governadores sobre a Lei Kandir, durante audiência pública promovida na tarde desta quarta-feira (27). O debate foi realizado pela Comissão Mista Especial que tem a responsabilidade de oferecer propostas sobre a regulamentação da Lei Kandir.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu prazo até 30 de novembro de 2017 para que o Congresso Nacional regulamente a Lei Kandir. Se até essa data não for aprovada uma norma com esse objetivo, o Tribunal de Contas da União (TCU) ficará responsável por fazer os cálculos da compensação.

Perdas

O governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), afirmou que os governadores estão à disposição para colaborar com o Congresso na busca por uma solução para o impasse da Lei Kandir. Segundo o governador, a falta de regulamentação causou um prejuízo de quase R$ 4 bilhões ao Rio Grande do Sul só no ano passado. Nos últimos 20 anos, o estado deixou de arrecadar mais de R$ 40 bilhões.

Sartori reclamou que a legislação afeta os produtos primários, mas não atinge os industrializados — o que termina por prejudicar estados exportadores de grãos, como o Rio Grande do Sul. Ele entregou para o relator da comissão, senador Wellington Fagundes (PR-MT), um documento com as questões que um grupo de governadores considera importantes para os estados exportadores na regulamentação da Lei Kandir. Para Sartori, o ideal é que a solução seja encontrada dentro do Parlamento e não no TCU.

— Compreendemos a situação econômica nacional. Mas temos feito o dever de casa e estamos buscando o equilíbrio financeiro — declarou o governador.

O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), reconheceu a importância histórica da Lei Kandir, mas apontou que a discussão da lei é uma tentativa de reparar uma das maiores injustiças fiscais do país. Ele disse que o Pará é um dos estados mais prejudicados com a renúncia fiscal e registrou que “compensação não compensa nada”. Segundo Jatene, o Brasil exporta apenas 12% do produto interno bruto (PIB), contra a média mundial de 20%. Ele disse que é difícil tecnicamente quantificar as perdas para os estados exportadores, mas apontou que os prejuízos são grandes.

— A compensação é insignificante e injusta. A União nunca exerceu seu papel de União, no enfrentamento da situação da Lei Kandir — declarou Jatene.

Urgência

Para o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), o “nó da Lei Kandir é antigo, mas não pode apodrecer antes que seja encontrada uma solução”. Ele classificou o desafio da comissão como “gigante”. Dias afirmou que seu estado tem registrado crescimento constante nas exportações, mas lembrou que o incentivo fiscal atinge produtos primários — o que desestimula a exportação de produtos industrializados. O governador destacou a urgência da situação e pediu que a comissão assuma uma data limite para votar a regulamentação da Lei Kandir.

— O Senado é a casa da Federação. É daqui que esperamos que saia a regulamentação. Queremos ter a esperança de que a política de exportação possa prosseguir — pediu o governador.

O governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), lembrou que o objetivo da lei é buscar uma balança comercial favorável. Ele lamentou, no entanto, que essa busca tenha prejudicado os recursos dos estados e até dos municípios, que recebem parte do ICMS. Azambuja definiu a discussão da regulamentação da Lei Kandir como “premente” e pediu que o Congresso trabalho em um novo “regramento justo” para todos os membros da Federação.

— Os estados e municípios não aguentam mais. Precisamos de uma solução definitiva para o ressarcimento, para continuarmos produzindo e gerando riquezas para o país — declarou.

O vice-governador de Mato Grosso, Carlos Fávaro (PSD), disse que a lei é importante para incentivar as exportações. Ele sugeriu a criação de um fundo com recursos de uma taxação de produtos importados que tirem a competitividade das empresas brasileiras. Os estados de Goiás, Acre e Maranhão também enviaram representantes para a audiência. Segundo o representante do Distrito Federal, Carlos Henrique Oliveira, o DF recebe apenas 25% como compensação do que é ofertado de crédito.

Equívocos

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Refinetti Guardia, registrou que o ministério já vem discutindo a regulamentação da Lei Kandir. Ele reconheceu que se trata de um tema complexo e técnico e que exige uma discussão equilibrada. Guardia reconheceu a situação difícil dos estados, mas alertou que a administração federal tem enfrentado problemas fiscais e previdenciários.

— O custo do desequilíbrio fiscal dos últimos anos atingiu principalmente o governo federal — declarou.

Eduardo Guardia lembrou que a legislação não toca em compensação retroativa. Ele reconheceu, no entanto, que o tema é sensível para estados. O secretário ainda questionou o valor da perda dos estados com a Lei Kandir — alguns estudos apontam cerca de R$ 500 bilhões acumulados desde 1996. Guardia acrescentou que o governo federal não reconhece esses números, pois existem equívocos técnicos nos cálculos. Conforme informou o secretário, o governo estuda unir os recursos do Fundo de Exportação com os da Lei Kandir. O valor daria cerca de R$ 3,9 bilhões ao ano, o que seria uma base para a compensação aos estados. O número, no entanto, é bem abaixo da expectativa dos governadores.

Testemunho

O relator, senador Wellington Fagundes, afirmou que seu relatório vai buscar o equilíbrio e o consenso, com um texto que seja possível de ser aprovado e cumprido. Para o relator, a solução para o impasse da Lei Kandir passa pelo debate no Parlamento. Ele ainda lembrou que nem todos os estados têm a mesma necessidade de compensação, reconheceu a complexidade do tema e afirmou que vai se dedicar ao trabalho. Os senadores Roberto Muniz (PP-BA), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Ana Amélia (PP-RS) e Lúcia Vânia (PSB-GO) também participaram da audiência, que foi dirigida pelo presidente da comissão, deputado Paulo Priante (PMDB-PA).

— O testemunho dos governadores é muito importante para esta comissão. Queremos também ouvir sugestões para balizar as decisões que a comissão tem que tomar — afirmou o presidente.

Lei Kandir

A Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) trata do imposto dos estados e do Distrito Federal, nas operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS). A lei pega emprestado o nome de seu autor, o ex-deputado federal Antônio Kandir, que foi ministro do Planejamento entre 1996 e 1998. Uma das normas da Lei Kandir é a isenção do pagamento de ICMS sobre as exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços. Por esse motivo, a lei sempre provocou polêmica entre os governadores de estados exportadores, que alegam perda de arrecadação devido à isenção do imposto nesses produtos.

Até 2003, a Lei Kandir garantiu aos estados o repasse de valores a título de compensação pelas perdas decorrentes da isenção de ICMS, mas, a partir de 2004, a Lei Complementar 115/2002 deixou de fixar o valor, embora tenha mantido o direito de repasse. Com isso, os governadores precisam negociar a cada ano com o Executivo o montante a ser repassado, mediante recursos alocados no orçamento geral da União.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)