Audiência aponta baixo retorno econômico como causa da escassez de penicilina

Da Redação | 13/07/2017, 15h57

Apenas quatro empresas no mundo produzem insumos para remédios que tem como princípio ativo a penicilina, antibiótico não mais protegido por patente e com baixo retorno econômico, inclusive para os laboratórios nacionais que fabricam medicamentos a partir dessa matéria-prima. Esse contexto explica o quadro de desestímulo à produção e a atual crise de abastecimento, segundo convidados de audiência pública nesta quinta-feira (13) na Comissão de Direitos Humanos (CDH).

A escassez do medicamento, tanto na rede pública quanto em farmácias, tem sido apontada como causa importante do crescimento de casos de sífilis e outras infecções facilmente tratadas com penicilina. O problema, que está ocorrendo também em diversos países, motivou o senador José Medeiros (PSD-MT) a convidar autoridades da área de saúde e representantes do mercado para analisar seus reflexos e alternativas de soluções.

- Temos nesses últimos tempos dificuldades imensas para as pessoas terem acesso a esses medicamentos. Como não é prioridade internacional, não tem se tornado pauta muito importante na mídia nem para ninguém. O objetivo dessa audiência é trazer o problema à luz, ouvir os especialistas e buscar, com o governo, soluções para que o medicamento não falte para as pessoas que necessitam – justificou.

Garantia até 2018

Apesar da crise, a representante do Ministério da Saúde, Lorena Brito Evangelista, afirmou que o abastecimento do sistema público de saúde em todo o país está garantido até 2018. Nesse momento, informou Lorena, a pasta está providenciando a aquisição de 2,4 milhões de frascos de penicilina, com investimento estimado em R$ 12 milhões.

- A meta é ofertar o medicamento de forma centralizada para atender todos os casos de sífilis detectados no Brasil – garantiu.

Na exposição, ela relatou as medidas adotadas a partir de 2015 pela pasta, onde ela responde pela Coordenação Geral de Assistência Farmacêutica e Medicamentos Estratégicos, para enfrentamento a crise surgida naquele ano. O ministério passou então a fazer compras centralizadas para atender estados e municípios.

A estabilidade da política foi reforçada com a inclusão desse medicamento no “componente estratégico” de assistência farmacêutica do Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso, a União assumiu a responsabilidade formal pelo abastecimento, já que os municípios vinham encontrando dificuldades de adquirir o medicamento com repasse direto de recursos.

Compra internacional

Uma das aquisições emergência em 2015 foi feita no exterior, via Organização Panamericana de Saúde (Opas), envolvendo a compra de 2 milhões de frascos de Benzilpenicilina Benzatina, apontada como a formulação mais difícil de ser encontrada. Outra foi com o laboratório Teuto, aqui mesmo no Brasil, que ainda tinha uma partida residual. Nas duas operações, o governo gastou mais de R$ 3 milhões.

Em 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou resolução que dispensou laboratórios nacionais do exigido registro de insumo farmacêutico ativo (IFA) para Benzilpenicilina. Com essa medida, segundo Lorena, os laboratórios tiveram mais facilidade para importar insumos e aumentar a produção, o que possibilitou a nova aquisição emergencial de mais 230 mil frascos do antibiótico, dessa vez na forma de Benzilpenicilina Potássica, usada no tratamento da sífilis congênita em bebês.

Saúde pública

Pela Anvisa, participou da audiência Patrícia Fernandes Nantes de Castilho, que comanda a Coordenação de Registro de Insumo Farmacêutico Ativo. Ela explicou que o registro IFA serve para assegurar as boas práticas de fabricação e a qualidade final dos remédios. Explicou que a dispensa concedida para o insumo Benzilpenicilina, de caráter temporário, foi feita diante da crise de abastecimento e do problema de saúde pública que é a sífilis.

Hoje existe 238 registros de insumos farmacêuticos ativos válidos na Anvisa, informou Patrícia. Ela mencionou ainda a entrada de 17 pedidos de dispensa de registros, 11 dos quais relacionados à Benzilpenicilinas, o que demonstra que essa é uma matéria-prima sensível. Depois, alertou que as dificuldades que determinaram a dispensa da certificação estão cessando, e que os fabricantes terão de se adequar.

Situação de mercado

Aspectos de mercado relacionados à produção de penicilinas foram abordados por outros dois convidados, um deles Arthur Covacevick, da empresa Nord Regulatorial, que presta consultoria em processos de registro de produtos em órgãos públicos. Segundo ele, das quatro empresas que hoje produzem insumos, uma é da Áustria e três são chinesas. Como a droga ficou muito barata, mesmos essas empresas limitaram sua produção a 20% da capacidade.

- Isso faz com que o mundo sofra com o desabastecimento, especialmente os países mais pobres. Essa crise tem causado o aumento da sífilis, inclusive no Brasil, onde a gente nem mais ouvia falar da doença – disse.

Covacevick observou que um dos registros de comercialização de insumo negados pela Anvisa foi de uma das empresas da China. Nesse caso, foi constado que a fábrica não operava de acordo com as normas sanitárias brasileiras. A seu ver, é pouco provável que uma empresa decida produzir no país, devido ao alto valor do  investimento inicial e dos custos na fase de produção, em comparação com os baixos preços do remédio, submetidos a controles no Brasil.

- O maior problema é mesmo a concorrência chinesa. Todos sabemos que a mão de obra lá é extremente barata, e assim eles conseguem produzir por valor muito inferior. Aqui o lucro é baixíssimo. É praticamente impossível concorrer com os chineses – afirmou.

Para Pedro Bernardo, da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), as condições de concorrência são difíceis, seja pelo alto custo dos investimentos e impostos. Destacou ainda a insegurança jurídica decorrente da mudança inesperada das regras regulatórias e o controle de preços.

No caso das penicilinas, disse que a entidade vinha defendendo a liberação dos preços ao mercado como forma de estimular a ampliação da oferta dos medicamentos. Finalmente foi aprovado um aumento em 2015, mas insuficiente para corrigir a defasagem. Segundo ele, o reajuste foi de 70%, enquanto a inflação acumulada chegava quase a 120%.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)