Pacientes com estenose aórtica devem ter terapia alternativa, defendem especialistas

Da Redação | 12/08/2015, 16h17

Participantes de audiência pública realizada nesta quarta-feira (12) pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) defenderam a adoção pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de procedimento alternativo para melhorar a qualidade de vida dos cerca de 200 mil brasileiros com mais de 75 anos que sofrem de estenose aórtica. Trata-se de deficiência caracterizada pelo mau funcionamento da válvula aórtica, que é uma das quatro válvulas cardíacas e é essencial para a circulação do sangue.

O problema é que em torno de 30% desses pacientes não podem se submeter à cirurgia padrão, que exige a abertura do tórax, e muitas vezes também não respondem bem ao tratamento por medicamentos. Especialistas presentes à audiência na CAS invocaram o Estatuto do Idoso, o qual assegura proteção à população idosa, para defender que tanto o SUS quanto os planos de saúde garantam cobertura obrigatória de implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (Tavi).

Diversos hospitais já realizam o procedimento, mas com recursos próprios, para pesquisa, ou em cirurgias particulares, não com base nos critérios do SUS, de acesso universal e igualitário. Para Marcelo Queiroga, diretor da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista, "todos os brasileiros precisam ter acesso a uma terapia que comprovadamente reduz a mortalidade".

- Quando tratamos cinco pacientes, salvamos uma vida. Chama-se NNT [número necessário a tratar]. Um NNT de cinco é tão eloquente como a vitória da Alemanha em cima da seleção brasileira. Não se discute. Essa terapia é mais benéfica do que a terapia conservadora – considerou.

Entretanto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) rejeitou a oferta do procedimento pela rede pública de saúde por entender que não salva tantas vidas, é extremamente oneroso e aumenta a ocorrência de acidente vascular cerebral. De acordo com relatório da Conitec, o SUS teria de atender anualmente mais de 12 mil pacientes, o que representaria um custo de quase R$ 1 bilhão.

Os números e as justificativas da Conitec foram contestados pelos participantes do debate, todos favoráveis à incorporação, mas nenhum representante do Ministério da Saúde estava presente para fazer a contraposição. A senadora Ana Amélia (PP-RS), autora do requerimento da audiência, e o senador Humberto Costa (PT-PE) salientaram a necessidade de participação de integrantes do Ministério da Saúde e da Conitec para apresentar as justificativas de veto ao tratamento. Feito isso, Ana Amélia pretende protocolar proposição legislativa que garanta o procedimento ao público idoso, especialmente aquele que pode ser beneficiado com o Tavi.

Conitec

Segundo Marcelo Queiroga, os técnicos da Conitec disseram que o Tavi tem mortalidade alta, de 5% após 30 dias, contra 2,8% da terapia padrão.

- Mesmo que o Tavi tivesse uma mortalidade muito maior era compreensível, porque os pacientes foram submetidos a um tratamento, e os do braço conservador só foram submetidos à terapia médica com diuréticos, que não têm o poder de colocar em risco a vida das pessoas – rebateu.

Ele mencionou dados do DataSUS mostrando que na cirurgia para implante valvar realizada pelo Instituto Nacional de Cardiologia, a mortalidade é de 11%, o dobro da verificada no estudo Partner com o Tavi, rejeitado pelo Conitec. Com pacientes acima de 65 anos, acrescentou Queiroga, a mortalidade pode chegar a 25%, cinco vezes maior do que a questionada.

- Não achamos conveniente dizer que a mortalidade com o Tavi é elevada e por isso se inviabilizar esse procedimento – opinou.

O médico também questionou o alto número de procedimentos anuais estimado pela Conitec, 12 mil, o mesmo número realizado nos Estados Unidos, que tem população maior e mais idosa que o Brasil.

De acordo com Denizar Vianna, professor associado do Departamento de Clínica Médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o tratamento com a  prótese custa pouco mais de R$ 91 mil, enquanto o tradicional custa cerca de R$ 10 mil. O chamado custo incremental é de R$ 81 mil. A diferença substancial entre um tratamento e outro está no ganho com sobrevida, maior com a prótese. Além disso, Denizar também chamou atenção para a provável redução do preço da prótese ao longo do tempo, um ponto favorável para sua incorporação. Estima-se que poderia cair para cerca de R$ 65 mil

O professor da Uerj sugeriu que se estabeleça um limite de custo de efetividade incremental para que o Conitec incorpore procedimentos ao SUS, de modo a evitar decisões discricionárias com base na questão do custo. Ele deu como exemplo o Reino Unido, onde há o limite de 20 mil libras esterlinas para cada ano de vida ganho pelo paciente.

- Se não adotarmos uma medida, isso vai ficar a critério daquele que vai decidir e indicar se isso vai ser incorporado ou não. A pergunta que fica é qual é nossa razão de custo/efetividade incremental – afirmou.

O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) enfatizou a necessidade de discutir com o Ministério da Saúde as razões da não cobertura do Tavi pelo SUS. Para ele, é preciso colocar "luz nesse debate", especialmente num momento em que a Agenda Brasil, proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, menciona a possibilidade de a população financiar o sistema público de acordo com sua faixa de renda, o que poderia ferir a "universalidade do sistema".

- O debate não será fácil, teremos uma discussão acalorada, inclusive sobre constitucionalidade - disse Cássio.

O procedimento

O chefe da Cardiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, José Antônio Marin, explicou como é feito o Tavi. Por meio de uma punção numa artéria da perna e via cateter que chega ao coração, a válvula aórtica é substituída pela defeituosa, disse ele. Em três dias, o paciente é liberado e “muda radicalmente sua qualidade de vida”, afirmou.

Números coletados de procedimentos realizados no Brasil pelo Registro Brasileiro de Implante por Cateter de Bioprótese Valvar Aórtica - que recebe informações de 22 institutos no Brasil - indicam que, dos 819 pacientes acompanhados que foram submetidos ao tratamento, 9% morreram em até 30 dias após a cirurgia, 21% ao longo de um ano e 30% depois de dois anos.

De acordo com Fabio Sândoli, coordenador do Registro, os números são altos, mas ainda assim inferiores ao que se espera se os pacientes não tivessem sido tratados. Grande parte deles já tem a saúde fragilizada e comorbidades como diabetes, insuficiência renal e doença arterial coronariana com cirurgia prévia, ressaltou.

- Os dados no Brasil estão de acordo com o que acontece no resto do mundo. A mortalidade em 30 dias, de 9,1% com esse tipo de procedimento, é comparável à de outros países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Alemanha, França, Bélgica e Canadá, com mortalidade variando de 7% a 12% - frisou.

Três próteses, uma delas brasileira, estão sendo utilizadas nos procedimentos. A equipe que criou a prótese brasileira - da qual faz parte o médico Enio Buffolo - estava na plateia e foi homenageada pelos senadores.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)