CE debate justa causa para atletas

Rodrigo Baptista | 17/06/2015, 14h30

Em 1999, Romário foi dispensado por justa causa pelo Flamengo, que considerou um ato de indisciplina a sua participação em uma festa em Caxias do Sul (RS), na madrugada do dia 11 de novembro daquele ano. Horas antes, a equipe carioca fora derrotada pelo Juventude, o que culminou com eliminação do Rubro-Negro da competição. Mas a Justiça não deu razão aos argumentos de justa causa apresentados pelo Flamengo para a dispensa do jogador. O caso foi lembrado pelo próprio Romário nesta quarta-feira (17) durante audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado (CE) que tratou da demissão por justa causa de atletas.

O debate, que contou com a participação de representantes de atletas, da Justiça do Trabalho, dos clubes e da CBF, deixou evidente a necessidade de regulamentar a questão de forma a tratar dos casos de demissão por justa causa específicos para jogadores de futebol. A proposta está em análise na CE, que tem como presidente o hoje senador Romário (PSB-RJ).

— A legislação foi omissa no que diz respeito à dispensa motivada de atleta. Acabei ganhando esse processo [contra o Flamengo], um processo que durou sete anos.  Eu, mais do que ninguém, tenho essa experiência e sofri na carne — contou o ex-jogador de futebol.

Outros casos de demissão por justa causa no mundo do futebol foram lembrados, como o do jogador Adriano. O atleta foi dispensado pelo Corinthians em 2012 após 67 faltas a treinamentos. O imbróglio terminou em acordo na Justiça.

Demissões de atletas profissionais eram regulamentadas pela Lei 6.354/1976, mas a mesma foi revogada em 2011. Hoje o que vale para esses casos é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que prevê justa causa, por exemplo, para embriaguez habitual ou em serviço, condenação criminal do empregado ou por ato de indisciplina.

O presidente do Avaí Futebol Clube, Nilton Macedo Machado, disse que as entidades desportivas têm perdido ações porque não conseguem caracterizar a justa causa.

— O projeto é ótimo para nós porque traz a previsão na lei da rescisão por justa causa. Não ficamos assim dependentes de entendimento jurisprudencial. Mas temos que encontrar solução para ambos: para clubes e para atletas — disse.

Projeto

A CE examina o PLS 109/2014, que propõe reintroduzir a possibilidade da dispensa de atletas por justa causa nos casos em que eles não cumprirem suas obrigações. O texto também altera a Lei Pelé para prever o pagamento de indenização pelo atleta ao clube nesses casos.

Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Alexandre Agra Belmonte o estabelecimento de uma cláusula indenizatória a ser paga por jogadores de futebol em casos configurados como justa causa é necessário para resguardar os clubes, que, em muitos casos, investem elevadas somas de dinheiro na contratação de atletas.

— Poderia ser adotada esta solução: o atleta pagaria indenização à entidade desportiva conforme prejuízos comprovados. Então, nesse caso o clube teria que comprovar os prejuízos para poder ter esse retorno — disse Belmonte, observando que a CLT prevê, em contratos temporários, a hipótese de indenização do empregado demitido ao empregador.

O advogado Pedro Fida relatou que o regulamento da FIFA já prevê a possibilidade de os clubes cobrarem valores estipulados a título de indenização. Ele ponderou, contudo, que é necessário observar a proporcionalidade e razoabilidade dos valores definidos.

— Esse projeto de lei acompanha a tendências internacionais e principalmente tendência do próprio futebol de outras federações internacionais — disse.

Desequilíbrio

Mas Amilar Fernandes Alves, assessor jurídico da CBF, não concorda com o pagamento de indenização pelos atletas. Para ele, isso traria um desequilíbrio na relação empregado-empregador.

— Menos de 5% jogadores recebem salário alto. Essa minoria não deve ser levada em conta. Temos que olhar a maioria. Na maior parte dos casos, o jogador é hipossuficiente — argumentou.

Romário (PSB-RJ) concordou e disse que o rompimento do contrato já é sanção suficiente para os jogadores:

— Eu nunca concordo com a CBF em nada, mas desta vez a CBF acertou. Não tem sanção maior ou punição maior do que o jogador deixar de receber o que está no contrato. Justa causa é ruim para qualquer empregado, não só jogador de futebol — avaliou.

Já o Presidente do Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo, Rinaldo José Martorelli vê com desconfiança o projeto. Para ele, em muitos casos, a questão da justa causa tem que ser discutida caso a caso:

— Há uma discussão de poder entrar na vida privada do trabalhador ou não. O atleta quando esta de folga ele pode beber? Eu não defendo isso. Mas ele está na sua vida particular e ele faz o que ele quer, ou não? São situações que temos que discutir.

Relator do projeto na CE, Dário Berger (PMDB-SC) se surpreendeu com a complexidade do debate.

— Minha preocupação é que esse tema, embora simples, pode ter repercussão muito significativa na vida tanto das entidades desportivas quanto na dos atletas. O grande objetivo é buscar um equilíbrio que possa trazer segurança jurídica - disse Berger.

Indenização e compensação

Existe hoje previsão legal de pagamento de indenizações pelo clube aos atletas e pelos atletas aos clubes, mas nenhuma delas envolve justa causa:

A cláusula indenizatória desportiva estabelece um valor a ser pago pelo atleta ao clube na hipótese de sua transferência para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato. Seu limite máximo é de duas mil vezes o valor médio do salário contratual para as transferências nacionais, não havendo qualquer limitação para as transferências internacionais.

Já a cláusula compensatória desportiva dispõe sobre a quantia que será devida pelo clube ou entidade desportiva ao atleta se ocorrer a rescisão contratual por inadimplemento salarial (por período igual ou superior a três meses), a rescisão indireta nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista, ou a dispensa imotivada do atleta. O valor dessa cláusula poderá ser de até 400 vezes o valor do salário mensal do atleta no momento da rescisão contratual por culpa do clube. No entanto, usualmente, a indenização é de, no mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta são exigidos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)