Projeto que restringe uso de animais em testes de cosméticos ainda longe de consenso

Rodrigo Baptista | 26/05/2015, 14h45

A restrição ao uso de animais em testes na indústria de cosméticos, higiene pessoal e perfume, estabelecida no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 70/2014, ainda parece longe de consenso, segundo ficou demonstrado em audiência pública sobre o tema promovida nesta terça-feira (26) pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT).

Conforme o texto, os testes só serão admitidos em produtos com ingredientes que tenham efeitos desconhecidos no ser humano e caso não haja outra técnica capaz de comprovar a segurança das substâncias. Mas a abrangência da proposta dividiu os participantes da audiência. Ativistas se opõem ao uso de qualquer animal em experimentos, argumentando que os testes com animais, além de submeterem os bichos ao sofrimento, não trazem resultados precisos. O Conselho Nacional de Experimentação Animal (Concea), por sua vez, avalia que as pesquisas com animais ainda são necessárias porque não podem ser substituídas em todos os casos.

A controvérsia em torno da questão levou a um impasse: aprovar o projeto da forma como está para tentar garantir algum avanço na proteção dos animais ou promover mudanças no texto e lidar com a possibilidade de o país ter que aguardar mais tempo pela vedação – ainda que parcial – do uso de animais em testes de cosméticos.

A proposta original bania qualquer uso de animal na indústria cosmética, o que não foi aceito pelo governo, conforme o autor do projeto, o deputado Ricardo Izar (PSD-SP). Ele reconheceu a limitação da proposta, mas defendeu sua aprovação.

— Nós vamos ter que esperar aí quatro, cinco, vinte anos talvez [se o projeto for alterado e retornar à Câmara], enquanto que, de uma forma ou de outra, ele sendo aprovado da forma que está, estaria começando a salvar uma parte dos animais agora – defendeu Izar.

Prazo

Mas para Vânia de Fátima Plaza Nunes, da ONG Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, o texto atual cria, na prática, um regime especial para empresas do setor de cosméticos. O problema, segundo ela, está principalmente no parágrafo 8º do Art. 14 do projeto. Conforme o trecho, os testes em animais para produtos cosméticos poderão ser realizados em um período de até cinco anos após o reconhecimento da técnica alternativa (sem animais) capaz de comprovar que o produto ou ingrediente é seguro para uso humano.

— Muitas vezes prazos dão alternativas para que situações críticas se mantenham – avaliou Vânia.

Para o presidente da ONG VEDDAS, George Guimarães, a aprovação do projeto da forma que está representa, na verdade, um retrocesso. Ele defendeu a proibição total dos testes em animais.

— Nossa posição é que é melhor que levem anos do que aprovar como está – disse Guimarães ao recomendar a supressão do parágrafo 8º.

Embora a área científica tenha dado um passo significativo no desenvolvimento de métodos alternativos em substituição ao uso de animais nos experimentos, há ainda um longo caminho a percorrer para substituir todos os ensaios com animais, conforme o coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, José Mauro Granjeiro. O prazo de cinco anos, segundo ele é necessário porque o país não dispõe de laboratórios capazes de seguir todos os princípios de boas práticas de laboratório (BPL), cujo objetivo é garantir a geração de dados confiáveis e de alta qualidade.

— Se a mudança for imediata, a repercussão também é imediata, eles [ as empresas] acabam mandando os ensaios para fora do país – disse Granjeiro.

Relator do PLC 70/2014, que regula a questão, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), disse que vai estudar se a retirada do parágrafo 8º representará apenas um ajuste de redação ou uma mudança de mérito, o que acarretaria o retorno do projeto à Câmara dos Deputados. A opinião do senador é de que é preciso acabar com a utilização de animais em testes laboratoriais voltados para a produção de produtos cosméticos. Ele ponderou, contudo, não concordar com limitações a pesquisas de novos tratamentos para doenças humanas.

— A gente vai colocar a defesa dos direitos dos animais na frente, por exemplo, das pesquisas para acabar coma raiva, com o Parkinson, com o Alzheimer, com o câncer? Eu não fiz essa opção tão grande pelos animais, contra o bem estar e a saúde dos seres humanos – disse Cristovam.

O senador, que é também presidente da CCT, se disse surpreso com as manifestações de internautas por meio de canais de interatividades do Senado, que, segundo Cristovam, foram unânimes em condenar os testes com animais.

Métodos Alternativos

Segundo o Concea, os testes clínicos em animais são necessários para a avaliação de segurança e eficácia de medicamentos e cosméticos, dentre outros produtos, para atender às necessidades da população. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também defende a aprovação do projeto. Assessor do órgão, Joel Majerowicz, observou que o principal objetivo dos testes em animais é encontrar soluções para o tratamento efetivo ou preventivo de determinadas doenças.

De acordo com o professor Thales de Astrogildo e Tréz, da Universidade Federal de Alfenas (MG), os estudos de toxicidade, que avaliam os efeitos de substâncias químicas sobre os organismos, utilizam apenas 9% dos animais hoje submetidos a testes. Para ele, os testes com animais não trazem resultados precisos.

— O fato é que existem estudos recentes que têm revelado a discrepância entre dados obtidos em animais e humanos – assinalou.

Márcio Lorencini, gerente de Avaliação de Produtos e Assuntos Regulatórios do Grupo Boticário, afirmou que a empresa não realiza testes que envolvam o uso de animais no desenvolvimento de seus produtos.

Projeto

O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 70/2014, que trata do assunto, tramita em conjunto com o Projeto de Lei do Senado (PLS) 438/2013, de autoria do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), e o PLS 45/2014, do senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Conforme o texto em discussão, a pesquisa em animais será banida quando os ingredientes utilizados em cosméticos, perfumes, ou produtos de higiene pessoal forem comprovadamente seguros para uso humano ou quando se tratar de produto cosmético acabado, a ser definido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Quando houver produto com efeito desconhecido, a proibição de uso de animais só será aplicada em até cinco anos contados do reconhecimento de uma técnica alternativa.

Instituto Royal

O debate sobre o uso de animais em testes e pesquisas de cosméticos ganhou força após o caso do Instituto Royal. Em outubro de 2013, 178 cães da raça Beagle e sete coelhos usados em pesquisas foram retirados por ativistas e moradores de São Roque, no interior paulista, de uma das sedes do instituto.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)